quinta-feira, 17 de junho de 2021

Crítica: Crime em Roubaix


CRIME EM ROUBAIX

por Joba Tridente 

(links: textos em laranja)

Assim como o cinema, sou de fases. Nos últimos anos andei sem desejo por filmes policialescos..., tanto pela redundância quanto pela insistente violência gratuita (na base do se viu um viu todos). No entanto, após assistir ao instigante thriller Crime em Roubaix (Roubaix une lumière, 2019), do diretor francês Arnaud Desplechin (Comment je me suis disputé… (ma vie sexuelle); Rois et Reine; Jimmy P. (Psychothérapie d'un Indien des Plaines)..., que chega dia 17.06.2021 ao serviço de streaming do Petra Belas Artes À La Carte..., já começo a rever meus conceitos: sim, é possível vida inteligente fora de Hollywood. 

“Aqui, todos os crimes, irrisórios ou trágicos, são reais.

Vítimas e culpados existiram.

A ação se desenrola na época atual.” 


É noite de Natal em Roubaix, cidade na fronteira com a Bélgica, que já conheceu dias melhores e hoje abriga imigrantes de diversas etnias, desempregados e desamparados. Em seu itinerário até a delegacia, o comissário argelino Yacoub Daoud (Roschdy Zem) toma conhecimento das infrações (através do rádio do carro) e lamenta a decadência econômica da cidade que o acolheu e a situação desesperadora daqueles cidadãos que perderam o rumo: “Tudo o que resta é a miséria”. Naquela noite e nas outras ele e seus policiais se ocuparão com fraudes, estupro, desavença familiar, desaparecimento de menor, incêndio criminoso..., e com a investigação do assassinado de Lucete, uma idosa encontrada estrangulada em sua cama. A suspeita do crime recai sobre suas vizinhas Claude (Léa Seydoux) e Marie (Sara Forestier), que vivem em situação lamentável. 

Proibido para cães e árabes 


Baseado no documentário Roubaix commissariat central, affaires courantes (2008), de Mosco Boucault, sobre um crime chocante ocorrido em 20o2, na cidade de Roubaix, onde nasceu Arnaud Desplechin, Crime em Roubaix é um filme policial investigativo com raro olhar humanitário para a população (local ou migrante) desassistida socialmente e envolvida em crimes de menor e ou de maior gravidade. Uma vez que não depende de cenas de ação, de tiroteio, de violência explícita, que caracterizam as (recentes) produções do gênero (principalmente norte-americanas), ele tem a metragem certa para destrinçar, com muita perspicácia, o crime bárbaro (sem imagens explícitas) do título. Sua narrativa é lenta e muito bem calculada..., para não deixar fios soltos ou dar nó cego nas minuciosas sequências de investigação criminal (que ocupam a maior parte da trama) e tampouco apagar o impactante retrato crítico dos imigrantes que sofrem todo tipo de preconceito. 

Tudo o que resta é a miséria.


Muito além do pertinente anseio social, ao passar ao largo da previsibilidade e do lugar comum e desdenhar da cartilha de clichês, o drama de suspense Crime em Roubaix, impulsionado pelo brilhante roteiro de Desplechin e Léa Mysius, resulta num fascinante estudo de três personagens relacionados com a morte da octogenária Lucete: o sempre calmo e ponderado comissário de polícia Daoud (que conduz investigações com maestria, pois sempre sabe quem é culpado ou inocente) e as (dissimuladas) amigas Claude e Marie (vítimas de si mesmas). Vale destacar as performances espetaculares de Seydoux, Forestier e Desplechin. Os três desempenham papéis difíceis, mas as duas atrizes estão em estado de graça, com suas personagens ambíguas que só de desvelam de vez (?) no surpreendente epílogo. Cinema pra se pensar (embora por vezes a trilha sonora incomode) e aplaudir. 

Ah, gostaria de registrar também que a ronda por becos, ruelas, delegacia, e o encontro com criminosos e salafrários em Roubaix, me lembrou de Cidade Nua (1948), de Jules Dassin..., talvez porque é assim, nua e marginal, que Arnaud Desplechin registra sua cidade de origem. Qual será a sua sensação e ou memória (afetiva ou aflitiva)? 

Se gostar do filme, recomendo a leitura desta Entrevista com Arnaud Desplechin, realizada por Sami Gnaba, em Paris, em setembro de 2019, após a sessão.

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...