CRIME EM ROUBAIX
por Joba Tridente
(links: textos em laranja)
Assim como o cinema, sou de fases. Nos últimos anos
andei sem desejo por filmes policialescos..., tanto pela redundância quanto
pela insistente violência gratuita (na base do se viu um viu todos). No entanto, após assistir ao instigante thriller Crime em Roubaix (Roubaix une
lumière, 2019), do diretor francês Arnaud
Desplechin (Comment je me suis
disputé… (ma vie sexuelle); Rois et
Reine; Jimmy P. (Psychothérapie d'un
Indien des Plaines)..., que chega dia 17.06.2021 ao serviço de streaming do Petra Belas Artes À La Carte..., já começo a rever meus
conceitos: sim, é possível vida
inteligente fora de Hollywood.
“Aqui, todos os crimes, irrisórios ou
trágicos, são reais.
Vítimas e culpados existiram.
A ação se desenrola na época atual.”
É noite de Natal em Roubaix, cidade na fronteira com
a Bélgica, que já conheceu dias melhores e hoje abriga imigrantes de diversas
etnias, desempregados e desamparados. Em seu itinerário até a delegacia, o comissário
argelino Yacoub Daoud (Roschdy Zem) toma conhecimento das infrações
(através do rádio do carro) e lamenta a decadência econômica da cidade que o
acolheu e a situação desesperadora daqueles cidadãos que perderam o rumo: “Tudo o que resta é a miséria”. Naquela
noite e nas outras ele e seus policiais se ocuparão com fraudes, estupro,
desavença familiar, desaparecimento de menor, incêndio criminoso..., e com a
investigação do assassinado de Lucete,
uma idosa encontrada estrangulada em sua cama. A suspeita do crime recai sobre
suas vizinhas Claude (Léa Seydoux) e Marie (Sara Forestier),
que vivem em situação lamentável.
“Proibido para cães e árabes”
Baseado
no documentário Roubaix commissariat
central, affaires courantes (2008), de Mosco Boucault, sobre um crime chocante
ocorrido em 20o2, na cidade de Roubaix, onde nasceu Arnaud Desplechin, Crime em Roubaix é um filme policial investigativo
com raro olhar humanitário para a população (local ou migrante) desassistida
socialmente e envolvida em crimes de menor e ou de maior gravidade. Uma vez que
não depende de cenas de ação, de tiroteio, de violência explícita, que caracterizam
as (recentes) produções do gênero (principalmente norte-americanas), ele tem a metragem
certa para destrinçar, com muita perspicácia, o crime bárbaro (sem imagens
explícitas) do título. Sua narrativa é lenta e muito bem calculada..., para não
deixar fios soltos ou dar nó cego nas minuciosas sequências de investigação criminal
(que ocupam a maior parte da trama) e tampouco apagar o impactante retrato crítico
dos imigrantes que sofrem todo tipo de preconceito.
“Tudo o que resta é a miséria.”
Muito
além do pertinente anseio social, ao passar ao largo da previsibilidade e do
lugar comum e desdenhar da cartilha de clichês, o drama de suspense Crime em Roubaix, impulsionado pelo
brilhante roteiro de Desplechin e Léa Mysius, resulta num fascinante
estudo de três personagens relacionados com a morte da octogenária Lucete: o sempre
calmo e ponderado comissário de polícia Daoud
(que conduz investigações com maestria, pois sempre sabe quem é culpado ou
inocente) e as (dissimuladas) amigas Claude
e Marie (vítimas de si mesmas). Vale
destacar as performances espetaculares de Seydoux, Forestier e Desplechin. Os três desempenham papéis
difíceis, mas as duas atrizes estão em estado de graça, com suas personagens
ambíguas que só de desvelam de vez (?) no surpreendente epílogo. Cinema pra se
pensar (embora por vezes a trilha sonora incomode) e aplaudir.
Ah,
gostaria de registrar também que a ronda por becos, ruelas, delegacia, e o encontro
com criminosos e salafrários em Roubaix, me lembrou de Cidade Nua (1948), de Jules Dassin..., talvez porque é assim, nua e
marginal, que Arnaud Desplechin registra sua cidade de origem. Qual será a sua
sensação e ou memória (afetiva ou aflitiva)?
Se gostar do filme, recomendo a leitura desta Entrevista
com Arnaud Desplechin, realizada por Sami Gnaba, em Paris, em setembro de 2019,
após a sessão.
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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