domingo, 6 de junho de 2021

Crítica: Saura (s)


 S A U R A (S)

por Joba Tridente 

Que Carlos Saura é um dos mais lendários diretores espanhóis e, ao lado de Buñuel e Almodóvar, está entre os mais reconhecidos em todo o mundo cinéfilo, não resta a menor dúvida. Mas quando se trata de vida íntima, o diretor de obras antológicas como Cría cuervos (1976), Mamá cumple cien años (1079), Bodas de sangre (1981), Carmen (1983), El amor brujo (1989), Tango (1998), entre outras, não se abre nem para os sete filhos, frutos de quatro casamentos. Assim, como fazer um documentário com um roteirista e diretor que não se sente confortável em falar de si mesmo e ou que se mostra alheio aos seus filmes, sempre de olho nos que irá realizar futuramente? 


Para o diretor Félix Viscarret, que participa do projeto Cineastas Contados..., em que fotógrafos (com exposições) e cineastas (com documentários) homenageiam grandes diretores espanhóis, do qual faz parte o filme Basilio Martín Patino - La Décima Carta (2014), de Virginia García del Pino, e estão previstos docs de Borja Cobeaga com Enrique Urbizu, Javier Rebollo com Francisco Regueiro, Jonás Trueba com José Luis García Sánchez e Daniel Sánchez Arévalo com Pedro Almodóvar..., a saída encontrada para desvelar o máximo possível da vida e da obra de Carlos Saura, foi reuni-lo com os filhos Carlos, Antonio, Shane (que mora nos EUA, gravou seu depoimento), Manuel, Adrián, Diego e Anna, numa conversa, digamos, improvisada e ver o que se aproveitava. Daí nasceu Saura (s), um documentário-família curioso, onde, entre muita relutância, por parte de todos os Sauras entrevistados, não faltam elogios, lamentações, considerações, conivência e, sobram intimidades a sete chaves. Ou seja, desvela-se um bocado sobre a complicada relação (de ausência e ou de carência) entre pai e filhos e pouco sobre o cineasta e até mesmo suas obras. Saura, de 89 anos, não gosta de falar de si e muito menos sobre a filmografia passada e se interessa apenas pela filmografia que pretende realizar no futuro..., mas, às vezes, acontece um deslize íntimo/profissional e o registro emociona. 


Assim, como o determinado Saura é um artista pessoalmente inalcançável (uma muralha íngreme), a estratégia de Viscarret “usar” os filhos do cineasta como fio condutor de brevíssimas entrevistas, que resvalam em pequenos questionamentos sobre a relação pai e filho (a) e algum comentário ou outro sobre produções que participaram e ou presenciaram a realização, é inteligente e funciona muito bem. Foge do padrão cine-biográfico que relaciona toda a obra e os apontamentos críticos sobre o retratado. Ainda que não fuja totalmente do modelo “cabeças falantes”..., já que os filhos estão sentados ao seu lado, no bate-papo descontraído e acompanhando a feitura de “fototosauras” (pinturas de Saura sobre fotografias)..., o documentário busca originalidade em recortes fascinantes que sobrepõem imagens e projeções de breves trechos de filmes (Cría Cuervos, La prima AngélicaElisa, vida mía, Carmen) complementados por comentário (de pai e filhos), e no excelente uso de espelhos (técnica emprestada do mestre) na composição cenográfica e sequencial. 


Sem fazer alarde e ou recorrer a subterfúgios, Felix Viscarret perscruta a vida profissional e familiar do cineasta aragonês Carlos Saura, nascido em Huesca, em 1932, e, entre declarações (Não gosto de viver da memória. Já fiz mais de 40 filmes e me esforço ao máximo para não vê-los. É preciso viver o presente e projetar-se no futuro.) e silêncios (Perguntas não respondidas são perguntas respondidas), consegue expor facetas arrebatadoras do excepcional artista. Carlos Saura, que herdou do pai o prazer de contar história, e é apaixonado pela fotografia (desde a infância, quando “pegou emprestado” uma câmera fotográfica para realizar um feito que daria um belíssimo filme), pelo desenho, pela arte cinematográfica e pelas mulheres (Adela Medrano, Geraldine Chaplin, Mercedes Pérez, Eulalia Ramón), aqui, diante das câmeras e dos filhos, parece bem verdadeiro. Ou não?! Pode não ser o documentário que Viscarret planejou, mas, como se diz, acabou saindo melhor que a encomenda. Um filme imperdível. 


Recomento, como complemento, a leitura da interessante entrevista com Carlos Saura e Felix Viscarret, feita por Alex Montoya para o site Fotogramas, quando da exibição do documentário Saura (s) no Festival de San Sebastian em 2017: 'Saura(s)': Carlos Saura y Félix Viscarret nos adentran en el documental

Inédito nos cinemas brasileiros, o documentário Saura (s) está sendo exibido no Festival Volta ao Mundo: Espanha, do streaming Petra Belas Artes à La Carte.

  

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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