S A U R A (S)
por Joba Tridente
Que Carlos Saura é um dos mais lendários diretores
espanhóis e, ao lado de Buñuel e Almodóvar, está entre os mais reconhecidos em
todo o mundo cinéfilo, não resta a menor dúvida. Mas quando se trata de vida
íntima, o diretor de obras antológicas como Cría
cuervos (1976), Mamá cumple
cien años (1079), Bodas de sangre (1981), Carmen (1983), El amor brujo (1989), Tango
(1998), entre outras, não se abre nem para os sete filhos, frutos de quatro
casamentos. Assim, como fazer um documentário com um roteirista e diretor que
não se sente confortável em falar de si mesmo e ou que se mostra alheio aos
seus filmes, sempre de olho nos que irá realizar futuramente?
Para o diretor Félix
Viscarret, que participa do projeto Cineastas
Contados..., em que fotógrafos (com exposições) e cineastas (com
documentários) homenageiam grandes diretores espanhóis, do qual faz parte o
filme Basilio Martín Patino - La Décima
Carta (2014), de Virginia García del Pino, e estão previstos docs de Borja
Cobeaga com Enrique Urbizu, Javier Rebollo com Francisco Regueiro, Jonás Trueba
com José Luis García Sánchez e Daniel Sánchez Arévalo com Pedro Almodóvar..., a
saída encontrada para desvelar o máximo possível da vida e da obra de Carlos Saura, foi reuni-lo com os
filhos Carlos, Antonio, Shane (que mora nos EUA, gravou seu depoimento), Manuel,
Adrián, Diego e Anna, numa conversa, digamos, improvisada e ver o que se
aproveitava. Daí nasceu Saura (s),
um documentário-família curioso, onde, entre muita relutância, por parte de
todos os Sauras entrevistados, não
faltam elogios, lamentações, considerações, conivência e, sobram intimidades a
sete chaves. Ou seja, desvela-se um bocado sobre a complicada relação (de
ausência e ou de carência) entre pai e filhos e pouco sobre o cineasta e até
mesmo suas obras. Saura, de 89 anos, não gosta de falar de si e muito menos sobre
a filmografia passada e se interessa apenas pela filmografia que pretende
realizar no futuro..., mas, às vezes, acontece um deslize íntimo/profissional e
o registro emociona.
Assim, como o determinado Saura é um artista pessoalmente
inalcançável (uma muralha íngreme), a estratégia de Viscarret “usar” os filhos
do cineasta como fio condutor de brevíssimas entrevistas, que resvalam em
pequenos questionamentos sobre a relação pai e filho (a) e algum comentário ou
outro sobre produções que participaram e ou presenciaram a realização, é
inteligente e funciona muito bem. Foge do padrão cine-biográfico que relaciona
toda a obra e os apontamentos críticos sobre o retratado. Ainda que não fuja
totalmente do modelo “cabeças falantes”..., já que os filhos estão sentados ao
seu lado, no bate-papo descontraído e acompanhando a feitura de “fototosauras”
(pinturas de Saura sobre fotografias)..., o documentário busca originalidade em
recortes fascinantes que sobrepõem imagens e projeções de breves trechos de
filmes (Cría Cuervos, La prima Angélica, Elisa, vida mía, Carmen) complementados por
comentário (de pai e filhos), e no excelente uso de espelhos (técnica emprestada
do mestre) na composição cenográfica e sequencial.
Sem fazer alarde e ou recorrer a subterfúgios, Felix
Viscarret perscruta a vida profissional e familiar do cineasta aragonês Carlos
Saura, nascido em Huesca, em 1932, e, entre declarações (Não gosto de viver da memória. Já fiz mais de 40 filmes e me esforço ao
máximo para não vê-los. É preciso viver o presente e projetar-se no futuro.)
e silêncios (Perguntas não respondidas
são perguntas respondidas), consegue expor facetas arrebatadoras do
excepcional artista. Carlos Saura, que herdou do pai o prazer de contar
história, e é apaixonado pela fotografia (desde a infância, quando “pegou
emprestado” uma câmera fotográfica para realizar um feito que daria um belíssimo
filme), pelo desenho, pela arte cinematográfica e pelas mulheres (Adela Medrano,
Geraldine Chaplin, Mercedes Pérez, Eulalia Ramón), aqui, diante das câmeras e
dos filhos, parece bem verdadeiro. Ou não?! Pode não ser o documentário que Viscarret
planejou, mas, como se diz, acabou saindo melhor que a encomenda. Um filme imperdível.
Inédito nos cinemas brasileiros, o documentário Saura (s) está sendo exibido no Festival
Volta ao Mundo: Espanha, do streaming Petra
Belas Artes à La Carte.
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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