sábado, 3 de abril de 2021

Crítica: Meu Pai


M E U   P A I

por Joba Tridente

Antes de chegar aos festivais de cinema e às salas de exibição, arrebatando (e estraçalhando) corações e mentes, o premiado drama franco-britânico Meu Pai (The Father, 2020), de Florian Zeller, originado da peça teatral Le Père (O Pai, 2012), do próprio dramaturgo e diretor francês, eleita uma das melhores do século XXI, teve uma primeira adaptação francesa para o cinema com o título Floride (A Viagem do Meu Pai), em 2015, dirigida por Philippe Le Guay, que dividiu o roteiro com Jerome Tonnerre. Uma versão que, comparada à de Florian Zeller..., que dividiu o roteiro com o dramaturgo Christopher Hampton (Ligações Perigosas, Desejo e Reparação, O Americano Tranquilo), tradutor da premiadíssima peça teatral para o inglês..., fica a desejar. 


Meu Pai acompanha o angustiante cotidiano de Anthony (Anthony Hopkins), de 81 anos de idade, que vive em Londres e não admite estar perdendo o controle de suas faculdades mentais e tampouco aceita a atenção de alguma cuidadora, para desespero de sua filha Anne (Olivia Colman), que tem planos de se mudar para Paris, mas não pode deixar o pai sozinho. Enquanto a demência corrói mais e mais a mente do simpático Anthony, cuja doença o deixa cada vez mais temperamental e irascível, ele passa a duvidar das intenções de Anne em relação à sua saúde e, principalmente, em relação ao seu belo apartamento. Será? Ora, o apartamento de sua filha também é excelente. Aliás, não fosse alguns detalhes, seriam semelhantes...

Mas, não é só isso que confunde Anthony. Conforme a história segue, tropeçando em obstáculos físicos e mentais, o velho (assim como o espectador) não tem certeza se Anne e suas visitas são realmente quem dizem ser e se o que ele vê é real e ou um maldoso jogo de cena. É a partir de minúcias (físicas e mentais) perturbadoras, que dão nó e desalinho no cérebro do protagonista, que a comovente narrativa sobre a demência e o Alzheimer se desenvolve..., tirando o chão do espectador que, enredado na trama que vasculha a mente humana, se vê obrigado a compartilhar do mesmo terror psicológico que aflige Anthony, até que um murro na boca do estômago, no ato final, o tire da letargia.

Nem sempre uma premiada peça de teatro repete, no cinema, o mesmo sucesso alcançado no palco. Não é só questão de linguagem, mas de adaptação, elenco e direção. O que não é o caso de Meu Pai, irretocável até nas minúcias e sem jamais parecer teatro filmado..., também porque, tal produção, mesmo num palco mais sofisticado, demandaria um alto custo. O drama adulto (por vezes subjetivo), que impõe (ao mesmo tempo) ao espectador a condição incômoda de observador de um idoso demente e a condição desesperadora da própria vítima da ação nefasta da demência, é uma experiência singular. A intensidade dramatúrgica que provoca a dupla sensação de desconforto acontece de tal forma imersiva que é impossível safar-se dela. Haja coração! Não há ponto de fuga nas engrenagens desse angustiante quebra-cabeça visual e mental..., nem mesmo no desconcertante epílogo. Dizer mais do encaixe e desencaixe das peças é cometer spoiler...

Meu Pai não se destaca apenas pela engenhosidade de Zeller na construção e desconstrução da memória de Anthony. O seu texto/roteiro é brilhante, sem dúvida, e o elenco (que conta ainda com a presença de Mark Gatiss, Imogen Poots, Rufus Sewell, Olivia Williams, em papéis chaves) que dá vida a ele é magnífico. Anthony Hopkins e Olivia Colman estão soberbos em suas performances cheias de nuances. Os diálogos são precisos/ferinos e a direção é elegante. Ainda que a contundência de algumas cenas provoque lágrimas, em momento algum a narrativa resvala no melodrama e ou afaga algum clichê do gênero ao questionar o envelhecimento humano, que pode ser tão desesperador para quem envelhece sem saúde quanto para quem assume o papel de cuidador do envelhecido doente. Porém, entre as inúmeras qualidades, é impossível ficar alheio também à surpreendente composição cenográfica do designer de produção Peter Francis, à fotografia intimista de Ben Smithard e à edição alucinante de Yorgos Lamprinos, na base, no registro e na finalização desta obra notável.

Meu Pai estreia no dia 09.04.2021, nas plataformas digitais, Now, Itunes (Apple TV), Google Play, e, a partir do dia 28.04.2021, na Sky Play e Vivo Play. A estreia em salas de cinema poderá ocorrer conforme a abertura em cada cidade. 


NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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