por Joba Tridente
Antes de chegar aos festivais de cinema e às salas de exibição, arrebatando
(e estraçalhando) corações e mentes, o premiado drama franco-britânico Meu
Pai (The Father, 2020), de Florian Zeller, originado da peça
teatral Le Père (O Pai, 2012), do próprio dramaturgo e diretor
francês, eleita uma das melhores do século XXI, teve uma primeira adaptação
francesa para o cinema com o título Floride (A Viagem do Meu Pai),
em 2015, dirigida por Philippe Le Guay, que dividiu o roteiro com Jerome
Tonnerre. Uma versão que, comparada à de Florian Zeller..., que dividiu o
roteiro com o dramaturgo Christopher Hampton (Ligações Perigosas, Desejo
e Reparação, O Americano Tranquilo), tradutor da premiadíssima peça
teatral para o inglês..., fica a desejar.
Mas, não é só isso que confunde Anthony. Conforme a história segue, tropeçando em obstáculos físicos e mentais, o velho (assim como o espectador) não tem certeza se Anne e suas visitas são realmente quem dizem ser e se o que ele vê é real e ou um maldoso jogo de cena. É a partir de minúcias (físicas e mentais) perturbadoras, que dão nó e desalinho no cérebro do protagonista, que a comovente narrativa sobre a demência e o Alzheimer se desenvolve..., tirando o chão do espectador que, enredado na trama que vasculha a mente humana, se vê obrigado a compartilhar do mesmo terror psicológico que aflige Anthony, até que um murro na boca do estômago, no ato final, o tire da letargia.
Nem sempre uma premiada peça de teatro repete, no cinema, o mesmo sucesso
alcançado no palco. Não é só questão de linguagem, mas de adaptação, elenco e
direção. O que não é o caso de Meu Pai, irretocável até nas minúcias e
sem jamais parecer teatro filmado..., também porque, tal produção, mesmo num
palco mais sofisticado, demandaria um alto custo. O drama adulto (por vezes
subjetivo), que impõe (ao mesmo tempo) ao espectador a condição incômoda de observador
de um idoso demente e a condição desesperadora da própria vítima da ação
nefasta da demência, é uma experiência singular. A intensidade dramatúrgica que
provoca a dupla sensação de desconforto acontece de tal forma imersiva que é
impossível safar-se dela. Haja coração! Não há ponto de fuga nas engrenagens
desse angustiante quebra-cabeça visual e mental..., nem mesmo no desconcertante
epílogo. Dizer mais do encaixe e desencaixe das peças é cometer spoiler...
Meu Pai não se destaca apenas pela engenhosidade de Zeller na construção e desconstrução da memória de Anthony. O seu texto/roteiro é brilhante, sem dúvida, e o elenco (que conta ainda com a presença de Mark Gatiss, Imogen Poots, Rufus Sewell, Olivia Williams, em papéis chaves) que dá vida a ele é magnífico. Anthony Hopkins e Olivia Colman estão soberbos em suas performances cheias de nuances. Os diálogos são precisos/ferinos e a direção é elegante. Ainda que a contundência de algumas cenas provoque lágrimas, em momento algum a narrativa resvala no melodrama e ou afaga algum clichê do gênero ao questionar o envelhecimento humano, que pode ser tão desesperador para quem envelhece sem saúde quanto para quem assume o papel de cuidador do envelhecido doente. Porém, entre as inúmeras qualidades, é impossível ficar alheio também à surpreendente composição cenográfica do designer de produção Peter Francis, à fotografia intimista de Ben Smithard e à edição alucinante de Yorgos Lamprinos, na base, no registro e na finalização desta obra notável.
Meu Pai estreia no dia 09.04.2021, nas plataformas digitais, Now, Itunes (Apple TV), Google Play, e, a partir do dia 28.04.2021, na Sky Play e Vivo Play. A estreia em salas de cinema poderá ocorrer conforme a abertura em cada cidade.
NOTA: As considerações acima são pessoais
e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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