O HOMEM
QUE SURPREENDEU A TODOS
por Joba Tridente
A cultura da oralidade é algo que sempre surpreende a quem a cultiva. Quanto mais se acredita nativa, mais se descobre resquícios e variações dela na ponta da língua de outros povos. É o que acontece com uma divertida história folclórica brasileira (?), às vezes resumida como piada, de um homem que decide enganar a Morte, para permanecer vivo por muito mais tempo além do combinado, servindo de base para a releitura dramática, beirando o trágico, no perturbador filme russo O Homem que Surpreendeu a Todos. Ou seja, a origem dessa história se perdeu no conto a conto dos imigrantes mundo afora. Cada povo com sua variação.
O Homem que Surpreendeu a Todos, roteirizado e dirigido por Natasha Merkulova e Aleksey Chupov, é daqueles dramas de suspense que, mesmo sinalizando a previsibilidade, vai te dar um arrepio gelado na coluna, tamanha a frieza, a ambiguidade e a fúria de algumas sequências. No enredo muito bem desenvolvido por Merkulova e Chupov, com resquícios do excelente Deliverance (1972), de John Boorman, e do conto do Chapeuzinho Vermelho, de Charles Perraut, acompanhamos a resignação do destemido guarda-florestal da taiga siberiana Egor (Evgeniy Tsyganov, num papel dificílimo), ao receber a notícia de que está com uma doença terminal e a sua corajosa mudança de personalidade ao colocar em prática a idéia de um conto sobre um pato que se disfarçou para não ser encontrado pela Morte.
Mais calado que um túmulo, para que a Morte não saiba que ele é o querido guarda-florestal, boa gente, condenado à morte por uma doença, Egor mantém-se firme no seu disfarce enfrentando todo tipo de censura e de humilhação e o diagnóstico é um soco na boca do estômago. Vale ressaltar que, ainda que tenha por base um conto folclórico divertido, o intenso drama O Homem que Surpreendeu a Todos não é um filme para crianças. Pode até ser considerado um conto de pavor e (muita) dor, mas é dirigido ao público adulto. Uma narrativa incômoda, carregada no suspense e com sequências violentíssimas (jamais gratuitas), para reflexão sobre o desdobramento dos preconceitos que vêm à tona quando menos se espera e de quem menos se espera. O silêncio do cidadão que pensa e age fora casinha padronizada, incomoda e amplia o preconceito daqueles falastrões que vivem encasulados.
Nota: O filme O Homem que Surpreendeu a
Todos será exibido no 1º. FESTIVAL DE CINEMA RUSSO -
Russian Film Festival (10 a 30 de dezembro de 2020) que acontece online e
gratuitamente na plataforma de streaming Spcine Play.
*Joba Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm,
realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003),
de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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