terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Crítica: Arritmia


 ARRITMIA

por Joba Tridente

O tema medicina (e suas especialidades) faz parte do imaginário cinematográfico desde o seu princípio. Creio que já foram abordadas (em série, seriados, novelas, filmes) todas as suas variações científicas e ou médicas. Mas, para o público chegado a dramas e dramalhões, envolvendo médicos e pacientes (de todas as idades e com todo tipo de doença e de lesão), há sempre uma nova história para ser contada. Será? Que o digam os hipocondríacos (sempre atentos para saber das doenças que ainda não têm)!

Na oferta de entretenimento focado na medicina hospitalar ou legal forense, para tv e cinema, os norte-americanos (pelo imperialismo na distribuição) são imbatíveis..., o que não quer dizer que outros povos não se arrisquem na ficção médica em suas produções genéricas. Como é o caso do filme russo Arritmia (Arrythmia, 2017), dirigido por Boris Khlebnikov, cujo enredo é ideal para quem gosta do estilo médicos (estressados) em ação.



A trama acompanha o dia a dia tenso do paramédico Oleg (Alexander Yatsenko) e da médica Katya (Irina Gorbacheva), um casal de jovens adultos vivendo uma crise conjugal em meio à implantação de reengenharia (irracional) de atendimento no sistema público de saúde. Ambos parecem francos em suas profissões. Oleg vai além das suas responsabilidades para salvar vidas e ou ao menos amenizar as dores de um paciente até a sua internação. Mas, o estresse é tanto que ele acaba descontando na bebida. Katya também não tem rotina fácil no hospital, e desconta no cigarro. A pressão por todo lado, na urgência de cada doente, em detrimento da necessidade de cada um, leva o casal ao esgotamento físico e moral e o deixa com as unhas afiadas e um grito (de socorro!) parado no ar. Quem se arrisca a desarmar as ciladas do amor e correr o risco de sair ainda mais ferido?

Arritmia é um drama que..., embora tenha uma sequência inicial equivocada, ao sublinhar o tríptico: alcoolismo/higiene/segurança, bem como uma indefectível discussão familiar (a lá amor e preconceito), para reforçar o enunciado..., evita o dramalhão. Há uma busca pelo realismo e diversificação de casos, no atendimento médico (padrão), mas, ainda que algumas passagens nos remetam a vergonhosos procedimentos vistos também por aqui, sabemos que, muito além do clichê cinematográfico, a vida hospitalar é bem mais escandalosa (e corrupta).



Ainda que seja um tema batido, Boris Khlebnikov conduz com segurança (e ousadia!) as duas histórias paralelas (vida médica e vida doméstica), cujo ponto de fuga é o claustrofóbico apartamento do casal, extraindo alguma originalidade narrativa sem apelar para a pieguice. Aliás, mesmo quando a situação soa clichê, o corte da ação é seco. E por falar em secura, impressiona a performance dos protagonistas (principalmente Alexander Yatsenko), numa tensão incômoda dos seus personagens caminhando no fio da navalha, na iminência de uma catártica explosão.

Enfim, considerando a dura e necessária crítica à reengenharia do sistema público de saúde (na Rússia e em outras partes do mundo),  que desrespeita o cidadão e desumaniza os atendimentos médicos (se morrer que morra em mãos alheias e não nas suas); o retrato cru de paramédicos e médicos trabalhando em situações extremas (para cumprir metas) e cujas vidas amargas estão à beira de um colapso; a expectativa tensa (em toda a narrativa) para que o dedicado casal discuta a relação; a ótima direção de atores e o excelente elenco (no estilo russo de interpretação)..., Arritmia tem potencial para agradar e fazer refletir um grande e diversificado público.

Nota: O filme Arritmia será exibido no 1º. FESTIVAL DE CINEMA RUSSO - Russian Film Festival (10 a 30 de dezembro de 2020)que acontece online e gratuitamente na plataforma de streaming Spcine Play.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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