quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Crítica: Elysium


Ficção científica é um assunto fascinante. Para os apaixonados, a trindade formada por Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein é imbatível. Eu prefiro o poeta Ray Bradbury.

Quanto mais distante o retrato do amanhã, maior a confiança na ficção. Quando tragicamente viável, dói nos nervos. Em 2009 o sul-africano Neill Blomkamp surpreendeu e apavorou o mundo com o seu alegórico Distrito 9. Agora, com Elysium, seu segundo longa, o diretor novamente se utiliza da metáfora para falar de um futuro que é a cara do presente.

A trama se passa em 2154, época em que os absurdamente ricos vivem numa paradisíaca cidade-satélite (Elysium), na órbita da Terra, e os absurdamente pobres, na gigantesca favela em que se tornou Los Angeles (e o resto do mundo). Enquanto os abastados têm à disposição aparelhos Med-Pods, que curam quaisquer doenças, os favelados vivem ao sabor amargo do azar de terem nascido miseráveis e sujeitos a todos os males. Em Elysium os privilegiados são servidos por robôs, em LA os esquecidos são oprimidos por robôs..., que eles mesmos fabricam. Palcos ideais para o espectador refletir sobre utopias e distopias, contrastes e confrontos de classes.


A história escrita por Blomkamp é ferina em sua crítica aos sistemas governamentais cegos aos anseios básicos da população. Empregado de uma indústria de “droids” (robôs), o favelado Max (Matt Damon) sofre um acidente grave e decide viajar à inacessível Elysium em busca de cura. Para driblar a segurança e escapar da mira do sanguinário agente Kruger (Sharlto Copley) que, sob as ordens de Delacourt (Jodie Foster), a Secretária de Defesa, abate qualquer aeronave de imigrantes terrestres, ele decide prestar um favorzinho ao mercenário Spider (Wagner Moura). Quando se tem apenas cinco dias de vida, um sujeito desesperado não mede as consequências dos seus atos para sair do inferno e entrar no paraíso.

Elysium (2013) pode não surpreender tanto quanto Distrito 9, talvez pela proximidade temática (segregação racial e social), explicitando questões anteriormente implícitas: imigração, saúde pública, miséria, tráfico, corrupção. Mas levanta e deixa em aberto pontos curiosos. Ontem a perturbadora convivência de ETs e humanos em uma favela imunda dava um nó na cabeça do espectador. Hoje, uma favela ocupada apenas por “seres humanos”, em situação igualmente degradante, já não causa o mesmo impacto..., é notícia velha no Brasil. Em tempos de mídia-manipulação e anestesia cerebral, qual será o grito que ainda nos revolta? Tomar e domar o espaço é a solução para os problemas socioeconômicos ou apenas um meio para os poderosos se livrarem deles, como fazem os afortunados moradores da desvirtuada (?) cidade-satélite Elysium (na mitologia grega Elísio ou Campos Elísios é a morada pós-morte de heróis, poetas, justos)?


Ainda que redundante em seu argumento, Elysium se destaca não apenas por agregar crítica político-social a um filme sci-fi de ação, mas por continuar dando voz aos excluídos. Para Neill Blomkamp não há barreira que não possa ser derrubada pelos segregados. É só uma questão de tempo e ou de estratégia para que uma fronteira que não ceda pela diplomacia, acabe caindo pela força bruta. Visão tão romântica quanto trágica, numa aldeia global brutalizada por chefes (blefadores) sempre em pé de guerra com outros chefes (idem). Se o poder é a “alma do negócio”, morder também é. Efeitos especiais impressionantes e a excelência do elenco garantem um ótimo (e reflexivo) espetáculo.

Nota: Um detalhe (pairando no ar dos EUA) pode levar o espectador a viajar no iogurte tutti frutti ou no cozido de jiló, fazendo-o crer que talvez Elysium seja a parte dois (não assumida!) de Distrito 9. Por quê? Ora, por causa do objeto (espacial) de cobiça em um (pelo governo) e em outro (pelo povo). Se a aeronave alienígena estacionada no espaço aéreo de Johanesburgo contém tecnologia que interessa aos militares, a cidade-satélite Elysium contém tecnologia que interessa aos rejeitados. Ou seja, a Nave Mãe, que abrigava milhares de alienígenas doentes e subnutridos, remete (ou vira) a Elysium, a cidade-satélite que abriga a bem nutrida nata da sociedade terráquea. O céu que já foi da elite alienígena, agora é da elite (extra)terrestre.

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