terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Crítica: O Menino Que Queria Ser Rei


O Menino Que Queria Ser Rei
por Joba Tridente

Eu me lembro que, na virada de 2011 para 2012, o grande alvoroço cinematográfico na web foi o lançamento, em DVD, do excelente filme independente britânico Attack the Block (Ataque ao Prédio), escrito e dirigido pelo ator e roteirista (As Aventuras de Tintim: O Segredo do Licorne; Homem-Formiga) londrino Joe Cornish. O divertido e original Attack the Block, que teve um lançamento modesto nas salas de cinema no Reino Unido e nos EUA, foi aclamado pela crítica, recebeu vários prêmios e logo virou cult. Não há admirador de ficção científica que não conheça essa pérola rara.  

O tempo passou e, após grande a expectativa, eis que Joe Cornish volta às telonas roteirizando e dirigindo a deliciosa fantasia infantojuvenil O Menino Que Queria Ser Rei (The Kid Who Would Be King, 2019)..., uma releitura contemporânea e engenhosa da história medieval do Rei Arthur e da espada Excalibur. O seu enredo simples, e nada vulgar, está muito bem conectado com as reflexões da juventude (de todo o mundo) sobre insegurança, bullying, medos, guerras, atentados e, principalmente, vivendo tempos tão conturbados, o futuro...


A narrativa se faz nos dias de hoje e ao redor de Alex (Louis Ashbourne Serkis), um jovem de boa índole que está sempre defendendo seu amigo Bedders (Dean Chaumoo) das provocações dos aborrescentes Lance (Tom Taylor) e Kaye (Rhianna Dorris), que estudam no mesmo colégio. Certa tarde Alex encontra uma espada cravada numa coluna de concreto, em meio a ruínas de um edifício, e a leva consigo. Sem saber que aquela é a lendária Excalibur, oferecida ao Rei Arthur pela Dama do Lago, o jovem se vê enredado pelos tentáculos venenosos da malvada bruxa Morgana (Rebecca Ferguson), a meia-irmã materna de Arthur, aprisionada no Reino Infernal e ansiosa para se apossar da espada mítica e assim, com o auxílio de seus guerreiros mortos-vivos flamejantes, concluir sua vingança maligna contra a Inglaterra. Para evitar o caos, além da ajuda de Bedders e do adorável Mago Merlin, em versões jovem e determinada (Angus Imrie) e idosa e conselheira (Patrick Stewart), Alex precisa convencer os seus “inimigos” brigões Lance e Kaye a se juntarem a ele, para formar um grupo ao estilo da Távola Redonda..., antes que seja tarde demais para todo mundo..., inglês ou não!


O Menino Que Queria Ser Rei é uma fantasia juvenil que não subestima o seu público alvo, seja ele jovem e ou pré-adolescente. O enredo é direto e claro, na história bacana que quer compartilhar, sobretudo nos bons diálogos que buscam expor algumas razões da insegurança da garotada diante da violência no mundo ou da difícil convivência com os adultos (familiares e professores). Tampouco se furta a opinar sobre os bastidores de governos e de mídias que dividem e subjugam o povo aos seus interesses inescrupulosos.

Sem soar antiquado, ainda que fale de novas tecnologias, O Menino Que Queria Ser Rei faz acertadas e curiosas reverências a filmes famosos de ação e aventura (como Star Wars e Harry Potter). O que leva o ansioso Alex, vivendo em situação análoga, a questionar a origem dos personagens centrais dessas produções..., já que, diante de acontecimentos inusitados, ele também dá asas à imaginação heroica. Porém, para saber se a imaginação (a bordo de referências cinematográficas populares) vai lhe pregar uma peça ou corresponder às suas expectativas, só assistindo para ver como, sem perder o fio da meada real, Cornish amarra o ótimo desfecho das suas elucubrações.

E por falar em referências cinematográficas, a mais interessante me fez viajar até 1985 e assistir a impagável cena de Arnold Schwarzenegger, em O Exterminador do Futuro, chegando nu ao passado e precisando urgentemente de uma vestimenta. A recriação da cena com Merlin é muito engraçada e o mais divertido você só vai descobrir se prestar atenção nos detalhes da roupa usada durante as viagens do Mago pelo tempo. Vale também ficar atento à revigorante receita da sua mágica poção, digo, mágica alimentação.


Toda via de um bom confronto, no entanto, nunca é tarde para dizer que O Menino Que Queria Ser Rei definitivamente não é um Attack the Block - 2. Embora não descarte traços da cultura sócio-política inglesa, ele tem a sua própria alegoria, mas de um ponto de vista mais (?) suave. Se a problemática social anterior eram os ataques violentos de jovens marginais na periferia londrina, agora é o posicionamento governamental tangenciando as paredes do muro central, onde “não há janelas sem vidro, para se circular livremente, nesse país abandonado por Deus”

Pode não ser o filme que os fãs de Ataque ao Bloco esperavam, mas tampouco é descartável. O seu público, evidentemente, é outro..., e não creio que ele se decepcione. Acho até que os espectadores mais novos vão crescer os olhos e querer aprender o coreográfico ritual de comunicação e magia do amável Merlin jovem, que consiste em estranhos movimentos de estalar de dedos e de bater palmas. Aliás, essa ideia de um Mago adolescente, com idade próxima à dos jovens, para orientá-los na importante missão a que estão incumbidos, é genial. Afinal, a maioria dos jovens prefere ouvir outros jovens (mesmo tongos)..., a ouvir resmungos e admoestações de velhos.


Enfim, considerando a trama inteligente, ágil e sem paradinhas para histórias paralelas; o roteiro redondo, com sua discreta Jornada do Herói; o bom e esforçado elenco juvenil; os diálogos pra lá de interessantes (mesmo na adaptação brasileira), longe da pieguice e do moralismo reinante; as boas metáforas ou subtextos sobre heroísmo, fraquezas humanas e políticas, em plena sintonia com o seu público; a criatividade dos jovens no desenvolvimento de táticas para enfrentar a maligna Morgana e seus asseclas (utilizando o que têm à mão); os efeitos especiais de qualidade; o bom humor (inglês) e divertidas gags visuais; o empolgante epílogo, com a opinião franca de Merlin (o velho) sobre livros e (possível) condicionamento de escritores (a se pensar profundamente)..., gostei bastante do "despretensioso" O Menino Que Queria Ser Rei. Há muito o que se saborear nesta bela fantasia na telona e um bocado de conceitos sobre reis e reinados e reinados sem reis a se rever em casa, depois!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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