quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Crítica: Vice


Vice
por Joba Tridente

Ah, um vice! Para que serve um vice qualquer coisa se não para tapar buraco, quando e se um dia quem sabe talvez uma tragédia “irreversível” o fizer necessário? Certo? Há controvérsia! Principalmente se o vice for a sombra da sombra presidencial à espera do sol do meio dia. Se não há mais bobo no futebol, por que haveria na política? Ainda mais na política! Temos exemplos no Brasil e em países da redondeza de vice-presidentes que, numa cochilada do destino, acabaram ocupando a cadeira “maior” da nação. E outros que, se fazendo de mosca morta, preferiram agir e se dar muito melhor na surdina. Como nos faz crer o roteirista e diretor Adam McKay (A Grande Aposta) com o seu (um tanto híbrido) drama satírico Vice..., que traz a cinebiografia estilizada do todo poderoso vice-presidente norte-americano (2001/2009) Dick Cheney (Christian Bale), também conhecido como “o político mais secreto da história americana”. Ou era...


Vice (Vice, EUA, 2018), se propõe a decifrar as maquiavelhices de Dick Cheney, para chegar ao poder e se manter, não invisível e descartável (como qualquer vice por aí), mas, (in)visível e temerosamente determinado a influenciar a economia petrolífera e bélica norte-americana. Cheney, obviamente, preferia o cargo máximo, mas, ao “inverter” o jogo dos gabinetes, aumentou as suas vantagens na mesa de negociação e o lucro fácil com a “invisibilidade” vice-providencial, digo, vice-presidencial. Uma tramoia (comum?) que requer habilidade de pescador e que leva o cidadão a acreditar que os bastidores soturnos da política são iguais ou assemelhados em muitos países, acima ou abaixo da Linha do Equador. Bem, nem todo peixe grande, que morde a isca, morre pela boca. Mas é preciso um pescador esperto para mantê-lo nadando ao seu redor e preso ao anzol. E Cheney sabia muito bem o que queria pescar quando lançava a isca...

O enredo perspicaz vai de um passado inconsequente do então jovem (sem rumo) Cheney, no Wyoming, ao político-empresário (sempre emergente) em Washington, mestre (e senhor da guerra) na arte da manipulação (inclusive digital). Embora diga bem mais ao bipartidarismo mental, emocional e estomacal do norte-americano, que aos órgãos de gente ajustada a outra nutrição, mundo afora, tem seus momentos de universalidade.


McKay não poupa recursos cômicos (humor negro!) e cênicos para apresentar a sua versão da ascensão de Dick Cheney e o papel daqueles que alvoroçaram ao seu redor, como sua vigilante mulher Lynne (Amy Adams), o mentor Donald Rumsfeld (Steve Carell), o “presidente” George W. Bush (Sam Rockwell), entre outros..., numa maliciosa crônica política que, por vezes, é mais interessante na forma que no conteúdo incômodo..., principalmente pelo excepcional uso de elipses e de metalinguagem. A quebra da quarta parede dá um toque de intimidade (ou intimidação!) e conivência numa história tão indiscreta (?) quanto repugnante (!) e absurda. Outro ponto alto é o narrador misterioso (Jesse Plemons), que, com seus comentários sarcásticos sobre o vice-presidente, aos poucos vai sendo amarrado ao enredo, até se tornar imprescindível à trama..., ou ao drama pessoal de Cheney. Mais que a licença poética, há que se ressaltar tamanha liberdade de expressão.


Considerando o que disse acima e o que omiti, para não constituir spoiler, gostei. Vice é imersivo e desconcertante ao ilustrar, com eficientes pinceladas de humor cáustico, as mudanças (?) nos EUA e no mundo após o 11 de setembro de 2001, com as decisões xenofóbicas dos reacionários Dick Cheney e Donald Trump. O espectador vai rir (amarelo ou gargalhar) das piadas ou gags visuais..., mas que elas doem, quando cai a ficha, ah, doem. Afinal, um vice que é piada hoje, pode ser a autoridade máxima e perigosa amanhã...

Nota: Sempre que tomo conhecimento desse tipo de história, lembro do personagem Iznogoud, criado em 1962 pelos geniais quadrinistas franceses René Goscinny e Jean Tabary.  Iznogoud é um Grande Vizir, em Bagdá. Mas, ambicioso e frustrado por ser o segundo (um vice) no comando, vive procurando um “jeitinho” de substituir o Califa Haroun El Passid. É dele o inesquecível bordão: Quero ser Califa no lugar do Califa!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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