domingo, 6 de janeiro de 2019

Crítica: Assunto de Família



Assunto de Família
por Joba Tridente

A mim, nenhum filme de Hirokazu Kore-eda marcou tanto quanto a sua obra-prima Depois da Vida (1998)..., um filme Haiku que vi e revi diversas vezes. Talvez por isso me frustro ao tentar reencontrar esta mesma poética, que não me sai da memória, em outras produções. O mestre Kore-eda não se repete e continua poético em suas tramas que, por melhor que sejam, como por exemplo o Ninguém Pode Saber (2004), entre outros, ainda me deixam querendo algo mais que nem eu mesmo sei o que é, mas sei que não está ali, no que acabei de assistir, como o aclamado e premiado (Palma de Ouro, Cannes, 2018): Assunto de Família.

Com roteiro e direção de Hirokazu Kore-eda, o drama doméstico Assunto de Família (Manbiki kazoku, Japão, 2018) trata das amarras dos laços de família e ou laços familiares..., do que é e do que nos parece ser uma família harmoniosa e solidária em meio a recessão japonesa e o desejo de uma vida melhor, na periferia de Tóquio. Uma família ideal é aquela cientificamente desvelada pelo DNA ou aquela que socialmente condiz com a necessidade de cada integrante? Este é o questionamento que perpassa todo o melodrama agridoce que traz a Vovó (Kirin Hiki), como matriarca de uma família delituosa composta pelo casal Osamu (Lily Franky) e Nobuyo (Sakura Ando), a jovem Aki (Mayu Matsuoka), o garoto Shota (Kairi Jō) e a menina Yuri (Miyu Sasaki).


Todos nesta família de agregados (e mal remunerados) têm algum segredo pessoal que os une à margem de uma sociedade capitalista e consumista. Cada ponto, mais ou menos robusto de suas vidas baratas, borda um novo viés numa trama amoral que busca consenso sobre a rotina de seus atos ilegais: dificuldade financeira ou hábito? Assunto de Família não é uma metáfora, mas o retrato nu e cru de uma parcela da humanidade a cada dia mais descartável da sociedade capitalista global e capaz de qualquer coisa pela mera sensação de pertencimento social. Quando se trata de marginalizados, raros são os que chegam ao paraíso. Poucos o que conquistam o purgatório. A maioria se acomoda mesmo é no inferno das grandes cidades...

Melancólica, porém amorosa no registro de aconchego comum entre os excluídos que se atropelam sob marquises e viadutos ou se amontoam num casebre, a narrativa de Kore-eda não causa surpresa com a performance do elenco magnífico dando vida a personagens bem desenvolvidos e seus diálogos críveis..., mas com os detalhes que ajudam a espantar o incômodo do script em sequências significativas. Não há como ficar imune à cena em que Nobuyo e Yuri refletem concretamente sobre o que é dor e o que é amor, numa relação entre mãe e filha. Ou não compartilhar com aquela família um instante de felicidade suprema na ida à praia que iguala pobres e ricos... E o que dizer do comportamento japonês às refeições, tão diferente de 99% de filmes em que, mal se põe a mesa, os personagens abrem discussão, crianças são mandadas para seus quartos sem comer, comida é jogada fora etc?


Kore-eda não tem pressa para o seu Assunto de Família, que se move ao sabor das estações que distinguem, confundem e afloram sentimentos e de grandes silêncios que convidam à razão. Por conta dessa linguagem nipônica, a impressão é a de se assistir a uma longa saga em três capítulos que vão se embaralhando e cuja cartada final, por mais coerente que pareça com o desenrolar dos fatos (nem sempre muito claros) e a cultura local, pode deixar uma abertura de julgamento que não satisfaça a todos os espectadores. 

É um belo filme, sem dúvida..., e fica melhor quando se pensa nele após a sessão. Um drama doméstico e social que deve dizer muito a quem tem e ou a quem pensa em constituir uma família biológica e ou socioafetiva...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...