O cinema dos irmãos Joel e Ethan Coen se
destaca pelo nonsense, ironia e, principalmente, pelo humor negro da melhor qualidade (e profundidade). Eles conseguem falar de qualquer
assunto e com uma perspicácia rara..., como, por exemplo, em sua mais recente obra:
Ave, César! Aqui a velha Hollywood
dos anos 1950 serve como plataforma (mero detalhe!) para se discutir comunismo, religião e capitalismo de forma tão ferina que os ativistas políticos e os praticantes
religiosos podem até emburrar com a colocação do assunto, mas (radicalmente!)
morrendo de rir de suas idiossincrasias e ou idiotices.
Ave, César! (Hail, Caesar!, 2016), escrito
e dirigido por Joel Coen e Ethan Coen, é um filme na medida para
quem aprecia um bom (e raro!) cinema com conteúdo
crítico e muito bom humor. A narrativa acompanha alguma horas
(literalmente) cruciais na vida de Eddie
Mannix (Josh Brolin), produtor
executivo da Capitol Pictures, às
voltas com prazos, orçamentos e
contratações; sequestro de sua maior estrela, Baird Whitlock (George Clooney),
em meio às filmagens do épico Ave, César!
(um filme sobre Jesus Cristo); atores
monossilábicos, como o adorável Hobie
Doyle (Alden Ehrenreich,
roubando as cenas), ou problemáticos, como a atriz
e nadadora DeeAnna Moran (Scarlett
Johansson); as gêmeas colunistas sociais Thora e Tessália Thacker
(Tilda Swinton); o controle do cigarro e o
assédio profissional da Lougheed
Aircraft Manufacturing, que espera que ele deixe o instável mundo do
cinema pelo estável mundo bélico...
Ave, César! é um comédia deliciosamente superlativa da primeira à última cena. Um
cinéfilo-pulga pode até dizer que já foram feitos muitos filmes homenageando o
cinema, abusando da metalinguagem para falar da construção e desconstrução do
sonho, da fantasia, da ilusão (dialogando com a realidade) e que a nova geração provavelmente não vai
entender as referências de filmes clássicos da era de ouro etc. Mas, como disse acima,
não é exatamente esse o foco dos Coens. Num mundo a cada dia mais pulverizado
por ideologias a cada vez mais irracionais (será que existe alguma que não o
seja?), os irmãos cutucam, com seu humor peculiar, principalmente aquelas
entranhadas até o talo na política, na religião e na economia capitalista.
Saber algo sobre Herbert Marcuse
(1898-1979) e o famoso livro O Capital
(Das Kapital), de Karl Marx
(1818-1883), é interessante, mas não necessário, já que ambos são assuntos di-da-ti-ca-men-te
discutidos, em sequências hilárias, por um grupo de escritores comunistas ocupados
em doutrinar artistas e (subliminarmente) espectadores e pode ser pesquisado depois. Assim como não é
preciso saber quem foram o astro Gene Kelly e as estrelas Carmen Miranda e Esther Williams, para
curtir as cenas em que são homenageados na pele de Channing
Tatum (o ambíguo Burt Gurney), de Veronica
Osorio (a risonha Carlotta Valdez), de Scarllet Johansson (a temperamental DeeAnna Moran).
É preciso um bocado de inteligência para dosar as
“sutilezas” ao desvelar bastidores da vida (religiosa e capitalista) e da arte
(de interpretar/representar) de forma tão crítica e ácida..., mas sem jamais perder a
ternura do bom humor. E, é claro, inteligência e malícia Joel e Ethan Coen têm
em dobro. Sabem, como poucos criadores da sétima arte, solidificar o
que está no ar e sutilmente deixar que esta plataforma se desmanche por si só...,
como, por exemplo, nas antológicas sequências de reunião de um sacerdote
católico e um ortodoxo, um pastor protestante e um rabino para analisar a
personificação do mítico Jesus Cristo
(que para muitos seria filho de Deus)
em filmes, e o desconcertante (!!!) discurso de um centurião aos pés da cruz
de Cristo. Gostando ou não das suas abordagens (incômodas?), a verdade é que os Coens não subestimam o seu público, preferem fazê-lo pensar.
Enfim, considerando a genialidade do
argumento e do roteiro de Ave, César!;
o seu elenco (que também inclui Ralph Fiennes, Jonah Hill, Frances McDormand,
Alison Pill, Wayne Knight, David Krumholtz, Christopher Lambert, entre outras
estrelas) em perfeita sintonia; a produção impecável na reconstituição de época;
que, assim como na ficção Brazil (1985),
de Terry Gilliam, na minha leitura da fascinante comedia dos Coens também vi
indícios de um Brasil (até de rede social) atual, em ebulição política,
econômica e religiosa..., para mim, já estaria entre os melhores filmes do ano!
Ave, César! é um excelente desafio (muito além das
referências cinematográficas) para aquele público sagaz que sabe a diferença
entre um conteúdo de qualidade e um mero jogo de cena. Curioso? Vá e veja onde
você encaixaria tão provocante metáfora. Ou, se não está nem aí para alegorias, divirta-se (do mesmo jeito) com os
trocadilhos, digamos, capitalistas...
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