quarta-feira, 13 de abril de 2016

Crítica: Ave, César!


O cinema dos irmãos Joel e Ethan Coen se destaca pelo nonsense, ironia e, principalmente, pelo humor negro da melhor qualidade (e profundidade). Eles conseguem falar de qualquer assunto e com uma perspicácia rara..., como, por exemplo, em sua mais recente obra: Ave, César! Aqui a velha Hollywood dos anos 1950 serve como plataforma (mero detalhe!) para se discutir comunismo, religião e capitalismo de forma tão ferina que os ativistas políticos e os praticantes religiosos podem até emburrar com a colocação do assunto, mas (radicalmente!) morrendo de rir de suas idiossincrasias e ou idiotices.


Ave, César! (Hail, Caesar!, 2016), escrito e dirigido por Joel Coen e Ethan Coen, é um filme na medida para quem aprecia um bom (e raro!) cinema com conteúdo crítico e muito bom humor. A narrativa acompanha alguma horas (literalmente) cruciais na vida de Eddie Mannix (Josh Brolin), produtor executivo da Capitol Pictures, às voltas com prazos, orçamentos  e contratações; sequestro de sua maior estrela, Baird Whitlock (George Clooney), em meio às filmagens do épico Ave, César! (um filme sobre Jesus Cristo); atores monossilábicos, como o adorável Hobie Doyle (Alden Ehrenreich, roubando as cenas), ou problemáticos, como a atriz e nadadora DeeAnna Moran (Scarlett Johansson); as gêmeas colunistas sociais Thora e Tessália Thacker (Tilda Swinton); o controle do cigarro e o assédio profissional da Lougheed Aircraft Manufacturing, que espera que ele deixe o instável mundo do cinema pelo estável mundo bélico...


Ave, César! é um comédia deliciosamente superlativa da primeira à última cena. Um cinéfilo-pulga pode até dizer que já foram feitos muitos filmes homenageando o cinema, abusando da metalinguagem para falar da construção e desconstrução do sonho, da fantasia, da ilusão (dialogando com a realidade) e que a nova geração provavelmente não vai entender as referências de filmes clássicos da era de ouro etc. Mas, como disse acima, não é exatamente esse o foco dos Coens. Num mundo a cada dia mais pulverizado por ideologias a cada vez mais irracionais (será que existe alguma que não o seja?), os irmãos cutucam, com seu humor peculiar, principalmente aquelas entranhadas até o talo na política, na religião e na economia capitalista.


Saber algo sobre Herbert Marcuse (1898-1979) e o famoso livro O Capital (Das Kapital), de Karl Marx (1818-1883), é interessante, mas não necessário, já que ambos são assuntos di-da-ti-ca-men-te discutidos, em sequências hilárias, por um grupo de escritores comunistas ocupados em doutrinar artistas e (subliminarmente) espectadores e pode ser pesquisado depois. Assim como não é preciso saber quem foram o astro Gene Kelly e as estrelas Carmen Miranda e Esther Williams, para curtir as cenas em que são homenageados na pele de Channing Tatum (o ambíguo Burt Gurney), de Veronica Osorio (a risonha Carlotta Valdez), de Scarllet Johansson (a temperamental DeeAnna Moran).


É preciso um bocado de inteligência para dosar as “sutilezas” ao desvelar bastidores da vida (religiosa e capitalista) e da arte (de interpretar/representar) de forma tão crítica e ácida..., mas sem jamais perder a ternura do bom humor. E, é claro, inteligência e malícia Joel e Ethan Coen têm em dobro. Sabem, como poucos criadores da sétima arte, solidificar o que está no ar e sutilmente deixar que esta plataforma se desmanche por si só..., como, por exemplo, nas antológicas sequências de reunião de um sacerdote católico e um ortodoxo, um pastor protestante e um rabino para analisar a personificação do mítico Jesus Cristo (que para muitos seria filho de Deus) em filmes, e o desconcertante (!!!) discurso de um centurião aos pés da cruz de Cristo. Gostando ou não das suas abordagens (incômodas?), a verdade é que os Coens não subestimam o seu público, preferem fazê-lo pensar. 


Enfim, considerando a genialidade do argumento e do roteiro de Ave, César!; o seu elenco (que também inclui Ralph Fiennes, Jonah Hill, Frances McDormand, Alison Pill, Wayne Knight, David Krumholtz, Christopher Lambert, entre outras estrelas) em perfeita sintonia; a produção impecável na reconstituição de época; que, assim como na ficção Brazil (1985), de Terry Gilliam, na minha leitura da fascinante comedia dos Coens também vi indícios de um Brasil (até de rede social) atual, em ebulição política, econômica e religiosa..., para mim, já estaria entre os melhores filmes do ano!

Ave, César! é um excelente desafio (muito além das referências cinematográficas) para aquele público sagaz que sabe a diferença entre um conteúdo de qualidade e um mero jogo de cena. Curioso? Vá e veja onde você encaixaria tão provocante metáfora. Ou, se não está nem aí para alegorias, divirta-se (do mesmo jeito) com os trocadilhos, digamos, capitalistas...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...