quinta-feira, 21 de abril de 2016

Crítica: No Mundo da Lua


Após a realização de dois curtas de sucesso (Tadeo Jones (2005), indicado ao Oscar de melhor curta-metragem, e Tadeo Jones e o Porão da Desgraça (2007), ambos ganhadores de inúmeros prêmios, entre eles o respeitadíssimo Goya), Henrique Gato partiu para um longa-metragem e surpreendeu a indústria do entretenimento e os fãs de animação com o arrasa-quarteirão As Aventuras de Tadeo, uma divertida paródia a Indiana Jones. As críticas negativas (principalmente dos espanhóis) foram por conta da americanização dos personagens.

Em No Mundo da Lua (Atrapa la bandera ou Capture The Flag, em inglês, 2015), ganhador dos Prêmios Goya e Gaudí, equivocadamente de olho na bandeira econômica do mercado externo, os realizadores espanhóis continuam esquecidos de sua aldeia na louvação à cultura (expansionista) americana. Todavia, deixando de lado este incômodo americanismo, baseado no bom roteiro de Jordi Gasull, Neil Landau, Javier López Barreira, o diretor espanhol Henrique Gato fez um filme infantojuvenil agradável até mesmo para os acompanhantes adultos.


No Mundo da Lua gira ao redor de Mike Goldwing, um garoto de 12 anos, filho e neto de astronautas, que leva uma vida saudável e dinâmica ao lado dos amigos Amy Gonzáles e Marty Farr, mas sofre por não conseguir reunir o pai (Scott) e o avô (Frank), separados por causa de uma antiga desavença. Por isso, ao saber que o programa espacial americano de viagem à Lua vai ser reativado..., para evitar que o bilionário Richard Carson, que alega que o homem (americano “em nome de toda a humanidade”) jamais esteve lá e que portanto o satélite é um território livre para explorar o Hélio 3..., vê, aí, a chance do pai e do avô trabalharem juntos e se reconciliarem. O empenho de Mike é grande, porém, ele, Frank, Amy e o lagarto Igor acabam vítimas do ardiloso Carson e, aprisionados num velho foguete, vão ter que se virar para não acabarem mortos e ou perdidos no espaço rumo à Lua.


Embora seja a corrida espacial pela (re)conquista da Lua que impulsiona a narrativa, o que mais se destaca na trama de ação e aventura é mesmo a (re)conciliação familiar, a (re)união familiar, a realização de sonhos em família. O assunto amor e devoção à família não é totalmente ruim..., já foi desculpa até no dramalhão sci-fi Interestelar (2014), de Christopher Nolan..., só é muito lugar comum. A questão nem é a de filmes e mais filmes baterem na mesma tecla, mas de se conseguir extrair um som realmente novo dessa repetição. E, verdade seja dita, pelo sim, pelo não, batendo daqui para ecoar acolá, Gato e seus roteiristas até que relevam momentos e diálogos singelos e comoventes para os dias de hoje, em que (prisioneiras das tecnologias) as famílias andam cada vez mais disfuncionais.


O título original Pegar a Bandeira refere-se tanto a uma competição esportiva (da abertura do filme) quanto à bandeira (americana) fincada na Lua por Neil Armstrong (“É um pequeno passo para o homem, um salto gigantesco para a humanidade.”) e Edwin “Buzz” Aldrin, em 1969, na missão Apolo XI, e que Carson pretende roubar para simular que jamais algum terrestre esteve lá..., confirmando assim a mais famosa e divertida teoria da conspiração envolvendo o mestre Stanley Kubrick (retratado na “reconstituição” hilária de um mockumentary encontrável na web). Por falar em reconstituição, é uma pena que os realizadores espanhóis tenham optado pelo incômodo beija-mão do estadunidense, em vez do clima de deboche que até ensaia (em alguns momentos com os engenheiros Steve Gigs e Bill Gags, inspirados em Steve Jobs e Bill Gates, que Carson contrata para construir a sua espaçonave), mas sem muito entusiasmo. São opções de script..., fazer o quê?!


Ainda que o traço de alguns personagens lembre características de personagens ícones da Pixar (por exemplo), a técnica trabalhada No Mundo da Lua é excelente. O desenho é limpo e rico em detalhes e as envolventes cenas de ação ganham bom realce com o 3D de profundidade. O humor não é constante, mas está ali numa sequência ou outra. Os personagens são bem resolvidos, simpáticos e facilmente identificáveis pelas crianças. Richard Carson não é um vilão dos mais carismáticos, mas é psicológica e moralmente interessante e funcional na sua ânsia capitalista selvagem.


Enfim, deixando de lado o ranço americanista com sua estrelada bandeira lunar (“em nome da humanidade”), No Mundo da Lua é uma animação que se assiste prazerosamente, independente da idade. Há uns dois furos relacionados com o traje dos astronautas..., um quase imperdoável (se você não notar, quer dizer que não tem importância). Para quem não abre mão das mensagens edificantes há duas: “honrar a família” e “não roubarás”. Mas o público antenado vai se deliciar mesmo é com a última: “criado à imagem e (quase) semelhança”..., que o espectador apressado não vai ver nas ótimas cenas bônus logo após os primeiros créditos finais. Um bom programa para quem quer variar o cardápio de conteúdo e de realizador..., ainda que os Estados Unidos fiquem na América do Norte e não na Espanha.


Nota de Rodapé: Assim como quem quer nada, mas querendo o mundo, a Espanha vem chegando “distraída” com belíssimas produções para o público adulto, como a indicada ao Oscar: Chico e Rita, de Fernando Trueba e Javier Mariscal, e ou a grande sensação do AnimaMundi: Rugas, de Ignácio Ferreras. Já para a garotada o destaque fica com: Planeta 51 (que sou fã!), de Jorge Blanco, Javier Abad e Marcos Martinez, e o razoável: O Lince Perdido, de Manuel Sicilia e Raúl García..., entre outros.

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