Quem gosta de literatura oral sabe que
os contos populares reunidos em publicações sofrem alterações (independente ao
quem conta um conto aumenta um ponto) para atender (principalmente) aos
interesses de mercado. Já era assim na época de Charles Perrault (1628-1703) e de Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm
Grimm (1786-1859), cujas histórias em comum (anteriormente “destinadas” ao
leitor e ou ouvinte adulto) têm lá as suas diferenças. Onde Perrault era
trágico, os Grimm eram românticos ou divertidos. Aos poucos o mundo infantil
nos livros foi ganhando cor, fantasia, magia, encantamento. Todavia, com as
novas mídias contemporâneas, provavelmente muitas narrativas adaptadas do
passado serão cada vez mais irreconhecíveis no futuro. Este parágrafo é o mesmo
que escrevi na abertura da resenha crítica do filme Branca de Neve e o Caçador (2012).
Por que ele foi replicado? Continue lendo!
No meu tempo de criança havia o Era Uma Vez e ponto. Hoje, se na
literatura há estudos psicológicos dos personagens fantásticos e o resgate dos Contos Populares originários das Narrativas Orais, no esfomeado cinema
(principalmente) hollywoodiano, há também o Era
Uma Vez Antes e o Era Uma Vez Depois
do Era Uma Vez tradicional. Na
verdade, há Era Uma Vez para todos os
gostos (inclusive os duvidosos), com releituras e misturas de Contos de Fadas, como: A Garota da Capa Vermelha (2011), João e Maria: Caçadores de Bruxas
(2013), Jack - O Caçador de Gigantes
(2013), Caminhos da Floresta (2014)...,
entre outros. Todos, é claro, dispostos a desvelar o passado e ou o futuro dos
famosos personagens literários. Todavia digitalizada, como nem todo novo
autor ou roteirista tem a criatividade de um Grimm ou Perrault...,
dá-lhe tralha.
Baseado em personagens criados por Evan
Daugherty, para a sua “adaptação” de Branca de Neve e o Caçador, e no roteiro
de Evan Spiliotopoulos e Graig Mazin, O
Caçador e a Rainha do Gelo, dirigido por Cedric Nicolas-Troyan, é um Conto
de Fadas do Contador de História doido. A trama acéfala, ao mesmo tempo prólogo e epílogo “explicativos” da origem do Caçador (Chris Hemsworth)
e da psicopatia das irmãs rainhas Ravenna
(Charlize Theron), a bela serial killer
madrasta da Branca de Neve, e a
genocida Freya (Emily Blunt), faz a gente pensar que a narrativa se passa num reino
(malévolo?) paralelo. Vou tentar esclarecer no próximo parágrafo.
É mais ou menos assim: metade da
história O Caçador e a Rainha do Gelo
(The Huntsman: Winter’s War, 2016)
ocorre no passado e metade no futuro dos fatos presentes em Branca de Neve e o Caçador. Tipo: no
encantador reino de Branca de Neve, vivem
a usurpadora e assassina Rainha Ravena
(Theron) e sua ingênua e romântica e bondosa irmã Rainha Freya (Blunt)... - E a Branca
de Neve? Já falo da Branca de Neve!
Então, uma tragédia (anunciada?) suficiente para despertar o lado maligno de Freya (como deseja Ravena) acontece e a torna frígida. Porém, como a nova malvada não
quer ser pedra de gelo sozinha, decide congelar o mundo (e vai comer o quê?) e
“brincar” de genocídio de adultos e sequestro de crianças, que serão treinadas
para matar e jamais amar e ou transar, digo, praticar sexo reprodutivo. Como é
que nascem mais crianças, pra tomar o lugar dos guerreiros mortos, eu não sei!
Deve ser geração espontânea! - E a Branca
de Neve? Daqui a pouco falo da Branca
de Neve! Ah, quer saber, vou falar é já! A Branca de Neve não é importante nessa história e portanto só vai
aparecer, por alguns segundos, ajoelhada e de costas, no terceiro ato... Tá, eu
sei que um monte coisas que disse é spoiler..., mas isso também
não tem a menor importância.
Agora, continuando com a tramoia, digo
trama, adivinhe quem está entre as primeiras crianças sequestradas? Exatamente!
O menino Eric, o futuro caçador, e a
menina Sara... - Quem é Sara? A Sara, quando crescer (e se tornar a Jessica Chastain) vai ser guerreira e fazer par romântico com Eric e por causa desse amor proibido pela
bruxa frígida Freya serão punidos e
então Eric vai ganhar o mundo e se
tornar O Caçador e salvar a Branca de Neve no filme anterior e voltar para O Caçador e a Rainha de Gelo para
ajudar o ex-arqueiro promovido a Príncipe
William (Sam Clafin), marido (?)
da Branca de Neve (que só aparece de
costas por alguns segundos), a encontrar o diabólico Espelho Mágico que desapareceu do Castelo etc etc etc... - É só
isso?
Bem, no primeiro ato, o espectador é
blindado, digo, brindado com uma enfadonha sequência de matança (praticamente) sem
sangue e sem fim, sequestros, treinamento e a mudança de personalidade das crianças/jovens
(já visto em trocentos filmes sobre distopia!). No segundo ato, na viagem pelo Reino da Fantasia (repleto de graciosos bichinhos
fofinhos figurantes), para encontrar o Espelho
Mágico, o Caçador vai contar com
a ajuda do anão Nion (Nick Frost), que saiu diretamente do
filme Branca de Neve e o Caçador, e do novo
anão Gryff (Rob Brydon). O Deadpool faria uma piada sobre os
(apenas?) dois anões..., mas eu não ouso! No terceiro ato há o tão (?) esperado
epílogo da redenção. É isso! - Como é isso? - Não vai dizer mais nada? Não tem
mais nada a ser dito é só isso: duas rainhas psicopatas, dois guerreiros românticos,
dois anões machistas e um espelho perverso em pé de guerra. Use a sua
imaginação pra juntar essas sete informações num filme fantasia infantilóide de ação e
aventura! - Mas...
Ok! Considerando alguns bons efeitos e elenco
de atores esforçados; belo figurino; e, pensando melhor, com uma trilha sonora
inconvenientemente horrorosa (pra variar), argumento e roteiro sem pé nem
cabeça, direção claudicante..., cá pra nós, sinceramente, esta é uma experiência, digamos, tresloucada. Se você não é um espectador exigente e só quer mesmo passar o tempo se empanturrando de pipoca e refri..., pode até gostar.
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