sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Crítica: Kóblic


KÓBLIC
por Joba Tridente

O cinema argentino tem se desvelado com uma qualidade surpreendente nos últimos anos. A grande novidade que nos chega neste outubro mais ou menos primaveril e nos deixa atônitos é a produção hispano-argentina Kóblic, dirigida por Sebastián Borensztein (Um Conto Chinês, 2011). Ambientada no ano de 1977, a ficção (que perturbadoramente poderia anotar que qualquer semelhança com fatos é mera coincidência) traz à tona o traumático episódio dos "voos da morte" (vuelos de la muerte) patrocinados pela última ditadura argentina (1976-1983), em que presos políticos (incluindo Mães da Praça de Maio) eram torturados e lançados vivos e drogados, de aviões militares, ao mar e ao Rio da Prata..., onde pereciam com o aval da igreja.

Kóblic (Kóblic, 2016), escrito por Borensztein e Alejandro Ocon, no melhor estilo thriller western-noir, faz um recorte aflitivo da vida do taciturno piloto de avião Tomas Kóblic (Ricardo Darín, espetacular), um desertor militar que, por se recusar a participar dos “voos da morte”, é perseguido pelo governo e se refugia na Colônia Helena (interior da Argentina), onde os moradores vivem sob ameaça do corrupto comissário Velarde (Óscar Martínez, espetacular). Ali ele conhece a bela e misteriosa Nancy (Inma Cuesta) e não demora a se dar conta de que não será fácil, a um portenho, passar despercebido e tampouco se desvencilhar do seu passado militar. Em tempos de opressão, na capital ou num vilarejo, o inferno independe do tamanho da fogueira do horror. Portanto, num provável embate entre a caça e o caçador, há que se cuidar com o tamanho do rabo (preso)..., uma fagulha e já era.


Kóblic é um drama existencialista (intenso!) que assopra (ou tenta!) o pó levantado pelos coturnos de ontem dos olhos cegos das esquerdas populistas e festivas de hoje..., impassíveis diante de realidades políticas nauseabundas que (n)os rodeiam na América e oceanos-além. Na verdade, cegueira, surdez e mudez só é pauta político-partidária quando conveniente às (o)posições. É o preço da hipocrisia para se manter imbecis no governo. Toda via de poder repressor pode manter amarras (no povo) por muito tempo, mas não por todo o tempo. Hora mais hora menos um fio tensionado arrebenta e o desejo de justiça poderá redundar num desejo de vingança. É só uma questão de trama! Ou do ponto que se avista..., e ou se mira!



Embora a sua narrativa remeta ao estilo noir, a ação é praticamente diurna, mas não menos sinistra, no excelente registro fotográfico de Rodrigo Pulpeiro. Se bem que, independente da luz, é na sutileza que o filme mais assusta. Em vez do todo, Borensztein se ocupa de detalhes que desvelam a ilimitada perversidade humana. Expõe as minúcias do terror que mantém o povo (calado) no cabresto, sob o domínio do medo..., e a reação a esse medo que lhe custa a própria voz. Partir de uma realidade atroz para escrever uma ficção que retrate as atrocidades dessa realidade (que muitos querem esquecida), me parece mais eficaz (em sua denúncia) que chorar pitangas num cinema revanchista, piegas e caricato. Em Kóblic a ficção que imita a vida é imediata e quanto mais imitativa da realidade, mais eficiente para calar fundo no espectador.

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