Não sou muito fã de filmes de terror, mas sempre
acabo vendo algum. Nos últimos anos, o único que realmente me deu calafrios foi
o primeiro Atividade Paranormal (2009).
Outras produções que arrisquei me pareceram
apenas cumprir cota, já que susto mesmo só com o altíssimo volume da trilha barulhosa.
E olha, lá!
Nesse tipo de produção, a variedade de objetos
que serve de “portão”, liberando geral o ir e vir de espíritos malignos em uma
casa, geralmente isolada, parece não ter fim na imaginação dos autores:
televisão, brinquedo, instrumento musical, relógio, corrente, telefone, pintura,
livro, guarda-roupa, espelho... Mesmo assim, um ou outro utensílio doméstico
sempre acaba se repetindo em uma história que parece (só parece) outra.
O
Espelho (Oculus, EUA,
2013), terror dirigido por Mike Flanagan,
é considerado uma versão estendida do seu premiado curta Oculus: Chapter 3 - The Man with the Plan (2006). O roteiro, desenvolvido
em parceria com Jeff Howard, busca originalidade em um gênero que não consegue
se renovar mesmo se apropriando do gore asiático. E, verdade não seja escondida
embaixo do tapete, ele quase chega lá. O quase é por conta da expectativa e do
horror (mais) psicológico que não chega a magnetizar, mas (alívio!) ao menos acaba
preservando nossos tímpanos das ensurdecedoras “trilhas”.
Na trama, a história de uma família dilacerada,
no ponto de vista de dois irmãos, Tim
(Brenton Thwaites) e Kaylie (Karen Gillan) que, adultos, retornam à velha casa em que viveram,
por poucas semanas, para provar que o responsável pela violenta morte dos seus
pais, Alan (Rory Cochrane) e Marie (Katee Sackhoff), há dez anos, é algo
maligno que habita um espelho secular e não o então o garoto Tim (Garrett Ryan). O jovem foi internado em um hospital psiquiátrico e
a adolescente Kaylie (Annalise Basso) foi adotada. O que Tim levou uma década de análise para
esquecer, a garota quer fazê-lo reviver, só para comprovar a sua tese de que o antigo
espelho, com detalhes sinistros na parte superior da moldura, é um assassino em
potencial que mata sem refletir. Ou seria mata quem nele refletir?
Pela sinopse, não deixa de ser uma história de
vingança (e justiça?), com toques de masoquismo. Uma guerra (sem nexo) entre
seres animados e seres (?) reanimados que nem mesmo a Alice (aquela, de Lewis Carroll, através do espelho) sabe de onde
vieram e porque tanta insanidade: Oh,
espelho, espelho meu, diga o quê, no meu reflexo, te aborreceu?! Tem muita
gente que acredita que os olhos são o espelho da alma e através deles é
possível conhecer uma pessoa. Ah, não confundir com iridologia.
Ainda que viajando no colírio, em O Espelho - Esboço de uma nova teoria da
alma humana, conto fantástico de Machado de Assis, publicado em Papéis Avulsos (1882), o mestre fala da
dualidade da alma (interna e externa): “Cada
criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora,
outra que olha de fora para dentro... (...) as duas completam o homem, que é, metafisicamente falando, uma
laranja. Quem perde uma das metades, perde naturalmente metade da existência; e
casos há, não raros, em que a perda da alma exterior implica a da existência
inteira. (...) Agora, é preciso saber
que a alma exterior não é sempre a mesma.” (...) Olhei e recuei. O próprio vidro parecia conjurado com o resto do
universo; não me estampou a figura nítida e inteira, mas vaga, esfumada,
difusa, sombra de sombra.” Ôps! Se quiser conhecer o final dessa filosófica
história, leia, na íntegra, o fascinante conto lá no Falas ao Acaso, clicando aqui em O Espelho.
Bem, desembaçada a vista e de volta ao O Espelho hollywoodiano, para quem gosta
de perseguir metáforas cinematográficas, não vai ser difícil encontrar no
“subtexto”, entre um diálogo e outro, insinuações de que o desejo de ostentação
de Alan, na compra e exposição do
ostensivo espelho, em razão do seu sucesso como programador de softwares, pode
ser a causa da maldição do lar doce lar. Ou será premiação, já que no “interior”
dele parece haver um “bom” espaço para os “maus” súcubos e íncubos? Eu, hein! E
o que a mulher e os filhos têm a ver com isso? Seria o Espelho um Deus Reflexivo das
Vaidades que pune os incrédulos e ambiciosos, fazendo aflorar o reflexo
oculto de cada um e seus desejos inconfessáveis? Cadê as minhas lentes de contato? Ah, esqueci,
eu não uso lentes de contato.
O Espelho é um
filme de horror, digamos, atípico. Está mais próximo ao horror sugestivo que
explicito. Ou seja, em vez do susto a todo momento de sonolência da plateia, opta
pelo suspense. Ele prepara o espectador cena a cena para um desfecho que pode
ser tão assustador quanto previsível. Já que a intenção e a intensidade do medo
podem ser decifradas seguindo a musiquinha tradicional e muito mais light que as do gênero. O AI! e o AH! ficam
por conta do envolvimento emocional de cada espectador com a credulidade do
drama de horror, econômico também na sanguinolência.
Para mim, que vejo quase nada de terror, O Espelho me pareceu arrastado e, no
final, confuso e previsível. No entanto, sou obrigado a reconhecer que se
destaca onde muitos falham: direção e edição de cena e fotografia. A edição é primorosa
ao colocar (!) espetacularmente duas histórias de épocas distintas no mesmo
plano e ao mesmo tempo: imagem e reflexo dialogando com o passado e com o
presente. É fascinante essa inter-relação espaço-tempo. Há uma breve sequência
(talvez a melhor!), inclusive, que remete a obra de M. C. Escher. O trunfo da fotografia
de Michael Fimognari é a exploração de ângulos desconcertante, principalmente
no primeiro ato. O que, de certa forma, favorece o ótimo elenco (gostei de
Annalise Basso) e compensa a caracterização medíocre dos “fantasmas”. Pena
que o roteiro tenha tropeçado e ficado preso no entretempo do quase!
Em tempo: Oculus
pode ser “traduzido” do latim como olhos, óculos, abertura circular.
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