quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Crítica: O Lado Bom da Vida



Um título como O Lado Bom da Vida sugere uma comédia romântica, altruísta e com final para lá de edificante. O trailer, editado com cenas engraçadas, sinaliza o caminho com a promessa de boas gargalhadas. Pelo currículo do diretor David O. Russell (O Vencedor), não se sabe muito bem o que esperar, mas se o trailer é convidativo...

A se pautar pelo trailer, O Lado Bom da Vida (Silver Linings Playbook , EUA, 2012), é um outro filme. As poucas sequências engraçadinhas são as que o público já assistiu no trailer. Porém, se por um lado a expectativa por boas risadas é frustrada, por outro a história dramática, beirando o trágico, mas com pegada romântica (não necessariamente envolvendo relacionamento sexual) e algum humor (involuntário), é compensada pela excelência do elenco e direção. O que, vamos combinar, em se tratando de comédia norte-americana contemporânea, é um grande ganho!


O Lado Bom da Vida é uma versão enxuta do romance The Silver Linings Playbook (2008) de Matthew Quick. A narrativa, com roteiro do próprio Russel, acompanha o esforço do bipolar Pat Solitano Jr. (Bradley Cooper) para recuperar, após oito meses interno num hospital neurológico, a sua sanidade e a ex-esposa Nikki (Brea Bee). Para isso se dedica integralmente ao autoaperfeiçoamento, praticando corrida, fitness e leitura de obras que Nikki ensina aos seus alunos. Pat busca mais que saúde física, mental e cultural, ele quer um mundo melhor do que o que deixou e reencontrou após o tratamento clínico. Porém, por mais que procure (nos livros) histórias com final feliz, só encontra final trágico, o que o faz “brigar” com os autores (que selecionou) e, numa sequência emocionante, acordar os pais, Sr. Pat (Robert De Niro) e Dolores (Jacki Weaver), para discutir sobre Adeus Às Armas (A Farewell to Arms, 1929), de Ernest Hemingway.

Pat é um “garotão” simpático, mas difícil de se lidar e tratar. No que ele não está sozinho, excetuando (?) Dolores, a sua família, amigos e vizinhos são um bocado disfuncionais. O que não o impede de tentar retomar a sua vida social e amorosa (com Nikki), e conhecer a bonita e intrigante Tiffany (Jennifer Lawrence), uma jovem viúva que pirou fogosamente com a morte do marido e também tem muitos “demônios para domar”. A “loucura” dos dois acaba criando laços de cumplicidade que pode ser o ingrediente fundamental para os “planos malucos” que têm em mente. Só falta combinar o que um fará pelo outro.

Contrariando muitos críticos e espectadores, Russel, que tem um filho bipolar, disse, em recente entrevista, que a sua abordagem do tema é dramática. E de fato, é estranho imaginar a plateia rindo de uma história repleta de personagens disfuncionais e que é de uma melancolia tangente. É claro que há situações inusitadas, sequências que convidam ao riso, mas é um sorriso nervoso, muito diferente da gargalhada espontânea que parece estar despertando. Se há momentos encantadores, como os deliciosos ensaios de Tiffany e Pat, há outros de dar nó nas tripas, como aquele em que o Sr. Pat (Niro reencontrando o prazer de representar) tenta explicar ao filho o porquê da sua dificuldade em se relacionar com ele. Pelo que lembro, nenhuma dessas sequências faz deste um filme hilário.


O Lado Bom da Vida explora um tema difícil (os limites da “loucura” e da “normalidade”) sem cair na pieguice e no maniqueísmo hollywoodiano. A narrativa é opressiva e os diálogos incômodos. Os compartimentos das casas são tão apertados que parece não caber duas pessoas num mesmo lugar..., e não cabe. A saída é sair, fugir dali. Na cabeça de um bipolar há o mesmo confronto! Até mesmo a rua é mínima para quem está à deriva buscando porto. A intrusiva câmera de Masanobu Takayanagi aprisiona tudo, como se num retrato “3 x 4”, no subjetivo olhar do espectador. A sensação de claustrofobia visual e mental transcende a trama e a tela se apequena.

O Lado Bom da Vida é um drama pesado, mas não é depressivo. Os seus ricos personagens, mesmo ensimesmados, buscam uma saída para se livrar das cascas que os enclausuram. É intenso sem ser choramingas. Não é um filme perfeito, tem problemas com alguns cacos, o fôlego, e é previsível do principio ao fim. No entanto, exala um frescor raro que pode ser sentido com satisfação na direção primorosa (com cortes fundamentais na obra original para o timing cinematográfico) e no elenco de laboratório, a se destacar Bradley Cooper, Lawrence Jennifer, Robert De Niro e Jacki Weaver na mais perfeita sincronia. Dependendo do grau de ansiedade do espectador, vale o ingresso para chorar e ou sorrir.

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