Um título como O Lado Bom da Vida sugere uma comédia romântica, altruísta e com
final para lá de edificante. O trailer, editado com cenas engraçadas, sinaliza o
caminho com a promessa de boas gargalhadas. Pelo currículo do diretor David O. Russell (O Vencedor), não se sabe muito bem o que esperar, mas se o trailer é
convidativo...
A se pautar pelo trailer, O Lado Bom da Vida (Silver
Linings Playbook , EUA, 2012), é um outro filme. As poucas sequências
engraçadinhas são as que o público já assistiu no trailer. Porém, se por um
lado a expectativa por boas risadas é frustrada, por outro a história
dramática, beirando o trágico, mas com pegada romântica (não necessariamente
envolvendo relacionamento sexual) e algum humor (involuntário), é compensada
pela excelência do elenco e direção. O que, vamos combinar, em se tratando de
comédia norte-americana contemporânea, é um grande ganho!
O Lado
Bom da Vida é uma versão enxuta do romance The Silver Linings Playbook (2008) de
Matthew Quick. A narrativa, com roteiro do próprio Russel, acompanha o esforço
do bipolar Pat Solitano Jr. (Bradley Cooper) para recuperar, após
oito meses interno num hospital neurológico, a sua sanidade e a ex-esposa Nikki (Brea Bee). Para isso se dedica integralmente ao
autoaperfeiçoamento, praticando corrida, fitness e leitura de obras que Nikki ensina aos seus alunos. Pat busca mais que saúde física, mental e
cultural, ele quer um mundo melhor do que o que deixou e reencontrou após o
tratamento clínico. Porém, por mais que procure (nos livros) histórias com
final feliz, só encontra final trágico, o que o faz “brigar” com os autores
(que selecionou) e, numa sequência emocionante, acordar os pais, Sr. Pat (Robert De Niro) e Dolores
(Jacki Weaver), para discutir sobre Adeus Às Armas (A Farewell to Arms, 1929), de Ernest Hemingway.
Pat é um “garotão”
simpático, mas difícil de se lidar e tratar. No que ele não está sozinho, excetuando
(?) Dolores, a sua família, amigos e vizinhos
são um bocado disfuncionais. O que não o impede de tentar retomar a sua vida
social e amorosa (com Nikki), e conhecer
a bonita e intrigante Tiffany (Jennifer Lawrence), uma jovem viúva que
pirou fogosamente com a morte do marido e também tem muitos “demônios para
domar”. A “loucura” dos dois acaba criando laços de cumplicidade que pode ser o
ingrediente fundamental para os “planos malucos” que têm em mente. Só falta
combinar o que um fará pelo outro.
Contrariando muitos críticos e espectadores, Russel,
que tem um filho bipolar, disse, em recente entrevista, que a sua abordagem do
tema é dramática. E de fato, é estranho imaginar a plateia rindo de uma
história repleta de personagens disfuncionais e que é de uma melancolia
tangente. É claro que há situações inusitadas, sequências que convidam ao riso,
mas é um sorriso nervoso, muito diferente da gargalhada espontânea que parece
estar despertando. Se há momentos encantadores, como os deliciosos ensaios de Tiffany e Pat, há outros de dar nó nas tripas, como aquele em que o Sr. Pat (Niro reencontrando o prazer de
representar) tenta explicar ao filho o porquê da sua dificuldade em se
relacionar com ele. Pelo que lembro, nenhuma dessas sequências faz deste um
filme hilário.
O Lado
Bom da Vida explora um tema difícil (os limites da “loucura”
e da “normalidade”) sem cair na pieguice e no maniqueísmo hollywoodiano. A
narrativa é opressiva e os diálogos incômodos. Os compartimentos das casas são tão
apertados que parece não caber duas pessoas num mesmo lugar..., e não cabe. A
saída é sair, fugir dali. Na cabeça de um bipolar há o mesmo confronto! Até
mesmo a rua é mínima para quem está à deriva buscando porto. A intrusiva câmera
de Masanobu Takayanagi aprisiona tudo, como se num retrato “3 x 4”, no
subjetivo olhar do espectador. A sensação de claustrofobia visual e mental
transcende a trama e a tela se apequena.
O Lado
Bom da Vida é um drama pesado, mas não é depressivo. Os seus
ricos personagens, mesmo ensimesmados, buscam uma saída para se livrar das
cascas que os enclausuram. É intenso sem ser choramingas. Não é um filme
perfeito, tem problemas com alguns cacos, o fôlego, e é previsível do principio
ao fim. No entanto, exala um frescor raro que pode ser sentido com satisfação na
direção primorosa (com cortes fundamentais na obra original para o timing cinematográfico) e no elenco de
laboratório, a se destacar Bradley Cooper, Lawrence Jennifer, Robert De Niro e Jacki
Weaver na mais perfeita sincronia. Dependendo do grau de ansiedade do
espectador, vale o ingresso para chorar e ou sorrir.
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