A VIAGEM
por Joba Tridente
Uma das grandes promessas cinematográficas de
2012, A Viagem, dos irmãos Andy Wachowski e Lana Wachowski, em parceria com Tom Tykwer, escorregou pelo Natal e desembocou no Ano Novo. Feito
uma cobra que desliza e se camufla sorrateira por diversos terrenos, A Viagem (Cloud Atlas, Alemanha, EUA, Hong Kong, Cingapura, 2012), literal ou
literariamente (espiritualista), é uma viagem alucinante pra lá de escapista. Sem
dispensar o fumacê embriagante de Chatrix,
digo, Matrix, o filme chega vagando
nas atordoantes ondas do Hinduísmo e do Espiritismo, tangenciando sem muita
convicção o Karma, o Darma, também presentes no Kardecismo. Esse lampejo
espiritual (ou espírita reencanacionista), que não é para qualquer equilibrista
de fé bamba, é um tira-gosto especial (nem sempre palatável) que, excessivo,
pode ser confundido com filosofia de botequim.
Baseado no romance homônimo de David Mitchell, com
roteiro dos próprios diretores, o filme propõe uma viagem por seis histórias que
vão se intercalando. A primeira (em 1849) envolve um jovem americano (Jim Sturgess), um escravo Maori (David Gyasi) e um médico (Tom Hanks) num grito de liberdade; a
segunda (em 1936) fala do relacionamento profissional entre um jovem músico (Ben Whishaw) e um velho compositor (Jim Broadbent) que buscam a música
perfeita; a terceira (em 1973) gira em torno de uma jornalista investigativa (Halle Berry) e os obscuros planos de um
executivo do ramo do petróleo (Hugh
Grant); a quarta é sobre um editor falido (Jim Broadbent) que sonha com o sucesso; a quinta (em 2144)
questiona a importância de um ser (Doona
Bae) geneticamente modificado; e a sexta (em 2350?) desvela os horrores
apocalípticos na Terra e as observações de uma extraterrestre.
Demasiadamente próxima de um novo (?) gênero (drama
espiritualista de aventura e ação), A
Viagem é uma ficção científica cuja trama puxa e desfia o fio-matriz do
destino e dá um nó na vida do homem civilizado. Não trata de viagem no tempo, mas de uma
viagem maior, envolvendo pessoas encarnadas e reencarnadas que não desistem de
buscar por um herói salvador e um deus consolador, pessoas que anseiam por
justiça e liberdade ampla, geral e irrestrita, em mundos distópicos.
Você já deve ter visto argumento parecido até
mesmo em animações ousadas (leia-se animes). Assim como no primeiro Matrix, que é uma colcha de retalhos de
inumeráveis filmes do gênero, o que não falta em A Viagem são estações
referências (Blade Runner, Um Estranho Numa Terra Estranha, No Mundo de 2020, Quinto Elemento, Doctor Who...),
ativas conforme o grau de frequência em cinema e biblioteca de cada
espectador-leitor.
É um filme juvenil cheio de boas intenções doutrinárias
(lei do amor, lei da causa e efeito, lei do retorno). O problema é que “essas
boas intenções” saem de lugar nenhum para lugar algum, dando carona a outras máximas
pelo caminho. Enfatiza as frases de efeito (sobre perseverança e coragem) e, no
entanto, derrapa na fragmentação das histórias curtas que, assim como dão
substância à grande narrativa, entram e saem do contexto feito um cometa
desgovernado. As mesmas seis histórias que funcionam bem no papel, atravancam a
leitura na telona. Quando o público começa a absorver as informações de uma, a
sequência já é de outra.
Fugindo à linearidade, os meios podem até
justificar o fim anunciado no prólogo, mas é preciosismo gratuito, linguagem oportuna
que serve à confusão do espectador e disfarça um conteúdo desinteressante. É
mais fácil entender a física quântica do que a conspiração dos bons versus a conspiração dos maus que permeia a relação dos personagens. Haja elipse (ou
link!) para ressignificar um gesto, uma fala, uma reza. Ao contrário da
coerência narrativa de Ang Lee, que acerta na dose reflexão religiosa e estética,
em As Aventuras de Pi, o trio de
diretores/roteiristas de A Viagem não
avança muito além do grande impacto visual. O que não é pouco!
Enfim, como nem todas as histórias são interessantes,
o lance é relaxar e curtir a bela paisagem, porque a viagem é longa. Quando se
pensa que está chegando lá (seja lá onde for o lá!), um desvio e um retorno para
resolver pendência do passado, nas performances irregulares do elenco coringa,
composto por grandes nomes e novatos. Todos sujeitos a proporcionar,
involuntariamente, um espetáculo à parte, com suas maquiagens que beiram a
bizarrice, principalmente as dos coreopeus (mistura de coreano com europeus, a
raça que nos suplantará!). A ideia de miscigenação é muito boa, mas o resultado
plástico é discutível.
Lá nos idos dos anos 1980, Gilliard cantava: aquela nuvem, lá em cima, que passa, sou eu...
Hoje, na plataforma TI, nuvem (ou cloud) é mais que bichinhos de fumaça no céu
azul, mas ainda dá asas à imaginação.
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