Não fosse a sazonalidade, o cinema seria uma
chatice sem fim. Com a magia das estações, no entanto, mexe e vira e mexe:
ploft!..., das cinzas surge uma Fênix que voa conforme a intensidade da luz e
do som, deixando brasas que (re)arderão quando sopradas. A beleza, graça e
vitalidade da nova Fênix dependem da força do soprador que tanto pode (apenas)
espalhar cinzas quanto produzir um retumbante fogaréu. Desde que “trocou” a
vida de balconista da Video Archives pela de roteirista e diretor em Hollywood,
Quentin Tarantino só faz botar lenha
na sua fogueira. Para alguns espectadores é fogo que pela, para os detratores é
fogo morto, só porque ele realiza primeiro o que sequer pensaram.
Segundo Tarantino, a criação de Django Livre surgiu há mais de 10 anos:
A gênese inicial de toda a ideia foi a de
um escravo que se torna um caçador de recompensas e sai atrás de feitores que
se escondem em fazendas agrícolas. Eu comecei a escrever e o Django se
apresentou a mim. No início, ele era apenas quem ele era - o sexto numa fileira
de sete escravos acorrentados. Mas ele foi se revelando para mim, cada vez mais,
à medida que eu ia escrevendo. Eu sempre quis fazer um faroeste. Eu gosto de
todos os faroestes, mas como os spaghetti westerns sempre foram os meus favoritos, eu pensei que, no dia em que eu
fizesse um, seria naquele universo do Sergio Corbucci. Ao adequar a história
de um homem que se infiltra numa fazenda escravagista norte-americana, a fim de
resgatar a sua esposa, ressaltou: Não
pode ser mais angustiante do que era na vida real. Não pode ser mais
surrealista do que era na vida real. Não pode ser mais ultrajante do que era na
vida real. É inimaginável se pensar na dor e no sofrimento que ocorreram neste
país. A realidade se encaixa no panorama colossal de um faroeste spaghetti que se poderia imaginar para esta história.
O título Django
Livre é uma clara homenagem ao Django
(1966), clássico faroeste spaghetti
dirigido por Sergio Corbucci e estrelado por Franco Nero, que faz uma
participação especial e divertida, para quem conhece o personagem original. O
drama de amor e vingança, é ambientado no sul dos Estados Unidos, dois anos
antes da Guerra Civil. A sua trama gira em torno de um caçador de recompensas
alemão, o dr. King Schultz (Christoph Waltz) que, no encalço dos
assassinos irmãos Brittle, descobre
que o único jeito de encontra-los é contando com a ajuda do escravo Django (Jamie Foxx) que, por sua vez, vai precisar dos serviços do alemão
para resgatar a sua mulher, Broomhilda
(Kerry Washington), comprada pelo
perverso Calvin Candie (Leonardo DiCaprio), que tem a seu
serviço o repulsivo escravo doméstico Stephen
(Samuel L. Jackson).
Django
Livre (Django Unchained,
EUA, 2012), assim como as obras anteriores do diretor, provoca diversas
sensações (e reações) no espectador..., e não só pelo grau de violência (física
e psicológica) e ou quantidade de sangue. Seus diálogos estranhos e cenas de
puro humor negro (ôps!) tanto garantem riso, quanto convidam à reflexão, como a
hilária sequência do ataque da abominável pré-ku klux klan, que pode ser
confundida com paródia. Sabendo dosar e ou narrar, uma denúncia (ou crítica)
feita com humor é muito mais eficiente.
Evitando as facilidades da computação gráfica,
Tarantino optou por filmar o seu primeiro western
(faroeste spaghetti ou bang bang) em locações no Wyoming,
Louisiana e Califórnia, por serem regiões que remetem aos inimagináveis horrores
da escravidão e para dar maior veracidade aos seus personagens, sujeitando
atores e equipe técnica às intempéries. Não é um filme para indiferentes e ou
apenas para fãs. A preocupação com detalhes técnicos, variedade musical e
performances impecáveis de todo elenco são notáveis. É impossível destacar
Waltz sem se lembrar de DiCaprio ou de L. Jackson..., todos em momentos
inspiradíssimos.
Dramático e impactante, Django Livre vem despertando polêmica desde a sua estreia. Há quem
o ache racista, preconceituoso e quem o considere um libelo contra a opressão,
um grito de liberdade que precisa ser ouvido. Para o ator Dennis Christopher (Moguy):
A escravatura não foi apenas uma pequena
nódoa na História. É algo que serviu de alicerce à construção deste país e a
crueldade que ela personifica é algo que precisamos analisar. Eu pesquisei
muito antes de viajar até aqui, e uma das coisas que aprendi é o pouco que eu
tinha aprendido sobre isso na escola. E você nunca sabe até onde pode ir a
maldade humana a menos que discuta isso, a menos que você comece a falar disso,
a menos que exemplifique isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário