quarta-feira, 30 de maio de 2012

Crítica: Branca de Neve e o Caçador



Quem gosta de literatura oral sabe que os contos populares reunidos em publicações sofrem alterações (independente ao quem conta um conto aumenta um ponto) para atender (principalmente) aos interesses de mercado. Já era assim na época de Charles Perrault (1628 - 1703) e de Jacob Grimm (1785 - 1863) e Wilhelm Grimm (1786 - 1859), cujas histórias em comum (anteriormente “destinadas” ao leitor e ou ouvinte adulto) têm lá as suas diferenças. Onde Perrault era trágico, os Grimm eram românticos ou divertidos. Aos poucos o mundo infantil nos livros foi ganhando cor, fantasia, magia, encantamento. Todavia, com as novas mídias contemporâneas, provavelmente muitas narrativas adaptadas do passado serão cada vez mais irreconhecíveis no futuro.


Branca de Neve e o Caçador (Snow White and the Huntsman, EUA, 2012), filme de fantasia e aventura, dirigido por Rupert Sanders, é mais uma das várias adaptações do famoso conto, compilado por Jacob e Wilhelm Grimm, que chega aos cinemas. Publicado entre 1812 e 1822, em edições de Contos da Criança e do Lar (Kinder-und Hausmaërchen), esta releitura de Branca de Neve é uma boa miscelânea de várias versões. Com um olho no público adolescente e outro na atual onda de monstrengos que apavoram nas telas, enfrentando bonitões e bonitonas, a tradicional narrativa ganhou ares mais sombrios, mais góticos..., sem esquecer a fantasia claramente influenciada pelos geniais animes do mestre Hayao Miyazaki, como o belo Princesa Mononoke (1997). 


Procurando não bagunçar a estrutura central do conto, o roteirista Evan Daugherty deu asas (de corvo, morcego, pássaro azul, borboleta etc) à imaginação ao acrescentar cores fortes e pesadas no revestimento de seus personagens. Branca de Neve (Kristen Stewart) perdeu a inocência, virou uma jovem arrojada e ganhou um look (mais contemporâneo) com ares de Joana D’Arc. O Caçador (Chris Hemsworth) foi transformado num inconsolável beberrão e imbatível mercenário movido a ouro e vingança. A bela madrasta Ravenna (Charlize Theron) está mais malvada e sanguinária. Os anões mineradores mudaram de ramo, o novo negócio pode não ser o mais lucrativo, mas é o que garante a sobrevivência dos (agora) oito representantes de uma raça extinta: O líder Beith (Ian McShane) e seu braço direito Nion (Nick Frost), o genioso Gort (Ray Winstone); os guerreiros durões Coll (Toby Jones) e Duir (Eddie Marsan); o jovem Gus (Brian Gleeson); o sábio vidente cego Muir (Bob Hoskins)  e seu filho e guia Quert (Johnny Harris). O arqueiro Willian (Sam Claflin), amigo de infância de Branca de Neve e filho do Duque Hammond (Vincent Regan), ocupa a vaga de príncipe, por enquanto (?).


A versão (ou seria visão?) pós-moderna do estreante diretor britânico, não economiza no visual dark e na alegoria para recontar a história da famosa princesa de pele branca como a neve, cabelos negros como o carvão e lábios vermelhos como a rosa: “Queria criar um mundo rico e fantástico, mas queria separar conto de fada de fantasia; são duas coisas bem diferentes para mim. Queria criar algo que fosse físico, mas também muito emocional, fazer algo grandioso, um filme em escala épica que também carregasse emoção. Várias vezes, você assiste a um filme com visual muito trabalhado, mas que tem pouco sentimento. Eu queria encontrar a emoção da história”.

Egresso da publicidade, Rupert Sanders segue à risca a cartilha do entretenimento juvenil. A história é bem narrada e não faltam ação e excelentes efeitos especiais (soturnos e lúdicos), apesar da escorregadela no “efeito-anão”, também problemático em O Senhor dos Anéis. Todos os malefícios do mundo, que sempre fizeram parte do universo dos contos populares (e foram amenizados pelos Grimm), estão presentes na trama, assim como algumas passagens sinistras (fuga na floresta) da versão animada da Disney. Sanders trabalha de forma interessante alguns signos da narrativa: como a maçã (em duas belas sequências), a entidade (dourada) do espelho e os dois lados (sombra e luz) da mesma floresta. A sua opção por um terror mais psicológico é oportuna, mas se os signos (metáforas) serão decifrados pelo jovem espectador, aí já é outra conversa.  


Rupert se lembrou de realçar as maldades de Ravenna e o terror de Branca de Neve, que nasceu tal e qual o desejo da rainha (Liberty Ross) mas não imaginava que a beleza a condenaria à prisão, após o assassinato do seu pai, o rei Mingus (Noah Huntley), e à morte, para satisfazer o capricho de imortalidade da sua perversa madrasta. No entanto ele se esqueceu do humor que sempre dá um sabor (e um alívio!) especial aos dramas mais pesados. Ainda assim, Branca de Neve e o Caçador é um bom filme para o público jovem e deve agradar aos mais velhos e curiosos em releituras. Ele prende a atenção do começo ao final aberto, já que, dependendo da bilheteria, deve resultar em mais dois. Não é nenhuma obra-prima, mas a sua Branca de Neve alternativa dá o que pensar.

Charlize Theron é o grande destaque do elenco, com a ofuscante interpretação da perversa Ravena, que cresce mais com a ajuda de maquiagem e efeitos em sequências assustadoras. Chris Hemsworth está num bom momento com seu solitário caçador brigão e, se tivessem mais espaço e tempo, com certeza a ótima trupe dos anões roubaria todas as cenas. Quanto aos bonitinhos Kristen Stewart e Sam Claflin, se não vão além do combinado, também não comprometem o riscado. 

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