Quando se
trata de atrocidades de guerra, muitos países procuram negar (sempre) e ou jurar
desconhecer (sempre) qualquer “deslize” cometido por seus guerreiros no calor
da ação. Por mais que a história prove o contrário alguns povos insistem na
amnésia e inocência dos seus soldados “a serviço da paz mundial”. Conforme a
ocasião, a memória vira bolha de sabão, bola de neve ou bola de ferro.
Flores do Oriente (Jin
líng shí san chai - Flowers of War,
China, Hong Kong, 2011), do diretor Yimou
Zhang, é um drama que tem como pano de fundo o massacre de mais de 300.000 chineses
(civis e militares) e o estupro de milhares de mulheres, homens e crianças,
cometidos por militares japoneses, em 1937, quando o Império Japonês invadiu Nanquim.
Estes crimes de guerra praticados durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa (1937 -
1945) ficaram conhecidos (e são lembrados anualmente pelos chineses) como o
Massacre de Nanquim ou o Estupro de Nanquim. Infelizmente este não é um caso
isolado e ou “privilégio” indecoroso dos japoneses. Tamanha barbárie já foi
cometida antes e continuou (?) na pauta de outros “povos” depois.
Baseado
no livro As 13 Mulheres de Nanquim,
da romancista Yan Geling, que colaborou
com o roteiro de Liu Heng, o filme
gira em torno de um grupo de civis abrigado em uma igreja católica, na tentativa
de sobreviver ao cerco japonês à cidade. Inspirada em fatos reais, a história é
narrada por Shu (Zhang Xinyi), uma adolescente que, na companhia de outras estudantes,
está sob a proteção do jovem George (Huang Tianyuan). Entre os refugiados
encontram-se também um agente funerário estadunidense, John Miller (Christian Bale),
e 14 prostitutas, lideradas pela bela Yo
Mo (Ni Ni). A relação entre
todos é de desconfiança e terão que encontrar um ponto em comum nas suas
diferenças (que são muitas) para enfrentar o sanguinário inimigo..., e o próprio
medo.
Flores do Oriente é um ótimo melodrama. Ele emociona,
provoca e também incomoda com algumas sequências violentas (nunca gratuitas). A
uma mais intensa (assalto dos soldados a igreja) a alternativa é fechar (fisicamente)
os olhos. Em vez de fugir dos clichês clássicos, piegas, tão comuns em dramas
de guerra, Zhang procura dosar habilmente todos eles, inclusive o descartável
altruísmo (tão caro ao cinema norte-americano) do beberrão e oportunista John. Um personagem meio inverossímil
(ou seria fora de sintonia?), numa China dos anos 1930, mas que funciona bem
como escada para os atos (possivelmente) mais heroicos de outros personagens.
Por falar em heroísmo, preste atenção na emblemática cena final das 13 “mulheres”
(congelada) por trás dos créditos, e decifre.
Alguns
críticos viram exagero e até um certo revanchismo na personificação dos (apavorantes)
militares japoneses, mas é bom que se diga (e se lembre) que os terríveis
acontecimentos são narrados do ponto de vista de uma criança sujeita a
violência física e psicológica. Acredito, porém, que estes militares não personificam
apenas os japoneses, mas todos aqueles coniventes e praticantes de tais brutalidades
em qualquer tempo. Assim como o fictício John
(Bale) parece ser mais que uma caricatura do estrangeiro “caçador de relíquias”
que (estranho numa terra estranha), diante da tragédia iminente, acaba agindo
mais por instinto de sobrevivência do que de humanidade. Pode até ser que um
cidadão egoísta (feito John) mude o seu
comportamento, em uma situação extrema, e se torne solidário à dor alheia, mas
se o fizer, creio, será movido pelo instinto de sobrevivência do tipo: salvando outros salvo a mim mesmo.
Também
foi alvo de parte da crítica o valor de cada refugiado na difícil decisão final
do grupo. É algo a se pensar. No entanto, o que leva à controversa (?) decisão,
não é a diferença entre mulheres jovens e adultas, mas a sorte e ou o azar de (ao
menos uma delas) estar no lugar errado na hora errada. Escolha do destino?
Talvez! Todavia não parece ser essa a preocupação de Zhang ao discutir, mesmo
que superficialmente, a presença de crianças e ou de prostitutas no campo de
batalha, uma vez que, conforme o desenrolar dos eventos, todos estariam sujeitos
à barbárie. A ele interessa mais compreender a razão de uma pessoa dar a sua
vida pela de outra e ou se expor ao perigo para confortar um moribundo, o que (de
certa forma) nos remete ao seu contagiante Nenhum
a Menos (1999).
Os filmes
de Yimou Zhang possuem uma aura fascinante, uma estética única no ritmo e
dramatização da narrativa, onde a fotografia não é um mero registro da ação. A
isso ele deve muito ao mestre Zhao
Xiaoding que, em Flores do Oriente,
impressiona com nuances em tons ocre e cinza (em quase todo o filme) e o
minimalismo em pequenos detalhes, como a transbordante luminosidade do vitral da
igreja e os coloridos vestidos das prostitutas. Em alguns momentos de beleza
estonteante, que podem ser confundidos com pieguice barata, a fotografia de Xiaoding
prescinde do texto criando uma atmosfera que vai muito além da palavra.
Acostumado
a trabalhar com protagonistas profissionais e iniciantes, o diretor revela três
bons novos atores: Ni Ni (Yo Mo),
Zhag Xinyi (Shu) e Huang Tianyuan (George), e abre espaço para as marcantes
intepretações de Tong Dawei (o
corajoso Major Li), Atsuro Watabe (o dissimulado Coronel Hasegawa), Shigeo Kobayashi (o cruel Tenente
Kato) e do apresentador de TV Cao
Kefan (Sr. Meng, capaz de
qualquer sacrifício para resgatar a sua filha Shu). Apesar da estranheza de seu personagem norte-americano no
ninho chinês, Christian Bale tem uma interpretação correta. Para felicidade do
espectador, esta produção (cujo tema, por vezes, a torna palatável ou
indigesta) não é para brilhos isolados. O que a torna melhor quando se pensa
sobre o seu enredo e no quanto somos traídos por uma leitura mais apressada.
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