terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Crítica: A Morte e Vida de Charlie


por Joba Tridente

A morte, possivelmente, é um dos temas mais recorrentes em Hollywood. E nem estou falando da morte (des)figurante em produções que narram tragédias, catástrofes ou “brincam” com o terror. Falo dos (quase) inocentes dramas (principalmente românticos) como este A Morte e Vida de Charlie. Alguns ficaram para sempre na memória e nas sessões da tarde, como o dantesco Amor Além da Vida (What Dreams May Come, 1998), de Vincent Ward e o meloso thriller Ghost - Do Outro Lado da Vida (Ghost, 1990) de Jerry Zucker, outros passaram batido. Alguns mais (in)tensos, como O Sexto Sentido (The Sixth Sense, 1999), de M. Night Shymalan, ou mais ousados, como O Sétimo Selo (Det Sjunde Inseglet, 1956), de Ingmar Bergman, perturbaram os espectadores e se tornaram referência.

No cinema a morte nem sempre é protagonista. Na maioria das vezes é pano de fundo ou ponto de fuga para o estilo “cinematerapia”, como Em Busca de uma Nova Chance (The Greatest, 2009), dirigido por Shana Feste, ou dos premiadíssimos: Gente Como a Gente (Ordinary People, 1980), de Robert Redford e O Quarto do Filho (La Stanza del Figlio, 2001), de Nani Moretti. Recentemente teve o divertido (e não tão mortal) Almas à Venda (Cold Souls, 2010), de Sophie Barthes, o confuso e pretensioso Um Olhar do Paraíso (2010), de Peter Jackson, e o bonito e mediúnico Além da Vida (Hereafter, 2010), de Clint Eastwood. Poderia citar ainda uma dezena deles, mas acho que esses são suficientes para ilustrar a importância temática em filmes que, mesmo deixando claro que (a maioria) trata de questões relacionadas diretamente à Doutrina Espírita, não fazem qualquer alusão a ela.


A Morte e Vida de Charlie (Charlie St. Cloud, EUA, 2010), com direção de Burr Steers, também fala de comunicação entre os dois mundos. Porém, de uma forma um tanto obsessiva. É claro que esta “comunicação” pode ser apenas uma alucinação do personagem, dependendo do ponto de vista religioso do espectador. O drama narra a estreita relação entre dois irmãos, o jovem Charlie St. Cloud (Zac Efron), um hábil velejador, e Sam St. Cloud (Charlie Tahan), de 11 anos, apaixonado por beisebol, que vivem com a mãe Claire St. Cloud (Kim Basinger), numa cidadezinha litorânea no noroeste do Pacífico. Ganhador de uma bolsa de estudos para o curso universitário, Charlie vê seus planos ficarem cada vez mais distante, após um grave acidente envolvendo ele e o irmão. Obcecado pela idéia de culpa e certo de que causou um trauma irreparável à sua família, ele faz uma promessa a Sam que, se cumprida, o afastará cada vez mais dos estudos e da comunidade onde vive.

Baseado no best-seller The Death and Life of Charlie St. Cloud, de Ben Sherwood, penso que ele poderia se chamar A Obsessão de Charlie, tamanho é o empenho com que o personagem se entrega ao cumprimento de uma promessa aparentemente impossível. Será que na vida real uma pessoa se dedicaria tanto para cumprir promessas feitas num momento de grande sofrimento, sem se aperceber do egoísmo que aprisiona familiares e amigos? O filme trata, com singeleza, principalmente dos laços familiares e da capacidade humana de se sacrificar por um ente querido ou um ser amado, anulando a si mesmo. Uma medida extremamente controversa, tanto na ficção quanto na vida real, e (até) passível de terapia, ao se confundir atos de amor com atos de culpa.


Assim como a maioria das produções citadas, este também parece (mas não é) um filme espírita, apesar das evidências provarem o contrário. Enfim, cinema é cinema e doutrina religiosa é outra linha de pensamento e reflexão. A Morte e Vida de Charlie não foge do riscado. Em vez de especular sobre o outro lado (da vida), inventando lugares espetaculares, prefere não tirar os pés (e os mortos) do chão, tratando do assunto, aqui mesmo, como se não existisse o lado de lá (da vida). Com isso ele não vai muito além de um palatável drama romântico. É uma boa história, sem invencionices ou grandes efeitos especiais, mas que reserva surpresas e um final, digamos, previsível, porém, coerente. Um filme que pode ser assistido (sem sustos) e com algum interesse, por qualquer público crédulo ou não em gente que vê e fala com mortos normais.

A morte, como se diz, “é a única certeza da vida” e, talvez por isso, desperta (tanta) curiosidade no ser humano. Se a trama de A Morte e Vida de Charlie não é nenhum grande achado, a fotografia do equatoriano Enrique Chediak é de encher os olhos. A trilha não incomoda e, numa direção linear, não há destaque num elenco com interpretações contidas e corretas. Melhor do que se arriscar (sem preparo) e cair na caricatura.

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