terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Crítica: O Concerto


por Joba Tridente

O Concerto é um filme que começa com uma abordagem kafkaniana sobre a vida teimosa pós-arte majestosa. E continua depois com a sua estranheza divertida, que alia um humor negro à situação absurda em que vivem os ex-integrantes de uma orquestra russa, desmantelada pelos mandos de premiê Leonid Ilitch Bréjnev (1906 - 1982), para culminar numa redenção emocionante. Uma trágica e romântica peça musical do princípio ao fim, feito o belíssimo Concerto para Violino em Ré Maior, Op. 35, de Tchaikovsky (1840 - 1893).


O Concerto (Le Concert, França, Itália, Romênia, Bélgica, Rússia - 2009), dirigido pelo romeno Radu Mihaileanu, que tem por base a história original de Héctor Cabello Reyes e Thierry Degrandi, narra a catarse triunfal do russo Andreï Filipov (Alexeï Guskov), um maestro da famosa Orquestra do Bolshoi que, por desavença com o ditador neo-stalinista Bréjnev, perde seu cargo e, da noite pro dia, é rebaixado a faxineiro no mesmo teatro das suas grandes apresentações. Perdoar já é difícil, esquecer traições é muito pior. Porém, se o Regime é madrasta, o Destino pode ser um pai cauteloso e cheio de artimanhas, ao preparar o prato da vingança servido ao ponto. Nem quente e nem frio, apenas arrebatador.


Certo dia, ao limpar a sala do diretor, Andreï intercepta um convite, via fax, para a Orquestra do Bolshoi tocar no suntuoso Théâtre du Châtelet, em Paris. Ele decide dar uma rasteira no Bolshoi, montar uma orquestra e se apresentar, como se fosse a própria. Bem, pensar é uma coisa, montar uma orquestra com ex-músicos (em curtíssimo tempo) é outra bem diferente e mais difícil. Andreï Filipov começa uma saga espetacular, por lugares inusitados, em busca da mão de obra esquecida. Não sei se tudo que ouvimos e lemos, por aqui, sobre a “abertura e fim” da União Soviética (esfacelamento do regime comunista, domínio da máfia, custo de vida e da vida etc) é tudo verdade. Mas (sendo ou não) a forma tragicômica como isso é retratado é um espanto.


Singular na sua pluralidade O Concerto mostra uma Rússia de ontem, hoje e amanhã, numa Europa que ainda cose com preocupação a união que se avizinha. A narrativa engana os olhos do espectador que se perde na passagem (e na paisagem) do século 20 ao 21, até ser desperto pelo trinar de um celular ou pelo insignificante tremular de uma bandeira comunista, na boca do túnel do tempo via internet. Pois o passado só se torna presente quando são expiadas todas as culpas. É um filme que surpreende e encanta o espectador com a sua anárquica crônica musical sobre o burocrático preconceito artístico e social russo e francês, mas que, com certeza, também atravanca muita arte mundo afora. Ele ainda nos lembra que um bom nome (de peso!) pode fazer uma farsa durar bem mais que meros quinze minutos de fama.

2 comentários:

  1. Este filme vale muito a pena ver. Ele é um pouco piegas talvez. Tem um final, um tanto quanto longo, mas arrebatador de emocionar o espectador de coração mais frio. "O Concerto" é um alento num momento, talvez por ser começo do ano, que a programação dos cinemas está deveras desanimadora.

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  2. Olá, Antunes.
    O Concerto é a primeira grande surpresa do ano.
    Espero que cheguem outras.

    Abs.

    T+
    Joba

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