sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Crítica: Um Olhar do Paraíso



Um Olhar do Paraíso
por Joba Tridente

Meu sobrenome era Salmon, salmão, igual ao peixe: meu primeiro nome era Susie. Eu tinha 14 anos quando fui assassinada no dia 6 de dezembro de 1973. Nas fotos de meninas desaparecidas que saíam nos jornais nos anos 70, a maioria delas se parecia comigo: meninas brancas de cabelos castanhos cor de camundongo. Isso foi antes de crianças de todas as raças e sexos começarem a aparecer nas caixas de leite ou na correspondência diária. Ainda era na época em que as pessoas acreditavam que coisas assim não aconteciam.” (narrativa inicial do filme e do livro)

É como se diz: pra tudo há sempre uma primeira vez. Pois é, quem diria que o consagrado diretor neozelandês, Peter Jackson, principalmente depois de O Senhor dos Anéis e King Kong, iria errar feio e realizar um filme tão vesgo quanto Um Olhar do Paraíso (The Lovely Bones, EUA/Nova Zelândia/Reino Unido, 2009)? O filme, baseado no best-seller The Lovely Bones, de Alice Sebold, lançado aqui no Brasil, pela Ediouro, com o título: Uma Vida Interrompida – Memórias de um anjo assassinado, apesar do tema forte, tem um roteiro fraco, “interpretações” equivocadas e direção sonolenta. Ele conta a história de Susie Salmon (Saoirse Ronan), uma jovem de 14 anos que, morta por um psicopata, George Harvey (Stanley Tucci), relata a tragédia diretamente do Paraíso onde se encontra e tenta se comunicar com os familiares. Inconformada por morrer tão jovem, cheia de sonhos e sem ter beijado um pretendente a namorado, ela quer se vingar (sem saber como) do seu assassino. Ou ser convencida de que a tal Justiça Divina realmente existe.

Um Olhar do Paraíso tem resquícios de Beleza Americana (American Beauty, EUA, 1999), de Sam Mendes, cuja história também é narrada pelo personagem morto (de algum lugar etéreo) e o final chupado de Ghost – O Outro Lado da Vida (Ghost, EUA, 1990), de Jerry Zucker, mas bebe mesmo e espirra muita água de Amor Além da Vida (When Dreams May Come, EUA, 1998), de Vincent Ward, com seu deslumbrante e letárgico Paraíso e sádico Purgatório, pra ficar nos mais conhecidos. Se o espectador é do tipo que curte um quebra-cabeça, e ficar atento, vai perceber o aparecimento de diversos objetos estranhos, entre paisagens, que vão se relacionar a outros crimes, próximo ao final. Alguns são fáceis de captar, outros requerem um melhor exercício visual.

Apesar da aparente inteligência desse joguinho de caça-rato, Um Olhar do Paraíso é um filme muito aquém das expectativas. O roteiro (de Peter Jackson, Fran Walsh e Philippa Boyens) atropela a tudo e a todos do começo ao fim, cujo veredicto não podia ser mais medíocre. Por falar em “fim”, assim com Spielberg (produtor do filme) Peter Jackson parece também não saber (ou querer) terminar seus filmes, ou pelo menos este, que se estende além da conta, acrescentando cacos e mais cacos (idiotas e piadas sem graça). O mais incomodo é o da visita da caricata e imbecil Vovó Lynn (Susan Sarandon), uma alcoólatra e fumólatra inveterada, mãe de Abigail Salmon (Raquel Weisz) e sogra de Jack Salmon (Mark Wahlberg), pra ajudar (?) nos afazeres da casa logo após o desaparecimento da filha do casal.

Com ótima fotografia (em alguns momentos inspiradíssima) e efeitos especiais estonteantes, o drama, com seu suspense espírita diluído, não assusta, intriga ou convence nem o mais crédulo. Realmente é difícil acreditar na ingenuidade da menina de 14 anos e muito menos na tal armadilha (de arquitetura discutível) construída em tempo recorde e sem deixar vestígios, para prendê-la. No disse não disse, das notícias cinematográficas, fala-se que Peter Jackson teria acrescentado (?) cenas de maior violência e ou retirado (!) cenas de extrema violência para que o filme recebesse liberação para jovens acima de 13 anos, nos EUA. Como a violência é mais sugerida que mostrada, é provável que o segundo comentário seja o real (?). Talvez (se verdadeiro) o tira e põe isso e aquilo tenha comprometido (?) o andamento (?) do filme. Eu duvido! O problema não está na ausência de violência, mas na condução da história confusa e fantasiosa demais. Um Olhar do Paraíso não tem rumo e parece uma peneira, com tantos inacreditáveis (e impensáveis) furos técnicos. São erros primários (pesados e ou de arrepiar) que infelizmente não dá pra citar, sem comprometer a leitura do espectador em cenas e sequências que desceriam (ôpa!) batido. Apesar da obviedade!

Um Olhar do Paraíso, infelizmente, para os fãs de Jackson, está mais para um olhar do Purgatório. É difícil aceitar que o filme que tenha sido a(ssa)ssinado pelo realizador de Almas Gêmeas. Enfim, fãs de Alice Sebold, é que vão poder julgar melhor, já que os que desconhecem o livro, devem ficar em cima ou (mais provável) cair do muro.

Por falar em dramas espíritas, o ano de 2010 é de grande promessa para os realizadores brasileiros, se conseguirem chegar às salas de cinema. Depois do inesperado sucesso de Bezerra de Menezes - O Diário de Um Espírito (2008), de Glauber Filho, chegam: Chico Xavier, de Daniel Filho; Nosso Lar, de Wagner Assis; As Mães de Chico, de Glauber Filho; E a Vida Continua, de Paulo Figueiredo; As Cartas, documentário de Cristiana Grumbach. É esperar pra ver.

4 comentários:

  1. [SPOILERS] No livro, Susie é estuprada, assassinada e esquartejada. Tudo sugerido por Peter Jackson. A mãe da protagonista tem um caso com o policial e só depois vai trabalhar numa vinícola, no outro lado do país, em resposta à crise do seu casamento (marido obcecado pelo assassino, etc). O marido, por sua vez, se machuca no milharal e, mais pra frente (a história se passa nos oito anos seguintes à morte de Susan), tem um ataque cardíaco (o que faz a mulher voltar pra casa). A vovó Lynn é excêntrica, mas tal característica é tratada com extrema sutileza, sem aquela comédia pastelão. É a pessoa que toma conta da família enquanto a filha some do mapa, dormindo no quarto de Susie (então, aquele negócio de quarto intocável não existe). Os irmãos são melhor abordados (claro). Ruth e o Ray também. Aliás, por causa daquele bilhete, que não escapa no caderno da menina, o rapaz é suspeito, momentaneamente, da morte dela. Eles dão o primeiro beijo antes de ela morrer. Quando, no final, ela se materializa no corpo de Ruth, a vontade da garota é de transar (o que acontece). O enterro do cofre, com o corpo de Susie, acontece bem depois do crime. Não entendi o motivo do Sr. Harvey guardar o corpo por tanto tempo. Não faz sentido. Sem contar que todos descobriram que era ele. Remover a prova-mor do crime era perda de tempo. E por aí vai. Sei que comparar livro com filme é sacanagem, mas taí um longa muito mal adaptado.

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  2. É isso aí, Rafael.Valeu pelo esclarecimento e comparação da história no livro e no filme. Peter Jackson errou feio.
    Evito entrar em detalhes (spoilers)do filme pra não tirar a surpresa do expectador.
    Mas..., já que você começou, o que achou da sequência do cofre (leve feito uma pluma) no porão (e pesado feito chumbo) no sumidouro?

    T+
    Joba

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  3. ..., no real, o cinema não imita a vida, embora tente. ..., o bom é que, mesmo quando "baseado em fatos" (ou por isso!), permite as mais diversas e divergentes leituras.

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  4. ..., é isso coca alvares, cada olhar uma leitura e cada leitura uma crítica.

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