PARIS, 13º DISTRITO
(Les Olympiades)
por Joba Tridente
Ah, o cinema francês e suas indefectíveis questões
amorosas a três, a dois, a um..., por vezes ingênuas, por vezes perversas, mas,
na maioria das vezes, civilizadas nos triângulos, nas paralelas, na solidão
sexual. Além de praticar “l’amour”, os
personagens franceses também adoram filosofar. Sempre há uma pausa (catártica) no
enredo (não importa o lugar) para se discutir seriamente trivialidades sociais,
políticas, religiosas, culturais. Não é diferente em Paris, 13º Distrito (Les
Olympiades, 2021), de Jacques
Audiard (O Profeta).

Baseado nos romances gráficos Amber Sweet, Killing and
Dying e Hawaiian Getaway, do
cartunista americano Adrian Tomine, o roteiro escrito por Audiard, Céline
Sciamma e Léa Mysius, acompanha as aventuras e desventuras sexuais, românticas
e profissionais de três jovens adultos (na faixa dos 25 aos 35 anos) que moram,
estudam e trabalham na região conhecida como Les Olympiades, em Paris. A trama leve
(que tenta flertar com a comédia) explora a confusão de gênero e de identidade
em meio à temporalidade e a fugacidade dos relacionamentos. Durante a narrativa,
três personagens comuns terão suas vidas (pessoais e profissionais) cruzadas e,
por razões diferentes, alteradas.

A franco-chinesa
Émilie (Lucie Zhang) é operadora
de telemarketing e decide alugar um
quarto do seu apartamento para o afrodescendente Camille (Makita Samba), um
professor do ensino médio que, por causa do nome (de dois gêneros), ela
acreditava ser uma garota e sente-se
terrivelmente atraída sexualmente por ele. Nora
(Noémie Merlant) é uma universitária
tardia do curso de Direito que, após uma incidente de identidade, vai trabalhar
com Camille, que deixou o ensino
escolar para se dedicar a um Curso Universitário e está administrando uma
Agência Imobiliária. Camille, objeto
do desejo de Émilie, se interessa por
Nora, cujo caminho traumático acaba
cruzando com o da independente camgirl
Amber Sweet (Jehnny Beth). É por aí a lenga-lenga amorosa: fulana que ama
beltrano que ama sicrana que ama... Assim, enquanto não se decidem quem fica
com quem, a vida segue em Paris, alheia a seus pontos turísticos, mas focada
nas pequenas crônicas de costumes de uma geração que parece ainda estar
buscando seu lugar na França.
“Parei por desânimo. Gostava muito dos alunos e amo ensinar. Foram
as condições do ensino. Reformas terríveis que nos impõem a cada seis meses.
Somos mal pagos, desconsiderados, vigiados e silenciados. E veja com terminam
nossos alunos: nas obras. Ou vendendo espetinhos. É gratificante, não?”

A trama tripartida, no coração indiferente do 13º
Distrito de Paris, é desenvolvida homeopaticamente por Audiard, que parece
não ter pressa em desvelar os traumas, as inseguranças, as ambições, os pontos
em comum e de rupturas de seus protagonistas numa cidade que os faz se sentirem
párias..., tanto pela origem quanto pela aparência. Daí a impressão de
contraponto, de urgência, em que o sexo surge, para cada um, mais como catarse,
válvula de escape, do que necessariamente por paixão e/ou por amor. É
praticamente um descarrego de fluídos variáveis que podem tanto libertar quanto
aprisionar, quando não se conhece a si mesmo e/ou se deixa perseguir, mesmo à
distância, pelos fantasmas familiares. O
sexo, mesmo volátil, surge para aquecer a solidão, substituir a carência
afetiva e, talvez, satisfazer o corpo.

Os quatro atores estão ótimos em cena. Seus
personagens são aceitáveis em suas singularidades de fácil conexão com o
espectador. Mas, sinceramente, é impossível resistir à performance da excelente
Noémie Merlant para a complexa Nora.
Enquanto Émilie, Camille e Amber são
personagens ali na horizontalidade, Nora
é repleta de nuances (com suas dores, carências, mistérios) que a belíssima Merlant
traz à tona numa interpretação (olho no olho) simplesmente arrebatadora. A
empatia que desperta é tão grande que, em dois ou três momentos cruciais, seu
desempenho é de tirar o chão. Porém, cabe ao personagem Camille, de Makita Samba, os momentos de reflexão, sobre a
profissão de professor (acima) ou sobre o stand
up (abaixo).
“Não gosto muito de stand up. Não suporto a presunção desses comediantes
autoproclamados. A pretensão das piadas idiotas, essa tirania do humor
abstrato.” (Parece até resposta à descartável série francesa DRÔLE)
Com sua fascinante fotografia em preto e branco (e
brevíssima cena em cores estouradas), dirigida por Paul Guilhaume, aliada ao introspectivo
enredo sobre jovens adultos às voltas com suas próprias revoluções sentimentais
e independência sexual, Paris, 13º
Distrito ganha ares de uma nouvelle
vague contemporânea. É claro que cada espectador fará a sua própria leitura
e pode até considerar que ainda há, por aí, muita gente jovem vestindo aquela “velha
roupa libertária” do passado como se nova..., esquecendo que nada mais cíclico
que a moda, que de tempos em tempos (re)padroniza jovens adultos ou adultos
(com síndrome de) jovens. Não é a “roupa”, em si, mas em que situação “ela” é
vestida. Assim, a antológica cena da balbúrdia em sala de aula, enquanto Nora comenta uma matéria, demonstra que
a diferença entre a perversidade social de ontem e a de hoje está tão somente
na forma em que é disseminada.

Enfim, as três histórias encadeadas de Paris, 13º Distrito, podem nem ser das
mais originais, mas, com o excelente elenco e notável direção de Jacques
Audiard, são boas o suficiente para prender a atenção do espectador muito além
das várias cenas de sexo (sem fetiche) que, dependendo do ângulo (e apelo voyeur), são até pudicas, fazendo crer
que as múltiplas relações sexuais estão em cena mais como composição do que
provocação. E no arrepio do desejo incontido, quem assistir ao drama francês
verá que, intencional ou não, a magnífica cena
do beijo, no epílogo, trancando portas e abrindo janelas em Les Olympiades,
é muito mais erótica e excitante que todas aquelas de “relação sexual” que saltitam
pela narrativa.
A mim, que ando de ovo virado com o cinema francês
recente, Paris, 13º Distrito pode
ser uma possibilidade de tentar fazer as pazes, após assistir a tanta bobagem
(sem graça) classificada de comédia, como, por exemplo, a
medíocre serie francesa DRÔLE.
Trailer: Aqui
NOTA: As considerações acima são pessoais
e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida
experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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