MEDIDA PROVISÓRIA
por Joba
Tridente
Diante das primeiras notícias sobre o filme
brasileiro Medida Provisória,
dirigido por Lázaro Ramos, pensei em
algo parecido com o filme Um Dia Sem
Mexicanos, de Sergio Arau, que fala do desaparecimento súbito de todos os imigrantes
latinos da Califórnia, criando o maior caos, quando os xenofóbicos americanos
se apercebem da importância da mão de obra, de certa forma barata, mas
imprescindível em vários setores.

Mas vi que não. Se aquele se apoia no realismo
mágico, este absorve o drama “futurista” da distopia, sediando a ação num
Brasil intolerante com afrodescendentes. Aqui, terra de tantos imigrantes, o sórdido
governo brasileiro adota uma discutível Medida
Provisória que, com a justificativa de “reparar” o seu passado
escravocrata, “oferece” a todos os cidadãos negros (sob o eufemismo: pessoas com melanina acentuada) a
“oportunidade de retornar às suas origens”. Assim como a milhões de brasileiros,
descendentes de africanos, a Medida
afeta a vida da médica Capitú (Taís Araújo), do seu marido, o advogado
Antonio (Alfred Enoch), e do primo dele, o blogueiro André (Seu Jorge), que
moram num mesmo apartamento, no Rio de Janeiro.

A princípio a Medida
Provisória é facultativa. Mas, como o “ato de benevolência” (eufemismo para
eugenia) não surte o efeito desejado, os prepotentes funcionários públicos Isabel (Adriana Esteves) e Santiago (Pablo Sanábio) colocam em prática um
Plano B, que visa capturar (na rua) e sumariamente deportar para a África todos
aqueles “com melanina acentuada”. No
salve-se quem puder, Antonio e André se trancam no apartamento, enquanto
Capitú acaba encontrando refúgio num afrobunker (esconderijo, tipo quilombo,
que acolhe negros foragidos)..., à espera da poeira baixar. Como a poeira não
baixa e a situação só piora, com as privações impostas aos negros que resistem
ao mandado governamental, Antonio e André, que sabem que Capitú fugiu do hospital, mas não onde se
encontra e nem mesmo se está viva, vão tentar de tudo para escapar do
apartamento. Já a médica, enquanto espera um jeito de reencontrar o marido, ajuda
no atendimento aos feridos.

Medida
Provisória tem um argumento excelente, capaz de fazer pensar sobre o
autoritarismo até o mais ingênuo cidadão. Porém, após um interessante prólogo e
um primeiro ato promissor, o roteiro começa soar um tanto incoerente em várias
sequências e situações (simplórias) totalmente fora do contexto e/ou da lógica
narrativa (parecendo erro de continuidade e/ou de edição), que certamente será
notado por algum espectador mais atento ao conteúdo que ao tom caricatural da
trama e das interpretações. Obviamente não vou citar as incoerências e as
situações equivocadas para não induzir a leitura do público, que pode não
perceber os detalhes técnicos incômodos, os equívocos que poderiam ser evitados
com um pouco mais de pesquisa e dedicação à trama.

Não assisti ao espetáculo teatral e tampouco conheço
o texto de origem. Portanto, só posso considerar o que está na telona, cujo
enredo (a mim) ganharia muito se apostasse mais no humor negro, sempre ferino e
eficiente na crítica que se deseja, do que na caricatura, de humor pontual e
efêmero. Daí, sem atingir pra valer o nervo do tema exposto, a impressão é a de
Medida Provisória não atingir (?) nem
o emocional (raivoso) e nem o racional (ponderado) do público. Pois, por mais
pertinente que seja o assunto, ele parece apenas quicar aleatoriamente, de um
lado e de outro do palco das reflexões (principalmente raciais), na base do
olho por olho e/ou do cor por cor, (como se vê em duas sequências que espelham
crimes absurdos) e/ou na exploração de cenas tão gratuitas e aborrecidas que só
servem para abrir espaços para muitos “por quês?”.

Enfim, Medida
Provisória, adaptado por Lusa Silvestre, Lázaro Ramos, Aldri Assunção e
Elísio Lopes Jr., da peça teatral Namíbia, Não!, de Aldri Anunciação, dirigida
por Lázaro Ramos, em 2011, é um bom filme e com vocação para algo maior. Para tanto, o ideal seria menos ansiedade (para evitar os escorregões) no
desenvolvimento da história, mais sutileza na direção e muito menos complacência com o público adulto o suficiente (creio) para ponderar sobre assuntos
espinhosos.
Trailer: Aqui
NOTA: As considerações acima são pessoais
e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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