quinta-feira, 14 de abril de 2022

Crítica: Medida Provisória


MEDIDA  PROVISÓRIA

por Joba Tridente 

Diante das primeiras notícias sobre o filme brasileiro Medida Provisória, dirigido por Lázaro Ramos, pensei em algo parecido com o filme Um Dia Sem Mexicanos, de Sergio Arau, que fala do desaparecimento súbito de todos os imigrantes latinos da Califórnia, criando o maior caos, quando os xenofóbicos americanos se apercebem da importância da mão de obra, de certa forma barata, mas imprescindível em vários setores. 


Mas vi que não. Se aquele se apoia no realismo mágico, este absorve o drama “futurista” da distopia, sediando a ação num Brasil intolerante com afrodescendentes. Aqui, terra de tantos imigrantes, o sórdido governo brasileiro adota uma discutível Medida Provisória que, com a justificativa de “reparar” o seu passado escravocrata, “oferece” a todos os cidadãos negros (sob o eufemismo: pessoas com melanina acentuada) a “oportunidade de retornar às suas origens”.  Assim como a milhões de brasileiros, descendentes de africanos, a Medida afeta a vida da médica Capitú (Taís Araújo), do seu marido, o advogado Antonio (Alfred Enoch), e do primo dele, o blogueiro André (Seu Jorge), que moram num mesmo apartamento, no Rio de Janeiro. 


A princípio a Medida Provisória é facultativa. Mas, como o “ato de benevolência” (eufemismo para eugenia) não surte o efeito desejado, os prepotentes funcionários públicos Isabel (Adriana Esteves) e Santiago (Pablo Sanábio) colocam em prática um Plano B, que visa capturar (na rua) e sumariamente deportar para a África todos aqueles “com melanina acentuada”. No salve-se quem puder, Antonio e André se trancam no apartamento, enquanto Capitú acaba encontrando refúgio num afrobunker (esconderijo, tipo quilombo, que acolhe negros foragidos)..., à espera da poeira baixar. Como a poeira não baixa e a situação só piora, com as privações impostas aos negros que resistem ao mandado governamental, Antonio e André, que sabem que Capitú fugiu do hospital, mas não onde se encontra e nem mesmo se está viva, vão tentar de tudo para escapar do apartamento. Já a médica, enquanto espera um jeito de reencontrar o marido, ajuda no atendimento aos feridos. 


Medida Provisória tem um argumento excelente, capaz de fazer pensar sobre o autoritarismo até o mais ingênuo cidadão. Porém, após um interessante prólogo e um primeiro ato promissor, o roteiro começa soar um tanto incoerente em várias sequências e situações (simplórias) totalmente fora do contexto e/ou da lógica narrativa (parecendo erro de continuidade e/ou de edição), que certamente será notado por algum espectador mais atento ao conteúdo que ao tom caricatural da trama e das interpretações. Obviamente não vou citar as incoerências e as situações equivocadas para não induzir a leitura do público, que pode não perceber os detalhes técnicos incômodos, os equívocos que poderiam ser evitados com um pouco mais de pesquisa e dedicação à trama. 


Não assisti ao espetáculo teatral e tampouco conheço o texto de origem. Portanto, só posso considerar o que está na telona, cujo enredo (a mim) ganharia muito se apostasse mais no humor negro, sempre ferino e eficiente na crítica que se deseja, do que na caricatura, de humor pontual e efêmero. Daí, sem atingir pra valer o nervo do tema exposto, a impressão é a de Medida Provisória não atingir (?) nem o emocional (raivoso) e nem o racional (ponderado) do público. Pois, por mais pertinente que seja o assunto, ele parece apenas quicar aleatoriamente, de um lado e de outro do palco das reflexões (principalmente raciais), na base do olho por olho e/ou do cor por cor, (como se vê em duas sequências que espelham crimes absurdos) e/ou na exploração de cenas tão gratuitas e aborrecidas que só servem para abrir espaços para muitos “por quês?”. 


Enfim, Medida Provisória, adaptado por Lusa Silvestre, Lázaro Ramos, Aldri Assunção e Elísio Lopes Jr., da peça teatral Namíbia, Não!, de Aldri Anunciação, dirigida por Lázaro Ramos, em 2011, é um bom filme e com vocação para algo maior. Para tanto, o ideal seria menos ansiedade (para evitar os escorregões) no desenvolvimento da história, mais sutileza na direção e muito menos complacência com o público adulto o suficiente (creio) para ponderar sobre assuntos espinhosos.

Trailer: Aqui

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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