O Primeiro Homem
por Joba Tridente
A mim, um dos filmes mais fascinantes sobre a corrida
espacial norte-americana é Os Eleitos
(1983), de Philip Kaufman, baseado no excelente romance homônimo de Tom
Wolfe, lançado em 1979. O livro li apenas uma vez, já o filme, assisti várias
vezes..., tenho inclusive o DVD. Me lembrei dele ao assistir a cinebiografia O Primeiro Homem, de Damien Chazelle (La La Land: Cantando as Estações, Whiplash), que traz Ryan Gosling na pele do circunspecto astronauta Neil Armstrong (1930-2012), o comandante
da missão Apollo 11 e o primeiro homem (do título) a pisar na Lua, em 20 de
Julho 1969. Isso não é spoiler, é
fato! Mas, não importa, o drama narrado por Chazelle tem mais a ver com a
essência, com a personalidade de Armstrong, o homem por trás do astronauta, do
que com a história espacial estadunidense que ajudou a escrever.
Adaptado do livro First
Man: The Life of Neil A. Armstrong, de James R. Hansen (2005), por Josh
Singer (Spotlight - Segredos Revelados e The Post - A Guerra Secreta), O Primeiro Homem (First Man, 2018), traça um panorama interessante sobre o
discretíssimo Neil Armstrong, que
serviu na Marinha dos EUA; combateu na Guerra da Coréia (1950/1953); foi piloto
de teste na Estação de Voo do Comitê Consultivo Nacional para a
Aeronáutica (NACA) e entrou para a NASA em 1962, no Grupo dos Nove primeiros astronautas, onde comandou a Gemini VIII,
em seu primeiro voo ao espaço, em 1966, e posteriormente a Apolo 11, em 1969.
A saga do lendário astronauta, que ao pisar na Lua criou
a frase: "Este é um pequeno passo
para o homem e um salto gigantesco para a humanidade", começa a ser
narrada pouco antes de Armstrong
(Gosling) deixar a NACA, para se inscrever no programa espacial da NASA, num
prólogo impactante, a bordo de um avião de teste desenfreado, pilotado por ele,
dando o tom da viagem que o espectador fará (por terra e por ar) para acompanhar
a sua (in)tensa rotina. Ainda que o (docu)drama acompanhe o dia a dia dos
pilotos em cansativas aulas teóricas e perigosas aulas práticas (sujeitas a
erros de cálculo que podem custar a vida dos pioneiros espaciais frente ao
obsessivo desejo de chegar à Lua antes dos russos, “acomodados” em cápsulas que
hoje nos parecem verdadeiras geringonças), o interesse maior de Chazelle é decifrar
o enigmático Armstrong, um profissional
forte e hábil ao tomar decisões sob pressão e pai e marido introspectivo (de
uma fragilidade tocante) no convívio familiar.
Emoldurando a direção subjetiva de Chalezze, está a
fotografia magistral e não menos subjetiva de Linus Sandgren (La La Land), incômoda e claustrofóbica
em sua constância de close-ups e movimentos nervosos (que podem provocar
vertigem em IMAX), buscando desvelar, nas mínimas expressões, o quê o monossilábico
engenheiro aeroespacial Neil oculta em seu íntimo. Filmado em 16 e 35 mm e algumas sequências espetaculares em 65
mm-IMAX, O Primeiro Homem coloca o
espectador lado ao lado com os astronautas nas precárias aeronaves que, além de
apertadas, parecem prestes a se desmontar em pleno voo, espalhando pilotos,
placas, circuitos e parafusos para todo lugar. Uma aflição compensada com as imersivas
sequências de paisagens siderais de beleza rara, onde aeronaves dançam tal qual
dançaram as de Kubrick em 2001 - Uma
Odisseia no Espaço (1968)..., ou com as cenas impactantes do cinzento silêncio
lunar que nos convida a refletir sobre o futuro que era ingênua especulação
ontem e o que poderá ser poluída realidade amanhã.
Diferente de La La Land: Cantando as Estações,
onde, segundo Chazelle, os músicos brasileiros e latinos (leia-se: mexicanos)
são personae non gratae nos EUA
(leia-se: Los Angeles), porque tomam o lugar dos músicos “nativos”
estadunidenses, O Primeiro Homem passa
a uma galáxia de distância da hagiografia nacionalista, que seria (?) até natural,
por se tratar do retrato de um herói norte-americano. A xenofobia do roteirista e diretor também ficou
trancada no armário. O que vemos na tela, é um recorte conciso dos anos 1961 a
1969 da vida do cauteloso Neil Armstrong. Material suficiente para saber quem ele
era, como se relacionava com a família e a importância da sua participação na
custosa corrida espacial. Não há nem mesmo cenas do famigerado nacionalismo
triunfal (viu, mundo, do que nós somos
capazes?) pós-pouso na lua. Bandeiras norte-americanas aparecem apenas
ocasionalmente, há nada que as destaque além da tradição (ou rotina) de um gesto
patriótico.
Enfim, considerando o roteiro enxuto e a direção (documental) sóbria, livre de maneirismos, inclusive na condução do ótimo elenco; a dinâmica
dos efeitos especiais e a magnífica fotografia; tentando esquecer a invasiva “trilha
sonora” (irritante e desnecessária em boa parte, pois tira a força da trama e
do drama), que cresce quando emudece nas cenas lunares..., O Primeiro Homem é um filme bom de se ver e de se deixar envolver. Não
se preocupe com a metragem (2h20’) você nem vai sentir o tempo passar, pois vai
estar voando alto (preferencialmente em um cinema IMAX) com a extraordinária e
assustadora saga de um herói (de carne e osso) do espaço. Uma viagem e tanto
para quem gosta do assunto e gostaria de saber um pouco mais dos primórdios da
conquista do espaço..., ao menos da conquista da nossa vizinhança celeste.
*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de
idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo),
em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista
e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico”
do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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