sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Crítica: O Primeiro Homem



O Primeiro Homem
por Joba Tridente

A mim, um dos filmes mais fascinantes sobre a corrida espacial norte-americana é Os Eleitos (1983), de Philip Kaufman, baseado no excelente romance homônimo de Tom Wolfe, lançado em 1979. O livro li apenas uma vez, já o filme, assisti várias vezes..., tenho inclusive o DVD. Me lembrei dele ao assistir a cinebiografia O Primeiro Homem, de Damien Chazelle (La La Land: Cantando as Estações, Whiplash), que traz Ryan Gosling na pele do circunspecto astronauta Neil Armstrong (1930-2012), o comandante da missão Apollo 11 e o primeiro homem (do título) a pisar na Lua, em 20 de Julho 1969. Isso não é spoiler, é fato! Mas, não importa, o drama narrado por Chazelle tem mais a ver com a essência, com a personalidade de Armstrong, o homem por trás do astronauta, do que com a história espacial estadunidense que ajudou a escrever.


Adaptado do livro First Man: The Life of Neil A. Armstrong, de James R. Hansen (2005), por Josh Singer (Spotlight - Segredos Revelados e The Post - A Guerra Secreta), O Primeiro Homem (First Man, 2018), traça um panorama interessante sobre o discretíssimo Neil Armstrong, que serviu na Marinha dos EUA; combateu na Guerra da Coréia (1950/1953); foi piloto de teste na Estação de Voo do Comitê Consultivo Nacional para a Aeronáutica (NACA) e entrou para a NASA em 1962, no Grupo dos Nove primeiros astronautas, onde comandou a Gemini VIII, em seu primeiro voo ao espaço, em 1966, e posteriormente a Apolo 11, em 1969.

A saga do lendário astronauta, que ao pisar na Lua criou a frase: "Este é um pequeno passo para o homem e um salto gigantesco para a humanidade", começa a ser narrada pouco antes de Armstrong (Gosling) deixar a NACA, para se inscrever no programa espacial da NASA, num prólogo impactante, a bordo de um avião de teste desenfreado, pilotado por ele, dando o tom da viagem que o espectador fará (por terra e por ar) para acompanhar a sua (in)tensa rotina. Ainda que o (docu)drama acompanhe o dia a dia dos pilotos em cansativas aulas teóricas e perigosas aulas práticas (sujeitas a erros de cálculo que podem custar a vida dos pioneiros espaciais frente ao obsessivo desejo de chegar à Lua antes dos russos, “acomodados” em cápsulas que hoje nos parecem verdadeiras geringonças), o interesse maior de Chazelle é decifrar o enigmático Armstrong, um profissional forte e hábil ao tomar decisões sob pressão e pai e marido introspectivo (de uma fragilidade tocante) no convívio familiar.


Emoldurando a direção subjetiva de Chalezze, está a fotografia magistral e não menos subjetiva de Linus Sandgren (La La Land), incômoda e claustrofóbica em sua constância de close-ups e movimentos nervosos (que podem provocar vertigem em IMAX), buscando desvelar, nas mínimas expressões, o quê o monossilábico engenheiro aeroespacial Neil oculta em seu íntimo. Filmado em 16 e 35 mm e algumas sequências espetaculares em 65 mm-IMAX, O Primeiro Homem coloca o espectador lado ao lado com os astronautas nas precárias aeronaves que, além de apertadas, parecem prestes a se desmontar em pleno voo, espalhando pilotos, placas, circuitos e parafusos para todo lugar. Uma aflição compensada com as imersivas sequências de paisagens siderais de beleza rara, onde aeronaves dançam tal qual dançaram as de Kubrick em 2001 - Uma Odisseia no Espaço (1968)..., ou com as cenas impactantes do cinzento silêncio lunar que nos convida a refletir sobre o futuro que era ingênua especulação ontem e o que poderá ser poluída realidade amanhã.


Diferente de La La Land: Cantando as Estações, onde, segundo Chazelle, os músicos brasileiros e latinos (leia-se: mexicanos) são personae non gratae nos EUA (leia-se: Los Angeles), porque tomam o lugar dos músicos “nativos” estadunidenses, O Primeiro Homem passa a uma galáxia de distância da hagiografia nacionalista, que seria (?) até natural, por se tratar do retrato de um herói norte-americano. A xenofobia do roteirista e diretor também ficou trancada no armário. O que vemos na tela, é um recorte conciso dos anos 1961 a 1969 da vida do cauteloso Neil Armstrong. Material suficiente para saber quem ele era, como se relacionava com a família e a importância da sua participação na custosa corrida espacial. Não há nem mesmo cenas do famigerado nacionalismo triunfal (viu, mundo, do que nós somos capazes?) pós-pouso na lua. Bandeiras norte-americanas aparecem apenas ocasionalmente, há nada que as destaque além da tradição (ou rotina) de um gesto patriótico.


Enfim, considerando o roteiro enxuto e a direção (documental) sóbria, livre de maneirismos, inclusive na condução do ótimo elenco; a dinâmica dos efeitos especiais e a magnífica fotografia; tentando esquecer a invasiva “trilha sonora” (irritante e desnecessária em boa parte, pois tira a força da trama e do drama), que cresce quando emudece nas cenas lunares..., O Primeiro Homem é um filme bom de se ver e de se deixar envolver. Não se preocupe com a metragem (2h20’) você nem vai sentir o tempo passar, pois vai estar voando alto (preferencialmente em um cinema IMAX) com a extraordinária e assustadora saga de um herói (de carne e osso) do espaço. Uma viagem e tanto para quem gosta do assunto e gostaria de saber um pouco mais dos primórdios da conquista do espaço..., ao menos da conquista da nossa vizinhança celeste.


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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