Se você não sabe quem é Paul Thomas Anderson e ou Thomas
Pynchon e ficou curioso para assistir o Vicio Inerente (Inherent Vice,
EUA, 2014), se prepare para mergulhar num mundo absurdo. Ou nem tanto. Em uma temporada
de cinebiograficções (ficções inspiradas em biografias), Vício Inerente é uma bem-vinda lufada (ôps!) nas telas de cinema.
Mas, saiba que, assim como o fascinante Birdman ou (A Inesperada Virtude da
Ignorância), de Alejandro González Iñárritu, ou o perturbador (“kafkiano”)
O Duplo, de Richard Ayoade, baseado
no conto homônimo de Dostoievski, o policial neo-noir Vício Inerente tira qualquer um da zona de conforto do ah!, oh!,
nossa!..., para o Ahhh! Ohhh! Nosssaaa!
Baseado no livro homônimo de Thomas Pynchon, o policial neo-noir Vício Inerente, dirigido e roteirizado
por Paul Thomas Anderson, tem uma
pegada de comédia nonsense que arrasta o espectador numa lisérgica viagem ao
submundo da intriga policial, digo, da investigação policial, nos psicodélicos anos
1970. Há no ar o prenúncio do fim dos sonhos, da mercantilização da cultura
hippie e da nova ordem yuppie. Há no ar desencanto e melancolia e o eco de
Woodstock cada vez mais distante. Há na tela uma novela pra lá de maluca!
À margem do establishment, o investigador
particular Larry "Doc" Sportello (Joaquin Phoenix), hippie até o talo, recebe a visita da sua bela
ex-namorada Shasta (Katerine Waterston), apavorada com um plano
funesto arquitetado por Sloan (Serena Scott Thomas), a mulher do seu amante Michael Wolfmann (Eric
Roberts). Logo depois Shasta e Wolfmann desaparecem. Tentando descobrir
o paradeiro da garota, Doc acaba na
mira do paranoico tenente "Bigfoot" Bjornsen (Josh
Brolin, roubando cena até do excelente Phoenix), que
também é ator de seriado policial..., e de uma escória (doida de pedra ou de pó)
que parece ter saído das páginas de alguma HQ retrô. Como se não bastasse, Doc ainda encontra pela frente alguns clientes
antigos, reaparecendo do nada, e novos, desaparecendo a todo instante, como o
camaleônico Coy Harlingen (Owen Wilson), um ex-comunista a serviço da contrainteligência.
Vício Inerente tem uma trama tão intrincada
que nem mesmo os personagens parecem ter um rumo. Vão quicando num lugar e
noutro conforme o odor e o sabor do vício que os prende numa grande teia, onde
a decisão de qual história e ou alucinação o espectador vai degustar ou aspirar
fica por conta da enigmática “aranha” Sortilège
(Joanna Newsom), a tecelã das
ausências. Ele pode querer dizer muita coisa, tipo visitar o passado
estadunidense para compreender o presente americano, e ou simplesmente contar
uma divertida e quadrinhesca história de alucinados detetives e seus casos
escabrosos. Só isso, nada mais. Não questionei metáforas (se é que há), preferi
acompanhar a viagem pastelão para adultos desconectados à procura de uma
tomada. Mas, acho que um bocado de gente vai ficar com o plugue na mão.
Vício Inerente é um filme de
grandes performances, evidenciadas pelo gráfico enquadramento de história em quadrinho.
Mas, sem dúvida, quando Phoenix e Brolin estão em cena, não tem pra ninguém. No
entanto, ainda que o emaconhado investigador Doc, de Joaquin Phoenix seja formidável, a personagem de Josh Brolin,
na estrutura, é melhor resolvida. O seu depressivo Pé Grande, com corte de cabelo escovinha, é mordaz e violento, mas
de uma fragilidade tocante. A sua cena final que o diga. E por falar em cena, numa
narrativa tão fragmentada e repleta de bons momentos, é difícil, mas destaco
duas sequências espetaculares: a que se passa dentro de um carro, onde Doc (Phoenix), em estado de choque,
assiste ao Pé Grande (Brolin)
lanchando, não tem preço..., a outra é de humor negro e mostra Coy (Owen) explicando para Doc como conseguiu tocar numa banda sem
que os músicos se dessem conta de que ele era um estranho.
Para quem gosta de reminiscência, sim, Vício Inerente lembra Um Perigoso Adeus (The Long Goodbye, 1973), de Robert Altman (1925-2006), baseado na
novela homônima de Raymond Chandler (1888-1959), lançada em 1953, não só pelo
fato da obra de Altman parecer referência para a obra de Anderson..., mas
porque no filme de Altman o roteiro de Leigh Brackett transferiu a ação dos
anos 1950 para os alucinados 1970. Então, quando se pinça uma baforada daqui e
outra dacolá, naqueles anos loucos... Agora, o quanto Pynchon aspirou de
Chandler, pra sua Inherent Vice
(2009), você decide!
Enfim, considerando que Vício Inerente tem clima, cor e charme de Graphic Novel; que a
reconstituição de época é impecável; que seleção musical é deliciosa, ainda que
não inclua Meu Bem, Meu Mal (1981), de Caetano Veloso, que
sintetiza o real vício de Doc, que é a
paixão por Shasta: Você é meu caminho/ Meu vinho, meu
vício/ Desde o início estava você/ Meu bálsamo benigno/ Meu signo, meu
guru/ Porto seguro onde eu vou ter/ Meu mar e minha mãe/ Meu medo e meu
champanhe/ Visão do espaço sideral/ Onde o que eu sou se afoga/ Meu fumo e
minha yoga/ Você é minha droga/ Paixão e carnaval/ Meu zen, meu bem,
meu mal; que a certa altura o espectador fica perdido na poltrona da
sala e só lhe resta assistir a um tempo (tão celebrado) se esvaindo na tela,
certo de que anos como 1960/1970, quando o comunitário tentava domar o
individualismo na ingenuidade (?) da paz e amor e o poder da flor, só serão
possíveis no cinema..., a minha dica é que veja despretensiosamente, como se
lesse um bom livro. O que houver (?) de subliminar, que o cérebro resgate
depois!
NOTA: Download (grátis) da trilha sonora alternativa
de Inherent
Vice..., na verdade trilha sonora do livro..., montada e disponibilizada
desde 04 de outubro de 2014, pelo crítico Philip
J Reen, no curioso site Noiseless
Chatter. Para entender melhor essa história de trilha sonora literária
acesse o site e leia a matéria. Ah, a trilha de Reed é ótima e tão mix quanto a
do filme de Anderson.
Acho que é isso!
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