terça-feira, 31 de março de 2015

Crítica: O Ano Mais Violento


Questionando apropriadamente um dito do contraditório Jean-Jacques Rousseau (1712 - 1778): o homem empresário (realmente) nasce bom e o mundo capitalista (selvagem) o corrompe? Ou, assim como na política, o ambicioso político só é bom e honesto até descobrir os atalhos para a bica?

O Ano Mais Violento (A Most Violent Year, 2014), escrito e dirigido por JC Chandor, é um tenso recorte de um mês na vida de Abel Morales (Oscar Isaac), um correto proprietário de uma empresa do ramo de óleo de aquecimento, sediada em Nova York. O ano é 1981 e o inverno é rigoroso. Abel quer ampliar o seu negócio, comprando um desativado terminal de combustível ao lado e à beira do East River. Ele, que sempre honrou seus compromissos, acredita que trinta dias são suficientes para pagar a dívida de um milhão e meio de dólares. Porém, assaltos aos o seus caminhões de combustível e uma investigação do promotor Lawrence (David Oyelowo), que vê indícios de evasão fiscal, corrupção e fraude na sua empresa, podem comprometer os seus planos expansionistas. Pressionado pela data limite e pela lei, Abel (empresário acima de qualquer suspeita) precisa mais que nunca da confiança e cumplicidade da sua mulher Anna (Jessica Chastain) e do serviço do seu advogado Andrew Walsh (Albert Brooks), para conseguir se livrar das acusações, quitar a dívida e garantir a sonhada autonomia.


Como muita gente que vê título não vê filme ou vê filme por causa do título, é bom que se diga logo que O Ano Mais Violento é um filme de gângster, mas sem a brutalidade característica. A violência, excetuando duas ou três breves cenas, é mais psicológica que explícita. No caso, o título (retórico), que faz referência (de rodapé) ao ano em que a violência em NYC atingiu o ápice, parece casual (ou oportuno?), já que a história poderia se passar em qualquer época e estação.

O roteiro é simples, sem ser raso. A história de (mais) um self-made man na América de muitos “era uma vez”, não é nenhuma novidade em Hollywood. Mas Chandor tem os seus preciosos trunfos narrativos. Os dessa fabulosa e envolvente crônica de Nova York estão no desenrolar da história no compasso da neve que cai na periferia da Big Apple; na beleza fria da asséptica casa do novo-rico casal Abel e Anna; na construção de personagens convincentes; e, principalmente na notável fotografia de Bradford Young (Amor Fora da Lei, Selma) com sua paleta de tons melancólicos. Por vezes é a sedutora fotografia de Youg, com seus enquadramentos inusitados, a grande protagonista da trama.


O ritmo e a economia de diálogos talvez incomodem o espectador mais afoito. A mim, ainda que transcorram duas longas horas, o ritmo lento (quase parando) hipnotizou, da primeira à última cena, num querendo sem querer que o filme acabasse. A sensação é indescritível. Também fui arrebatado pela essência dos diálogos. Não que os personagens sejam monossilábicos. Mas cada fala é precisa, na negociação e ou na defesa de território e mercadoria. Por vezes, apenas uma palavra (ofensiva ou de ordem) é suficiente para encerrar um assunto.

Enfim, para não dizer que tudo são lindos cristais de gelo, apesar do rigor, a falta de lenha na lareira provoca (no mínimo) uma “escorregadela na neve”, a do caminhoneiro Julian, de Elyes Gabel, personagem “chave” (que não abre porta alguma) na subtrama e excessivamente melodramático, beirando o clichê, no ato final. Seus gestos tresloucados, com certeza, vão suscitar muito “por que?” e nenhum “porque!”. Mas, sinceramente, esse detalhe diminui em nada a excelência do thriller.

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