No mundo há cerca de 35 milhões de pessoas com o
Mal de Alzheimer, a grande maioria é de mulheres. No Brasil o número de pessoas
com a doença ultrapassa a um milhão. O assunto desperta interesse pela comoção
que causa não apenas a quem é acometido pela doença, mas também aos seus
cuidadores, principalmente se familiares, uma vez que o Alzheimer, ainda
incurável, vai anulando socialmente o enfermo, a cada dia mais aprisionado em
seu mundo de antigas lembranças que, assim como a linguagem e a habilidade
física, dissiparão em aproximadamente dez anos.
Para
Sempre Alice (Still
Alice, 2014), roteirizado e dirigido por Richard Glatzer e Wash
Westmoreland, é um drama de ficção baseado no livro homônimo da neurocientista
e escritora Lisa Gênova, que expõe a
rotina de uma linguista e autora de sucesso, Alice Howland (Julianne
Moore), que, aos 50 anos, é precocemente diagnosticada com o Mal de
Alzheimer e, feito a Alice de Lewis
Carroll, se vê caindo vertiginosamente num buraco escuro sem fim, apegando-se
no que lhe resta de memória e de dignidade. A notícia, claro, abala duplamente toda
a família, já que Lydia (Kristen Stewart), Anna (Kate Bosworth) e Tom (Hunter Parrish), os três filhos do casal Alice e John Howland (Alec Baldwin), podem ter herdado a
doença da mãe.
Para
Sempre Alice tem uma narrativa linear e sóbria. A Alice de Juliane Moore é elegante, de
uma leveza desesperadamente contida e tocante. Ainda que a dor (e a vergonha!) pela
perda das capacidades cognitivas seja enorme, ela procura manter a sua sanidade (e orgulho!) o maior tempo
possível (Estou perdendo meus ‘ontens’. (...)
Temo com frequência o amanhã). Tarefa
difícil, já que a deterioração é iminente (Não há como negociar com esta doença.) e o equilíbrio a cada dia mais fugidio (Quando deixarei de ser eu mesma? Será que a
parte do meu cérebro que responde por minha personalidade é vulnerável a esta
doença? Ou será que minha identidade é algo que transcende neurônios, proteínas
e moléculas de DNA defeituosas? Estarão minha alma e meu espírito imunes à
devastação da doença de Alzheimer? Acredito que sim.). Os trechos entre
parênteses são da edição brasileira do livro lançado pela Nova Fronteira.
Assunto recorrente em estúdios de todo o mundo,
com o Oscar merecido de Juliane
Moore, o Alzheimer novamente ganhou vitrine. O tema, intensificado na década de
2000, quando merecedor de um roteiro bem desenvolvido no drama e ou mesmo no
humor, sempre acaba trazendo mais luz à complexidade da matéria. Todavia,
dependendo da direção (foco/alvo), o objeto no fio da navalha pode “sangrar” num
melodrama e ou cine-autoajuda, provocando mais piedade que reflexão sobre a
fragilidade humana. O que não me parece ser o caso de Para Sempre Alice, que emociona não apenas pela contundência do
drama que aflige uma personagem tão à vontade com a linguagem e que ironicamente
é privada dela..., mas também pela veracidade da trama, melhor percebida por
quem já teve alguém próximo afetado pelo Mal e que, pela devastação que provoca,
faz o doente preferir o câncer, por ser passível de cura.
Entre comoventes e bem escritas sequências,
ainda que a fuga do significado de “Léxico” (...,
as palavras estão todas aí, mas não consigo alcançá-las) provoque agonia, a
que dá um nó é, sem dúvida, a da palestra de Alice na Conferência Anual de Atendimento à Demência, em que cita os
versos iniciais do poema Uma Arte, de
Elizabeth Bishop (1911-1979): The art of losing
isn't hard to master;/ so many things seem filled with the intent/ to be lost that their loss is no disaster., que
(em tradução literal) diz algo: A arte de
perder não é difícil de dominar;/ tanta coisa parece feita com a intenção de
ser perdida/ que perdê-la não é um desastre. O poema integral One Art e a tradução
de Horácio da Costa e Paulo Henriques Britto podem ser lidos lá no (link) Falas ao Acaso.
Para
Sempre Alice não tem a pungência de Amor
(Amour, 2012) de Michael Haneke e ou
a inquietação poética de Longe Dela
(Away from Her, 2006), de Sarah
Poley, mas se aproxima, com louvor, do admirável e melancólico Iris (Iris, 2001), de Richard Eyre, que retrata o sofrimento da filósofa
e escritora Iris Murdoch (1919-1999) que, com a progressão do Alzheimer, também
perdeu a capacidade de escrever e de se lembrar das palavras. A dupla direção é
excelente. O elenco gravita afinado ao redor da bela e talentosa Juliane Moore.
A trilha sonora não chega a incomodar totalmente, mas a fotografia me pareceu meio
descuidada, principalmente nos enquadramentos.
Nota: Só
para registrar, o diretor Richard Glatzer, ainda na fase de pré-produção de Para Sempre Alice, apresentou sintomas
Esclerose Literal Amiotrófica (ELA). A doença progrediu rapidamente,
incapacitando-o da fala e do movimento das mãos. Durante as filmagens, Glatzer
usou um iPad para se comunicar com
elenco e equipe, digitando as mensagens com um dedo do pé direito. Para quem
não sabe, ELA é a mesma doença degenerativa que acometeu o cientista Stphen
Hawking.
De utilidade pública e humanitária.
ResponderExcluir..., quanto mais informação, menos dor!
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