A escravidão é um assunto que, apesar de muito
antigo, infelizmente, ainda não se esgotou. Explícita e ou camuflada, ela persiste
em vários países, inclusive no Brasil urbano e rural, onde “senhores de
escravos”, sem temer a Lei, se dão bem às custas de imigrantes e ou itinerantes.
É um tema difícil de ser tratado, principalmente no cinema, porque o emocional facilmente
se sobrepõe ao racional e o roteiro, contrariando todos os argumentos da polêmica
que o originou, acaba enveredando pela pieguice e a matéria da trama pode não
ir além da sessão.
12 Anos de Escravidão (12 Years a Slave, RU, EUA, 2013), do excelente diretor britânico Steve McQueen, é baseado no livro homônimo do afrodescendente estadunidense Solomon Northup, lançado em 1853 e relançado, numa edição acadêmica, em 1968. O drama épico, com roteiro de John Ridley, conta a impressionante saga do violinista Solomon (Chiwetel Ejiofor), homem livre que vivia em Saratoga, Nova York, com a sua mulher e um casal de filhos, quando, em 1841, ao se apresentar em Washington, foi sequestrado e vendido como escravo. Enviado para trabalhar em plantações no estado de Louisiana, onde ficou por 12 anos, Solomon esteve submetido a dois proprietários hipócritas: o cristão “benevolente” William Ford (Benedict Cumberbatch) e o cristão perverso Edwin Epps (Michael Fassbender). Recebendo o mesmo tratamento degradante que os demais escravos, Northup só voltou a cultivar esperança de liberdade ao conhecer o construtor abolicionista Samuel Bass (Brad Pitt).
12 Anos
de Escravidão joga luz na extrema violência praticada pelos
senhores de escravos e seus capangas contra os escravizados, nos remetendo àquela
vista em Django
Livre (2013), de Tarantino. Essa intenção narrativa, que tira muito
espectador da sua zona de conforto, incomoda não apenas pela crueza das cenas de
tortura, exaustivamente esticadas, mas pela impressão de pieguice calculada
para causar aflição e coletar litros de lágrimas de um público já entorpecido pela
irritante e intrusiva música de Hans Zimmer.
Filmes sobre escravidão ou racismo em solo norte
americano não são novidades, mas sempre causam burburinho (e indicação ao Oscar), principalmente se inspirados em
fatos. Conforme a ideologia do diretor, desenha-se o grau de sadismo na
exposição da maldade do homem (cristão branco?) contra o homem (cristão
negro?). O imagético Steve McQueen continua preferindo o laconismo à
prolixidade. Não que seus personagens entrem mudos e saiam calados. É que o
diretor acredita muito mais na força (de mil palavras) de uma imagem do que na
redundância de um texto (explicando o óbvio). Assim, impacto visual é o que não
falta à inspirada fotografia de Sean Bobbit, que registra a passagem quase
imperceptível do tempo em imagens de rara beleza: a perda da infância, na
lúdica criação de bonecas de palha; o canto de despedida dos mortos; a
voracidade da lagarta no campo de algodão, devorando as estações. Bobbit destaca
ainda o quanto é enganosa a inebriante paisagem sulista, onde o perigo (humano)
espreita, transformando o lúdico em pesadelo.
Todo cinéfilo sabe que McQueen (Hunger, Shame) é chegado em histórias tristes, angustiantes. Em 12 Anos de Escravidão não é diferente.
A dor de seus personagens beira o insuportável, dentro e fora da tela. Em raríssimos
momentos, o sorriso que se abre é amarelo, porque a sugestão de felicidade é
falsa..., é irônica. Não há felicidade no cativeiro abençoado pelo Deus Quequé,
porque a maldade humana não tem limites nem nos “dias santos”. Ao exagerar na
dose dolorosa, infelizmente a versão (aparentemente fria) do diretor inglês ganha
ares de um dramalhão hollywoodiano, mais interessado em comover e indignar o
espectador (insensível?), do que refletir o tema.
12 Anos
de Escravidão não é o tipo de entretenimento pensado para diversão
ligeira do espectador que só quer passar um tempo, no escurinho do cinema, se
empanturrando de bobagens. Pelo contrário, é um drama tenso, de interesse
humano (estadunidense), que não deixa cicatriz sobre cicatriz, ao falar de um
período inconveniente da história americana: a prática do rendoso escravismo. A
“reconstituição” de fatos degradantes (que exige estômago do espectador) é nada
convidativa a um combo (pipoca e refri). A não ser que se feche os olhos à
barbárie e, “sedado”, sem prestar atenção em quem bate e em que apanha, se espere
o desfecho prometido pelo título.
Não li a biografia de Solomon Northup, mas, pela
estranheza e ou descarte de algumas sequências, parece que McQueen tomou
algumas discutíveis liberdades cinematográficas. A adaptação que começa ágil, cenas
curtas, cortes inusitados, acaba adotando um cansativo rimo contemplação. Haja
posição na cadeira para “apreciar” cenas (como a de um enforcamento e um desconcertante segundo plano, por
exemplo) de pura lavagem cerebral e que soa a mensagem subliminar. 12
Anos de Escravidão, com seu primoroso elenco protagonista e de apoio, segue
a cartilha do cinemão, com clichês na medida para fazer o público se sentir
menor e ou maior diante do drama alheio. Um história do norte para se pensar nas histórias do sul que ainda estão escondidas!
Nenhum comentário:
Postar um comentário