Um assunto recorrente em Hollywood é o da dependência química ou psíquica. O comércio de fármacos é tão promissor quanto o da advocacia. Se bem que onde há discussão sobre uso e ou abuso ou efeitos colaterais de medicamentos, há advogado no meio. Geralmente, um e outro resultam em obras, no mínimo, curiosas.
Em Clube
de Compra Dallas o remédio receitado é o AZT, em seu primórdio, e em
segunda opção, os produtos similares ou genéricos. Na década de 1980, a SIDA (Síndrome de Imunodeficiência
Adquirida) e ou AIDS era considerada doença (maldição!) gay, pelos governos, igrejas, entidades médicas e heterossexuais
convictos. Mas a síndrome, desconhecendo o (pré)conceito e indiferente à
preferência sexual, espalhava-se pelo mundo, contaminando muitos incautos (via
sexual, transfusão de sangue, seringas infectadas).
Nessa época a imprensa explorava, com
sofreguidão, ao que chamava de praga gay,
expondo imagens chocantes e deprimentes de pacientes aidéticos, principalmente
de celebridades em estado terminal. No Brasil, abusando da criatividade, assaltantes
usavam, como arma, seringas carregadas com algo viscoso, dizendo ser sangue
contaminado. Qualquer indivíduo magro (demais) e ou gripado (demais), e ou tossindo
(demais) era suspeito, era isolado até mesmo pela própria família.
As pessoas “saudáveis”, inclusive médicos (que se
vestiam como se fossem a uma guerra química e não ao atendimento a um paciente),
temiam conversar, tocar em aidéticos. Os infectados, em seu martírio, sequer
recebiam um beijo, um abraço, um aperto de mão dos amigos mais próximos.
Conforme aumentava o conhecimento da síndrome e especulava-se o seu ponto de
origem (África), apareciam campanhas (na mídia) “ensinando” como se pegava AIDS:
compartilhando seringa, sexo sem preservativo..., e como não se pegava AIDS:
abraçando, compartilhando talheres etc. Eram dias cinzentos, o mundo gay continuou gay, mas não tão funny.
Clube
de Compras Dallas (Dallas
Buyers Club, EUA, 2013), dirigido com fervor por Jean-Marc
Vallée, é um drama inspirado na biografia de Ron Woodroof (Matthew
McConaughey), um eletricista texano, heterossexual e homofóbico convicto, que,
em 1985, diagnosticado com AIDS e a “garantia” de um mês de vida, decide que
não vai se deixar morrer tão fácil. HIV positivo, amaldiçoado pelos amigos e não
incluído no programa de teste do “milagroso” AZT, ele foi à luta. Começou a
estudar o assunto e descobriu novas formas de tratamento, fora dos EUA. Desempregado
e precisando de grana para bancar os remédios, acabou se associando ao transexual
Rayon (Jared Leto) e criando
o Clube de Compra Dallas, cujos
sócios pagavam uma taxa anual para receber a droga “salvadora” que ele
traficava do México e de outros países.
Clube
de Compras Dallas é um filme denso e que, por vezes, soa datado.
Não que se tenha esgotado o assunto AIDS e ou as controvérsias sobre os efeitos
colaterais do AZT (e a sua milionária patente). Porém, hoje, além do acesso facilitado
aos novos remédios, os aidéticos têm uma sobrevida muito maior. A visão trágica
de corpos e mentes definhando, ficou um pouco lá atrás.
Os excelentes McConaughey e Leto, literalmente
no físico de seus complexos personagens, fazem um contraponto interessante, rico
em nuances, que vai além do clichê dupla antagônica. Ainda que suas personagens
tenham muitos nós a desatar, talvez pela aparente linearidade de Rayon (Leto), centrada na sua muito bem
definida sexualidade, quem cresce em cena é o rude e controverso Ron (McConaughey), principalmente a um
passo da domesticação. Egoísta, mas longe de ser antipático, ao compreender o
processo da sua tragédia pessoal, refletida na dor e marginalização do outro
(avesso a ele) Ron ganha a simpatia dos espectadores. Na fatalidade da doença a
moral iguala os “imorais”.
Clube
de Compra Dallas, baseado no roteiro escrito em 1990 por Craig Borten, é um ótimo drama,
incômodo, é verdade, mas ainda pertinente. A narrativa (um pouco extensa) varia
feito as cactáceas, as mais espinhentas produzem as mais belas flores. Vallée evita
as armadilhas do dramalhão choramingas aliviando a tensão do tema (via-sacra) com
bons diálogos e alguns breves momentos de humor leve. O assunto, evidentemente,
não é de agrado de todos os públicos, mas quem se deixar seduzir e arriscar a dar
uma boa olhada, além de perturbadora viagem no tempo, vai se embasbacar com as
apaixonantes atuações de McConaughey e Leto.
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