domingo, 24 de fevereiro de 2013

Crítica: Hitchcock



Biografia é um gênero controverso seja na literatura ou cinema. Com as tais liberdades poéticas (em nome do ritmo ou do interesse narrativo) há sempre espaço para lapidações e ou exageros de fatos tidos como reais (mesmo que fictícios). Se o sujeito está morto, o verbo deita e rola. Se o sujeito é o autor (de si mesmo) haja ouro para dourar a pílula. Ou seja, há que se acreditar duvidando de qualquer retrato e ou autorretrato. Se bem que, quando a biografia é realmente boa, quem se importa com o que é verdadeiro ou falso na história? Como salienta o cineasta John Ford (1894 - 1973) no seu brilhante O Homem Que Matou o Facínora (1962): "Quando a lenda se torna fato, imprime-se a lenda.

Assim como Lincoln, de Spielberg, o drama Hitchcock (Hitchcock, EUA, 2012) não é uma cinebiografia de Alfred Hitchcock (1899 - 1980). Baseado em Alfred Hitchcock e o Making of Psycho, de Stephen Rebello, o filme “trata” de histórias de bastidores do (e no) set de filmagem de Psicose (1960), mais aos moldes de Sete Dias Com Marilyn (2011). Dirigido por Sacha Gervasi, com roteiro de J. McLaughlin, a trama ainda alfineta, costura e remenda o tumultuado relacionamento de Hitchcock (Anthony Hopkins) e sua mulher Alma Reville (Helen Mirren), aparentemente na berlinda dos “casos amorosos” com as loiras fatais das produções do fogoso (?), genioso e genial diretor. Alma, também seria a eminência parda (ou seria pálida?) por trás dos roteiros de sucesso de Hitch.


Hitchcock traça um perfil curioso e irônico do mestre do suspense que alterna o humor (bipolar?) entre o menino mimado e o psicótico e ou entre o sujeito carente e o autossuficiente. Já Alma ganha um traço mais equilibrado, o de mulher inteligente, que ciente da sua importância na carreira do (dependente) marido fazia vistas grossas (?) às suas fugidinhas. Estranho pacto para sobreviver às intempéries comerciais e amorosas do, então, Éden Hollywoodiano. Época que o cinema faz parecer tão convidativa quanto assustadora no crepúsculo de deuses e deusas tão fugazes quanto hoje.

Hitchcock explora os devaneios do diretor, da pré-produção do thriller Psicose (com a compra de todos os exemplares do livro homônimo de Robert Bloch, para que o espectador não soubesse o final da história) à pós-produção (com a decisiva colaboração de Alma), cujo lançamento levou a plateia à loucura. Na trama há algumas sacadas bem interessantes (processo criativo do diretor), engraçadas, e outras difíceis de acreditar. Anthony Hopkins está bem caraterizado, lembra o velho Hitch e convence no papel do polêmico diretor. O grande mérito da direção é parecer não levar muito a sério a narrativa. O que não deixa de ser uma jogada de mestre, já que planta na cabeça do espectador a dúvida sobre a veracidade de tudo no (e do) “mundinho” que se vê na tela.


É impossível não comparar o drama americano com o britânico telecine The Girl (2012), thriller psicológico que (também) especula a discutível obsessão do diretor por loiras e de seus depravados avanços sexuais, não correspondidos pela atriz Tippi Hedren (Sienna Miller), e a busca da narrativa perfeita, durante as filmagens de Os Pássaros (1963) e de Marnie (1964), que se seguiram à Psicose (1960), em cujos bastidores Hitch teria (também) assediado sexualmente Janet Leigh (Scarlett Johansson). Baseado em Spellbound by Beauty: Alfred Hitchcock and his Leading Ladies, de Donald Spoto, o telecine britânico, dirigido por Julian Jarrold, é muito mais tenso que o drama americano também na caracterização. Vale notar que, quando do lançamento de The Girl, várias atrizes, que teriam sido “vitimas sexuais” de Hitchcock, foram entrevistadas e negaram o ocorrido.

O Hitchcock do filme inglês, interpretado por Toby Jones, “ganhou” um cabeção monstrengo, boca pequena, postura rígida muito da esquisita e perdeu uns quilinhos. Dependendo do ângulo ou do close, a desproporção apavora. Alma (Imelda Staunton) não fica muito atrás. O sombrio casal parece ter saído diretamente de um filme de horror. Quanto à trama, é o tal negócio, se não se conhece o original, deve se duvidar das traduções. O que não quer dizer que não se pode gostar, mesmo duvidando da autenticidade, de um ou de outro ou mesmo dos dois filmes, que mais afrontam do que homenageiam o mestre do suspense, pintado como um voyeur macabro. Diversão garantida para os amantes de cinefofoca de bastidores. 

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