Em 1983, após entrevistar homens e mulheres com algum
tipo de deficiência e sexualmente ativos, o jornalista e escritor Mark O’Brien escreveu
um curioso artigo: On Seeing a Sex
Surrogate. A pesquisa mexeu muito com ele, pelo simples fato de, aos 38
anos, ainda ser virgem: ...eu invejava
essas pessoas ferozmente. Levei anos para descobrir que o que me separava
delas era o medo - medo dos outros, medo de tomar decisões, medo da minha
própria sexualidade.... Fruto de uma família tradicional e católico
praticante, mesmo não morando mais com os pais, Mark sentia-se mal por suas
“ideias, desejos pecaminosos”: Na minha
imaginação, eles pareciam ter uma incrível capacidade de saber o que eu estava
pensando, e estavam ansiosos para me punir por qualquer conduta ilegal. Em
1996 a cineasta Jessica Yu realizou o premiado curta-metragem, ganhador do
Oscar (1997): Breathing Lessons: The Life
and Work of Mark O’Brien.
O roteirista e diretor Ben Lewin procurava uma boa história, relacionando sexo e
deficiência, quando encontrou na internet o ensaio On
Seeing a Sex Surrogate (link no título - em inglês), do ativista Mark O’Brien que, assim como ele,
contraiu poliomielite ao seis anos. Se a pólio fez com que Ben use muletas pelo
resto da vida, obrigou Mark a viver em um “pulmão de ferro” e, se fora dele,
por apenas três a quatro horas. No entanto, isso não foi empecilho para que
O’Brien, com sensibilidade em apenas um músculo do pescoço, um da mandíbula e um
músculo de seu pé direito, se formasse em Literatura Inglesa e Jornalismo e se
tornasse um dos fundadores da Lemonade
Factory, editora que publica literatura criada por pessoas com deficiência.
O artigo sobre a sexualidade e a desconcertante
poesia de Mark O’Brien serviu de inspiração para que Ben Lewin fizesse um dos mais interessantes
filmes do “gênero superação”. Um filme que chega com o mesmo brilhantismo do
aclamado Os Intocáveis (de Eric
Toledano e Olivier Nakache). Pela delicadeza e ternura com que Lewin fala de um
tema tabu (sexo) para a maioria das pessoas que imagina o deficiente como um
ser assexuado e isento de qualquer tipo de desejo e ou paixão, é difícil
classificar As Sessões. O tema sugere
um drama(lhão) tradicional, porém o diretor e roteirista opta por uma narrativa
leve, graciosa. Não necessariamente uma comédia, mas uma simpática crônica (é
isso!) bem humorada, sobre um paraplégico, Mark
O’Brien (John Hawkes, fantástico)
que, aos 38 anos, decide que é hora de perder a virgindade e busca os conselhos
(e a possível camaradagem) de um padre, Brendan
(William H. Macy, excelente) e a
ajuda de uma especialista em exercícios de consciência corporal, a terapeuta
sexual, Cheryl (Helen Hunt, admiravelmente corajosa).
As
Sessões (The Sessions,
EUA, 2012) é uma das mais completas traduções do amor com sexo e poesia já
vistas no cinema. Despojado, deserotizado, e ao mesmo tempo sensual, com uma naturalidade
tocante nos diálogos e na exposição e exploração do desejo sexual, o filme
arrebata e emociona o espectador. É uma
obra vigorosa, sem uma gota de pieguice, sobre os desafios e a busca (sem
culpa!) pelos prazeres da vida, a partir do olhar de uma pessoa (real) com
algumas limitações físicas. Não um filme “coitadinho” sobre um personagem
“coitadinho”, para arrancar lágrimas gratuitas (as que arranca são verdadeiras!)
do público “coitadinho”. O preconceituoso olhar alheio (social ou religioso) é
que aliena o outro.
As
Sessões não é uma cinebiografia de Mark O’Brien. O título refere-se
às sessões de terapia a que ele se propõe para “conhecer biblicamente” uma
mulher ou o sexo ou os prazeres da carne. O embate entre o cidadão (e os seus
desejos primordiais) e o clérigo (e seus dogmas milenares) é saudável e divertido,
mas o que deve despertar maior interesse é a educativa explanação (é melhor que
o espectador ouça, veja e conclua por conta própria durante as sessões) sobre a
diferença básica entre uma terapeuta sexual e uma prostituta. O coloquialismo que
perpassa toda a trama, enriquecendo as belas performances de protagonistas e
coadjuvantes, alcança em cheio a fotografia de Geoffrey Simpson.
Ben Lewit trabalha com um assunto difícil e sem
nunca tangenciar o clichê choramingas do paraplégico amargurado relegado à própria
sorte (ironizado no poema Lifestyles of the Blind and
Paralyzed). Ele não busca chão no abismo ou sequer nuvem de lágrimas,
porque não almeja a piedade do espectador. O seu interesse é dar luz às
considerações de um paraplégico sobre si mesmo e que, em seus anseios sexuais,
se distingue de um não-paraplégico por mero detalhe físico. Em um trecho de seu
artigo, O’Brien diz: Depois que saiu do
colchão, ela tirou um grande espelho da sacola. Segurando-o, para que eu
pudesse me ver, Cheryl perguntou o que eu achava do homem no espelho. Eu
disse que estava surpreso, que eu parecia tão normal, que eu não era a figura
horrivelmente torcida e cadavérica que sempre me imaginei ser. Eu não
tinha visto os meus órgãos genitais desde que eu tinha seis anos de
idade. Foi quando me ocorreu a poliomielite, encolhendo-me abaixo do meu
diafragma de tal forma que a visão de minha parte inferior do corpo tinha sido
bloqueada por meu peito. Desde então, essa parte de mim parecia irreal.
Na improvável hipótese de não se sentir tocado
pela dinâmica narrativa e tampouco arrepiado ao ouvir, em duas sequências, o
poema Love Poem for No One in Particular,
escrito por O’Brien em 1987: Let me touch
you with my words./ For my hands lie limp as empty/ gloves./ Let my words
stroke your hair,/ Slide down your back and tickle/ your belly./ For my hands,
light and free-flying/ as bricks,/ Ignore my wishes and stubbornly/ refuse to
carry out my quietest/ desires./ Let my words enter your mind,/ bearing
torches./ Admit them willingly into
your/ being/ So they may caress you gently/ within. (não sei se a versificação está correta,
encontrei várias publicações, esta é a do roteiro)..., caro espectador, é
melhor rever seus conceitos. Quem quiser saber mais sobre Mark, sugiro este
belo artigo (em inglês) de Lorenzo W. Milan: Mark O'Brien: Lifestyles of the
blind and paralyzed, postado no site Salon (link no título).
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