segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Crítica: Os Guardiões

Os Guardiões
por Joba Tridente

Super-Herói é coisa séria, mas só de brincadeira. Ou quase..., já que alguns foram criados com “más” intenções lá pras bandas da Terra do Tio Sam, onde a maioria vive dividida em dois territórios, Marvel e DC, e em constante pé de guerra. No entanto, o que não querem que você, um aficionado por hqs, saiba é que uma minoria de super-heróis, praticamente desconhecida do grande público leitor, vive espalhada pela Europa, Ásia, América Latina, onde foi criada, e nem sempre suas hqs conseguem cruzar as fronteiras. Cada país tem a sua “liga” de justiceiros, mas dificilmente vão fazer frente ao imperialismo da matriz norte-americana.

Teoria da Conspiração, é? Ora, um balãozinho de repetidos “K” pra você. Teoria da Conspiração! Então me explica como é que até alguns meses atrás, pessoa alguma, fora (ou dentro!) do império russo, jamais tinha ouvido falar da secretíssima equipe Os Guardiões, forjada na quentura da Guerra Fria e, como ficou meio tostada, foi deixada de lado e agora, devidamente customizada, está chegando para enviar os vilões para o lixão? Explica!

As ironias (chistes) acima são apenas para você saber que, se for assistir ao aguardadíssimo Os Guardiões, e decidir vestir um traje DC, social e sisudo, em vez de um traje Marvel, esportivo e divertido, vai quebrar a cara, porque este é um daqueles filmes de ação que (involuntariamente?) nascem com predisposição para o trash. A começar pela cópia, com a estranha dublagem (sem sincronia e fora do tom) e duvidosa tradução norte-americanas. Mas, se é o que temos, manda pra escanteio e dá-lhe pau, que a diversão na montanha russa dos genéricos vai começar!


Os Guardiões (Zashchitniki, 2017), dirigido pelo esforçado e bem intencionado russo-armênio Sarik Andreasyan, baseado no roteiro pra lá de trivial de Andrey Gavrilov, na atual conjuntura narrativa e digital estadunidenses, é daqueles filmes que você ama de paixão e ou odeia com razão. Depende do seu humor e vivência com o nicho trash no cinema e nas hqs. Pelo mundo afora, raros foram os críticos que descobriram, logo no primeiro ato, que não levar a sério um filme de super-herói russo que se leva a sério seria muito mais divertido do que o contrário. Muito menos estressante. Portanto, fique atento, você pode chorar de rir (que é o melhor a se fazer) ou chorar de raiva (perda de tempo que não vai trazer o valor do ingresso de volta).

Então, chega de blá! blá! blá! e vamos logo pro ká! ká! ká! Conta-se que em plena Guerra Fria (EUA x URSS - 1947-1991), o cientista russo Avgust Kuratov (Stanislav Shirin), à frente do programa de segurança nacional Patriot, fazendo uso da manipulação genética em voluntários (?) de algumas das nações que formavam a União Soviética, criou uma geração de mutantes com superpoderes. Com o passar do tempo, sem qualquer ação prática (já que cada um dos impérios ficou se coçando no seu lado), o projeto foi encerrado e as aberrações humanas foram “dispensadas” do serviço (que nunca prestaram).


Nos dias de hoje, o desiquilibrado Avgust, vítima maligna do próprio experimento, reapareceu para se vingar da Mãe Rússia, se apossando do país. Com as forças armadas desfalcadas, a única saída é convocar os autoexilados mutantes do bem para combater o mutante do mal..., desde que se saiba onde encontrá-los, na desunião soviética. É hora da Major Elena Larina (Valeriya Shkirando) e seu um dedicado grupo de internautas mostrarem serviço: Lernik (Sebestien Sisak), capaz de controlar pedras para usar como armas e ou exoesqueleto, medita na Armênia; Khan (Sanzhar Madiyev), com sua velocidade extrema e cimitarras afiadas, presta serviços no Cazaquistão; Ursus (Anton Pampushnyy), que se transforma parcial ou totalmente em urso,  se esconde na Sibéria; Xenia (Alina Lanina), que domina a água e a invisibilidade, trabalha num circo em Moscou. Ah, esses criadores russos e suas analogias.


Se você não quiser estragar a diversão, não queira saber muito mais das habilidades e das ações (em grupo ou individualmente) destes super-heróis que só farão jus à identidade de Guardiões quando trabalharem juntos e (desnecessariamente) uniformizados pela primeira vez. Graficamente, as imagens de Khan e suas cimitarras é o que melhor se enquadra na telona, mas o mais divertido e o meu favorito é o Ursus, principalmente quando totalmente transformado (e equipado!!!). Animal!

Se você for quadrinhófilo, com toda certeza, vai ficar o tempo todo questionando: - Mas este super-herói não lembra aquele super-herói norte-americano do território alegre e ou do território triste? Claro que lembra! Assim como os heróis de uma editora lembram o de outra! E mais, você verá a releitura constrangedora de uma das cenas mais icônicas do Universo DC, que já foi até capa de hq e está presente no pior filme do Batman de todos os tempos, o abominável Batman - O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012)..., e se não rir, ao menos vai dizer: Uau! Até tu, Avgust?!


Quanto aos furos, não são muitos maiores e nem muito menores do que os que pululam nos filmes da Marvel e ou da DC. Já quantos aos efeitos especiais..., bem, verdade não seja escondida atrás da Cortina de Ferro, as explosões e os ataques terroristas em Moscou e arredores, não são exatamente espetaculares e tem outros detalhes curiosamente pontuados, na capital russa, que é melhor você descobrir (ou se espantar) por conta própria. Nada de spoiler aqui! Nesse mundo de entretenimento ninguém é perfeito! E no outro?

Enfim, o quê esperar de um filme cujo título Os Guardiões aparece duas vezes na telona? Ou que os atores atuam como se estivessem num drama teatral? O humor involuntário e trash de tudo (enredo, efeitos especiais, diálogos) vem exatamente dessa seriedade russa querendo drama num script genérico que pende (o tempo todo) para uma graciosa (e não assumida!!!) paródia ao heroico imperialismo norte-americano. Quem abarcar, log0 de primeira, esse vento norte que sopra contemporaneidades da Eurásia vai dar boas risadas e se lembrar também dos mockbusters da The Asylum. É capaz até de se emocionar com o discurso clichê de um dos super-heróis: “Os pais não deveriam enterrar os seus filhos!”. Ou com o lamento do vilão: "Vocês não podem me destruir. Eu criei vocês!". Ó dor!


Os Guardiões foi lançado pensando em rendosa franquia mundial. Material pra isso os realizadores tinham, ao criar (do “nada”) personagens interessantes e “originais”, típicos de histórias em quadrinhos estadunidenses (num país sem tradição de hq), para exploração cinematográfica e de bonecos de ação (além de outros derivados). Porém, vacilos no roteiro, direção, efeitos especiais precários, indefinição de público (?) e mercado podem ter colocado tudo a perder. Uma vez que o retorno da crítica e dos espectadores ficou aquém do esperado, não se tem certeza se a parceria com os produtores chineses, para a parte dois (sugerida no pós-créditos), realmente será concluída. Caso aconteça, acredito que muitos dos problemas técnicos e equívocos serão superados.

Assim, se tiver interesse em conhecer este quarteto típico (onde um dos heróis tem a força e a fúria do animal símbolo da Rússia: Ursus), tente esquecer o padrão (matriz) norte-americano do gênero e embarque numa aventura que, embora genérica, tem alguns bons momentos de ação (violenta ou moderada) e muito humor involuntário até na telenotícia final (se é que ela não é uma armação dos tradutores americanos). Não sei ate onde vai a liberdade de expressão na atual ditadura russa, mas se Andreasyan tivesse um jogo de cintura melhor, um roteirista  mais devorador de hqs (para entender profundamente a psicologia dos vilões e dos mocinhos) e um elenco mais espontâneo, arrebentava a boca do balão.


Em 2004, quando lançou o seu inesperado blockbuster russo Guardiões da Noite, ganhando fama internacional, Timur Bekmambetov falou da dificuldade em convencer atores e atrizes a participarem do seu filme. O elenco também falava do desconforto em atuar em uma obra fora dos padrões locais. Tive esta mesma sensação assistindo ao Os Guardiões..., um filme que parece se desenvolver pisando em ovos russos e em ovos americanos. Quais quebrarão primeiro? Por mim, já teria feito uma boa omelete!!!

Nota: Após as ironias sobre super-heróis russos, nos primeiros parágrafos, pesquisando sobre histórias em quadrinhos na Rússia, descobri estas curiosidades: Quadrinhos Russos e Festival de HQ Russa. No site Formiga Elétrica além de material sobre a hq russa Major Grom encontrei o link do ótimo curta-metragem (28 min) homônimo, no melhor estilo/humor Marvel, para apresentar o personagem Major Grom. Ansioso para assistir a versão em longa-metragem do herói!


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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