O que será que torna popular, da noite para o dia,
uma obra de arte? O acaso? Ser descoberta por uma celebridade? O artista ser
também um exímio vendedor? E por que uma obra de arte que faz tanto sucesso com
o grande público é tão menosprezada pela crítica especializada e por artistas menos
conhecidos? Atualmente, o artista plástico brasileiro Romero Britto, xodó das
celebridades norte-americanas e personalidades mundiais, que vende a rodo a sua
colorida arte pop, é o saco de pancada da vez.
Quem, antes dele, também criou alvoroço nas
terras do Tio Sam, na década 1960, foi o casal Walter e Margaret Keane, com seus
quadros, pôsteres e cartões, onde figuravam crianças melancólicas e de grandes
olhos. Excetuando Andy Warhol, que disse algo tipo: “Se a obra de Keane fosse ruim não faria tanto sucesso”, os
especialistas (como o crítico John Canaday, de New York Times) diziam que
ela era apenas kitsch, decorativa e sem nenhum valor. O que não impediu o casal
de faturar milhões de dólares e inspirar artistas de outras artes, como Tim
Burton, também um colecionador de Keane. Hoje o que mais se vê são animações
com personagens de olhos grandes.
E por falar em controvérsia, é Tim Burton quem traz à telona o segredo
por trás do sucesso das telas e telinhas melodramáticas dos Keane em Grandes Olhos (Big Eyes, EUA, 2014). Na verdade, a fraude por trás do sucesso. Quem
pintava os quadros era Margaret (Amy Adams), mas quem levava a fama (com
a sua conivência) era Walter Keane (Christoph Waltz), seu marido. O casal
se conheceu numa exposição de rua, em meados dos anos 1950: ele expondo suas
paisagens parisienses e ela suas meninas tristes de grandes olhos. Logo se
casaram e Walter decidiu que já era
hora de buscar uma galeria. Esnobados, ele encontrou uma alternativa, alugar as
paredes de um bar, onde a obra de Margareth
foi descoberta e a dele preterida. Como ela também assinava Keane, ele achou melhor assumir a
autoria, alegando para a esposa que o mercado não aceitava muito bem uma
artista. A partir de então, Margaret pintava
e Walter vendia os quadros, fazendo
nome e fortuna. A farsa foi desvelada em 1970, seis anos após a separação do casal,
mas o processo se estendeu até 1990.
Grandes
Olhos é (mais) uma história (hollywoodiana) inspirada em fatos. Se
na sinopse parece interessante, no cinema fica a desejar. Infelizmente,
excetuando a direção de arte, com ótima reconstituição de época (1950,60,70), o
filme não dá liga..., pincela, pincela e a tinta não seca. O roteiro raso e
parcial, da irregular dupla Scott Alexander e Larry Karaszewski, beira o
infantilóide..., respinga aqui e ali para resultar num descartável quadro
borrado mais abstrato que expressivo.
A direção de Burton é tacanha, claudicante. Uma
hora esboça uma dramédia e na outra uma comédrama. Não que isso importe, já que
os “personagens” não têm alma, são meras caricaturas mudas ou falastronas. As
performances de Waltz e de Adams são dignas do prêmio Framboesa de Ouro ou do Nafta.
Desperdício total de talento. Ele, se esforçando para ser engraçado, está mais
para vilão maçante de desenho animado do que para cínico. Ela, se esforçando no
papel de vítima do sistema machofalocrata americano (da época?) que não dava
voz e nem trabalho decente às mulheres, é só caras e bocas choramingas (também
nas pinturas)..., até conhecer as salvadoras Testemunhas de Jeová.
Grandes
Olhos (e pequenas ideias) é parcial do princípio ao fim. A única
“verdade” que lhe interessa é a da “vítima” Margaret Kaene. Quanto ao egocêntrico Walter Kaene, pelo material biográfico disponível na web, não era
tão inepto como a trama faz crer. Seu pioneirismo na cultura de massa, ao
produzir em larga escala, antes de Warhol, reproduções das “suas” obras em pôsteres
e cartões, para “atender” a quem não podia pagar pela obra original, merecia
mais destaque. Mas ele não é o foco da história.
Para dar alguma substância ao melodrama, Burton até
evoca no sub-subtexto, em duas breves sequências, uma “conversa clichê” sobre
“o que é arte”, para o galerista Ruben
(Jason Schwartzman), que influencia
a compra de seus clientes, e para o crítico e historiador de arte do New York
Times, John Canaday (Terence Stamp), que influencia os seus
leitores ditando o que é ou não de “bom gosto”. Não tivesse morrido em 1985,
seria interessante conhecer o pensamento de Canady para a arte que se “pratica”
hoje em dia. Mas, como também essa discussão não é o foco da história, passa
batida. Ah, e se você espera também o levantamento de uma bandeira do movimento
feminista, esqueça..., verá apenas a “libertação econômica” de uma mulher que
se cansou de criar e o marido levar a fama.
Grandes
Olhos carece de ritmo, de humor (real), de romance (real), de
arrebatamento. Seus personagens são tão assexuados e insossos que nem é preciso
tirar a criançada da sala (elas não vão se interessar mesmo), tamanho o
puritanismo da história: dois ou três beijinhos e nada mais. Nesse quesito a série
baba Glee é muito mais avançada, com
um só beijo o garoto “engravidou” a garota. A sequência-paródia (fósforos na
fechadura) de O Iluminado (1980), de
Stanley Kubrick, é tão imbecil que leva um tempinho para (quem tem) o cérebro
processar. Ela também merece um Framboesa
de Ouro ou um Nafta de pior
sequência de todos os tempos.
Enfim, considerando a marca Tim Burton (no
máximo em 30%) e que muitos conhecem os quadros (bregas?) das crianças olhudas
de Keane, mas desconhecem a farsa autoral; que há ao menos uma sequência
realmente burtoniana (no supermercado) digna de boa nota..., se quiser, arrisque, vai que você gosta. A
melhor consideração é sempre aquela que se faz por conta própria.
Nota: Se tiver curiosidade em
conhecer o intrincado mercado da arte, leia A
Palavra Pintada (The
Painted Word, 1975), de Tom Wolfe,
lançado no Brasil pela LPM, em 1987, com tradução de Lia Alverga-Wyler.
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