quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Crítica: Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo


Para muitos atletas, principalmente os iniciantes, o esporte pode ser a glória e ou a perdição. Aqui no Brasil são muitas as notícias de abuso sexual, exploração financeira, assédio moral, falência de patrocínio etc. Enquanto escrevo minhas considerações sobre Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo (Foxcatcher, EUA, 2014) penso no surfista brasileiro Ricardinho, morto a tiros por um policial, nesta semana, na paradisíaca Guarda do Embaú, em Santa Catarina, por causa de um cano de água quebrado. Notícia que, por aqui, não seria mote para cinema. Diferente da ocorrida em 1996, nos EUA, envolvendo o excêntrico multimilionário John du Pont (Steve Carell) e os irmãos Mark Schultz (Channing Tatum) e Dave Schultz (Mark Ruffalo), campeões mundiais de luta greco-romana, e que está chegando aos cinemas na visão (ficcional) do diretor Bennett Miller.


Em meados de 1980, Mark Schultz, campeão olímpico em 1984 e mundial em 1985, se preparava para disputar as Olimpíadas em Seul (1988), quando foi surpreendido pelo telefonema do megaempresário John du Pont, convidando-o para treinar no complexo esportivo sediado na sua fazenda Foxcatcher, na Filadélfia, e integrar a sua equipe de lutadores. O atleta, em dificuldades financeiras e sem patrocinador, aceitou. Com o passar do tempo, a amistosa relação com Du Pont arrefeceu. A chegada inesperada do seu irmão Dave Schultz, também campeão olímpico em 1984 e que demorou a aceitar o convite para ser treinador, agravou a crise entre o atleta sonhador de títulos para os EUA e o esquizofrênico proprietário da equipe em busca de autopromoção. Em 1988, Mark deixou Foxcatcher Farm, vivo. Em 1996, Dave deixou Foxcatcher, morto.


Quando se trata de biografia, a memória é traiçoeira e, portanto, a melhor forma de alcançar um senso comum é descobrir o que há entre o “foi assim” e o “acho que foi assim”. Baseado no roteiro de E. Max Frye e Dan Futterman, Foxcatcher - Uma História que Chocou o Mundo, cujo apelativo subtítulo brasileiro devia acrescentar Esportivo Norte-Americano, “reconstitui”, num tom de thriller psicológico, apenas os acontecimentos que vão de 1986 a 1996, na Foxcatcher Farm. Tempo suficiente para mergulhar na psique dos três protagonistas, durante o pré e o pós-torneios de luta greco-romana, para conhecer seus prazeres e dissabores na prática da modalidade esportiva e na conturbada relação de mútua dependência entre patrocinado e patrocinador..., que pode ter levado à (inexplicável) tragédia esportiva.

Um bom enredo não se sustenta sem a excelência da direção e Bennet Miller demonstra, como raros, saber dirigir até o silêncio. Valorizadas pela fotografia suntuosamente fria de Greig Frase, suas longas e silenciosas sequências são magníficas. A ausência (quase total) de trilha chorosa para conduzir a emoção do espectador, apavora..., porque não se sabe o que virá na próxima cena. Perturba, porque o grande público (dependente do clichê) não está acostumado a se emocionar por conta própria e muito menos com diálogo monossilábico.


Independente da fonte inspiradora, Foxcatcher tem uma boa história e muito bem narrada. O ritmo (reflexivo e) lento, acompanhado de sons naturais e o silêncio angustiante de seus protagonistas, provoca, a princípio, um estranhamento que logo arrebata o espectador mais exigente. O elenco protagonista dá um show à parte. O asqueroso John du Pont (Carell), o taciturno Mark Schultz (Tatum) e o amável Dave Schultz (Ruffalo) são encarnados por três atores em estado de graça. Suas pungentes performances impressionam, arrepiam até quem nunca ouviu falar do acontecido. E tem gente que acha que laboratório é frescura de diretor.

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