sábado, 17 de janeiro de 2015

Crítica: O Jogo da Imitação


Muita coisa importante acontece diariamente nos subterrâneos governamentais em todo o mundo democrático (ou não). Todavia, a gente comum só toma conhecimento de algum segredo quando a sétima chave finalmente abre a fechadura (anos, décadas após o ocorrido) e o assunto resgatado ganha notoriedade na mídia, em livro, peça teatral, cinema. Confesso que jamais tinha ouvido falar do matemático Alan Turing (1912-1954) e a sua fantástica máquina Christopher ou Maquina Turing, precursora dos computadores, antes de assistir ao Jogo da Imitação (The Imitation Game, RU, 2014).

O Jogo da Imitação, dirigido pelo norueguês Morten Tyldum, com roteiro do americano Graham Moore, levemente inspirado no livro Alan Turing: The Enigma (1983), do matemático britânico Andrew Hodges, conta, em flashbacks, três fases da vida do também matemático e criptoanalista Alan Turing (Benedict Cumberbatch, arrebatador), que esteve a serviço da inteligência britânica, em Bletchley Park, durante a 2ª Guerra Mundial. Liderando um grupo diversificado de especialistas, Turing criou a máquina Christopher para decifrar os códigos da processadora Enigma, um sistema criptográfico de comunicação da Alemanha Nazista. Ironicamente, a Máquina de Turing, que salvou milhares de vida, não ajudou a “salvar” a sua, no pós-guerra, pois, aos olhos da Inglaterra, ele era considerado um criminoso hediondo. Seu crime? Era homossexual!


Recentemente vimos no cinema o excelente As Aventuras de Paddington, que fala de um educado urso peruano que decide imigrar para Londres, em busca de melhores dias, e não encontra a receptividade que esperava dos ingleses. Não é diferente com Turing que, independente do seu grande serviço prestado à Inglaterra e ao mundo aliado, sucumbiu à intolerância sexual em seu próprio país, onde (até 1967) era muito maior que qualquer ato patriótico.  

O Jogo da Imitação não é uma cinebiografia das mais fiéis. O que não é novidade, já que fidelidade, até mesmo às ficções adaptadas, não é o forte do cinema. No entanto, a omissão e ou a inversão de alguns fatos, não chega a desvirtuar totalmente a essência da história deste brilhante cientista, mais popular entre os estudantes de TI e de informática básica..., apenas a torna mais dramática e mais tensa. Como, por exemplo, ao explorar os limites (?) da inteligência humana a serviço do bem e do mal, ainda que seja relativo (do ponto de vista de quem o pratica) o fazer o bem e o fazer o mal. Um embate profícuo que a torna mais interessante por mostrar apenas os ingleses em ação. Ou seja, enquanto da Alemanha só sabemos da existência de uma máquina eletromecânica, a Enigma, que gera mais de 159 milhões de configurações em mensagens cifradas para os pelotões alemães promoverem a barbárie em terra, ar e mar, na Inglaterra vemos o trabalho praticamente diuturno de Turing (“apenas uma máquina pode derrotar outra máquina”) e sua equipe, que incluía o campeão de xadrez Hugh Alexander (Matthew Goode), e a mestre em cálculos Joan Clarke (Keira Knightley), correndo contra o tempo na busca do código-chave capaz de fazer a Christophe desvelar a criptografia alemã, vencer a invencível Enigma e por fim à guerra.


A exposição da lógica matemática, as operações de quebra de códigos e criação da Christophe são o que mais fascinam nesse drama de (calculado) suspense. Talvez até desperte o matemático oculto no espectador traumatizado com o ensino escolar. Eu mesmo ando interessado em sua poética nada fria. As outras duas fases do enredo, a adolescência e a abominável condenação, servem (ainda que rasas) para compreender o processo da sua formação profissional e do eu destino cruel.

Dando brilho à casca, para preservar a relevância do miolo, O Jogo da Imitação não oculta a homossexualidade de Turing, apenas não faz dela o foco principal da narrativa. Assim, é louvável a sutileza de Tyldum na sua abordagem (de mero detalhe) e acertada a decisão de não se deixar seduzir pela especulação em torno da conturbada (e polêmica!) causa mortis do gênio britânico salvador da pátria. Passa longe de ser um filme definitivo do cientista inglês, o roteiro deixa muitas questões em aberto (nada sabemos de sua origem), mas, dentro da síntese que propõe e com seu expressivo elenco e ótima direção de arte (a Christophe é demais), é um bom programa para quem ama e ou odeia questões de matemática (metafóricas ou não!).

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