Muita coisa importante acontece diariamente nos subterrâneos
governamentais em todo o mundo democrático (ou não). Todavia, a gente comum só toma
conhecimento de algum segredo quando a sétima chave finalmente abre a fechadura
(anos, décadas após o ocorrido) e o assunto resgatado ganha notoriedade na
mídia, em livro, peça teatral, cinema. Confesso que jamais tinha ouvido falar
do matemático Alan Turing
(1912-1954) e a sua fantástica máquina Christopher
ou Maquina Turing, precursora dos
computadores, antes de assistir ao Jogo
da Imitação (The Imitation Game,
RU, 2014).
O Jogo
da Imitação, dirigido pelo norueguês Morten Tyldum, com roteiro do americano Graham Moore, levemente inspirado no livro Alan Turing: The Enigma (1983), do matemático britânico Andrew Hodges, conta, em flashbacks, três
fases da vida do também matemático e criptoanalista Alan Turing (Benedict
Cumberbatch, arrebatador), que esteve a serviço da inteligência britânica, em
Bletchley Park, durante a 2ª Guerra Mundial. Liderando um grupo diversificado
de especialistas, Turing criou a
máquina Christopher para decifrar os
códigos da processadora Enigma, um
sistema criptográfico de comunicação da Alemanha Nazista. Ironicamente, a Máquina de Turing, que salvou milhares de vida, não ajudou a “salvar” a sua,
no pós-guerra, pois, aos olhos da Inglaterra, ele era considerado um criminoso
hediondo. Seu crime? Era homossexual!
Recentemente vimos no cinema o excelente As Aventuras de Paddington, que
fala de um educado urso peruano que decide imigrar para Londres, em busca de
melhores dias, e não encontra a receptividade que esperava dos ingleses. Não é
diferente com Turing que, independente
do seu grande serviço prestado à Inglaterra e ao mundo aliado, sucumbiu à
intolerância sexual em seu próprio país, onde (até 1967) era muito maior que
qualquer ato patriótico.
O Jogo
da Imitação não é uma cinebiografia das mais fiéis. O que
não é novidade, já que fidelidade, até mesmo às ficções adaptadas, não é o
forte do cinema. No entanto, a omissão e ou a inversão de alguns fatos, não
chega a desvirtuar totalmente a essência da história deste brilhante cientista,
mais popular entre os estudantes de TI e de informática básica..., apenas a torna
mais dramática e mais tensa. Como, por exemplo, ao explorar os limites (?) da
inteligência humana a serviço do bem e do mal, ainda que seja relativo (do
ponto de vista de quem o pratica) o fazer o bem e o fazer o mal. Um embate
profícuo que a torna mais interessante por mostrar apenas os ingleses em ação. Ou
seja, enquanto da Alemanha só sabemos da existência de uma máquina
eletromecânica, a Enigma, que gera
mais de 159 milhões de configurações em mensagens cifradas para os pelotões
alemães promoverem a barbárie em terra, ar e mar, na Inglaterra vemos o
trabalho praticamente diuturno de Turing
(“apenas uma máquina pode derrotar outra
máquina”) e sua equipe, que incluía o campeão de xadrez Hugh Alexander (Matthew Goode), e a mestre em cálculos Joan Clarke (Keira Knightley),
correndo contra o tempo na busca do código-chave capaz de fazer a Christophe desvelar a criptografia alemã,
vencer a invencível Enigma e por fim
à guerra.
A exposição da lógica matemática, as operações de
quebra de códigos e criação da Christophe
são o que mais fascinam nesse drama de (calculado) suspense. Talvez até
desperte o matemático oculto no espectador traumatizado com o ensino escolar.
Eu mesmo ando interessado em sua poética nada fria. As outras duas fases do
enredo, a adolescência e a abominável condenação, servem (ainda que rasas) para
compreender o processo da sua formação profissional e do eu destino cruel.
Dando brilho à casca, para preservar a
relevância do miolo, O Jogo da Imitação
não oculta a homossexualidade de Turing,
apenas não faz dela o foco principal da narrativa. Assim, é louvável a sutileza
de Tyldum na sua abordagem (de mero detalhe) e acertada a decisão de não se
deixar seduzir pela especulação em torno da conturbada (e polêmica!) causa
mortis do gênio britânico salvador da pátria. Passa longe de ser um filme
definitivo do cientista inglês, o roteiro deixa muitas questões em aberto (nada
sabemos de sua origem), mas, dentro da síntese que propõe e com seu expressivo
elenco e ótima direção de arte (a Christophe
é demais), é um bom programa para quem ama e ou odeia questões de matemática
(metafóricas ou não!).
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