Sabe aquele momento raro em que mal começa o
filme e você pensa: Uau!, e o filme
continua e você: Cara!, e quando
termina você complementa: Valeu cada
centavo!..., e sai da sala com a alma lavada? Esse filme é Birdman ou (A Inesperada Virtude da
Ignorância), do genial Alejandro
González Iñárritu, um dos filmes mais desconcertantes de 2014.
Birdman
ou (A Inesperada Virtude da Ignorância), o subtítulo alternativo acompanha
créditos iniciais (Birdman or The Unexpected
Virtue of Ignorance, EUA, 2014), comédia de humor negro e realismo mágico
(área em que os latinos são praticamente imbatíveis), fala da tensão vivida
pelo ator Riggam Thomson (Michael Keaton) durante os dias que
antecedem a estreia do espetáculo What We
Talk About When We Talk About Love (De Que Falamos Quando Falamos De Amor),
baseado no conto homônimo do escritor Raymond Carver (1938-1988), que ele
adaptou, dirige e protagoniza em um teatro da Broadway.
Riggam, que ainda
é lembrado pelo sucesso de uma trilogia cinematográfica de 25 anos atrás, quando
encarnou o super-herói Birdman e se
recusou a fazer um 4º filme da franquia, quer provar para crítica especializada
(e a si mesmo!) que também é um ator (sério) capaz de representar qualquer
papel no teatro. Porém, inseguro e emocionalmente imaturo para lidar com o
estresse da produção, ele se deixa levar pelo seu alter ego que (no compasso hipnótico da bateria de António Sánchez) lhe provoca surtos alucinantes.
Preso entre o real (a história no teatro) e o imaginário (a história no cinema)
o diretor e ator entra em parafuso ao tentar resolver os “infindáveis” problemas
familiares e de rotina da produção.
Ácido, por vezes nostálgico, e melancolicamente engraçado,
Birdman é um filme de autor sobre
ator e sobre a arte de atuar. Hoje, no palco do entretenimento, o tempo é o da lucrativa
arte fugaz, onde se confundem o célebre artista (de formação) e a celebridade
artista (da mídia). É nesse cenário transitório de (re)afirmação profissional (cinema/teatro)
e do oportunismo da arte midiática, onde atores e críticos travam o seu ego-embate
na demarcação de território, e até mesmo as redes sociais influenciam o gosto
popular, que Alejandro Iñárritu não conta palavras para descrever as
contradições de uma profissão cheia de conceitos (de espaço) e preconceitos (de
gênero).
O cinema do diretor mexicano é uma obra em
constante evolução e ebulição..., e cada vez mais estranho ao hollywoodiano
encaixadinho. O apuro narrativo e técnico de Birdman impressiona pela sagacidade. Iñárritu brinca com a
desconstrução do protagonista, personagem e ator (Keaton, como se sabe, foi o Batman de Tim Burton em 1989 e 1992); simula
(descaradamente) o filme em um único plano-sequência nas lentes admiráveis de Emmanuel Lubezki; cria diálogos ferinos
(Você é uma celebridade, não um ator!),
hilários e absurdos (Lesley: Eu gostaria
de ter mais autoestima. Laura: Você é
uma atriz!)..., dando um nó insólito na cabeça do espectador.
Provocativo, Birdman é uma
experiência única..., tira a plateia (do cinema e do teatro) da área
de conforto, chacoalha e, após um voo incerto nas asas da fantasia, a abandona tonta
para apreciar o final (inesperado) do espetáculo. O seu elenco é tão primoroso
que todos se destacam. Michael Keaton,
como o seu personagem, se reinventa e surpreende maravilhosamente num papel
cheio de nuances; Edward Norton está
hilário na pele do famoso ator Mike
Shiner (verdadeiro só no palco); Emma Stone esbanja expressividade no
corpo de Sam, a filha problemática de
Riggam; Naomi Watts (Lesley) e Andrea Riseborough (Laura) exploram bem as minúcias de duas atrizes
em crise amorosa no palco e fora dele; e Zach
Galifianakis, não desafina o grupo com seu agente Brandon, mais preocupado com os lucros que com as desavenças dos
bastidores. Ah, a emblemática bateria de António
Sánchez é hors-concours.
Birdman
ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) é cinema para aquele público
ousado, que gosta de ser surpreendido, e não para o público acomodado com as
comediazinhas besteirol norte-americanas e brasileiras. Um filme que já nasce clássico para brilhar ao
lado de Crepúsculo dos Deuses (Sunset Boulevard, 1950), de Billy
Wilder; A malvada (All
About Eve, 1950) de Joseph L. Mankiewicz..., e principalmente daquele que
me parece mais próximo do contexto: A Noite
Americana (La nuit américaine,
1973), de François Truffaut.
...,
Isto é real ou você está me filmando?
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