As
aparências realmente enganam. Quem pensa que O Príncipe do Deserto (Black Gold,
França, Itália, Tunísia, Catar, 2011), de Jean-Jacques Annoud, tem a ver com O Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo
(Prince of Persia: The Sands of Times,
2010), de Mike Newell, está atolado em outro deserto. A sua trama está mais
próxima de uma crônica de costume do que de uma lenda maravilhosa (apesar do
seu encantador clima de 1001 Uma Noites),
como pode erroneamente sugerir o título. Árabe por Árabe, o mais próximo, se o
espectador insistir (mesmo) em comparar adagas, é o fabuloso Lawrence da Arábia (Lawrence of Arabia, 1962), de David
Lean..., por causa da (sempre) nefasta aculturação.
A narrativa
ágil conduz o público a uma mítica Arábia do início do século 20, com suas
tradições e contradições, onde dois líderes guerreiros põem fim a um conflito
tribal. Nesib, Emir de Hobeika (Antonio Banderas) e Ammar, Sultão de Salmaah (Mark Strong), decidem que nenhum dos
dois ocupará uma faixa de terra chamada de Cinturão Amarelo, entre as duas
cidades. Para selar o acordo, conforme o costume, Nesib, a pretexto de “adoção”, toma como reféns os dois filhos de Ammar, o jovem Saleeh (Akin Gazi) e o
garoto Auda (Tahar Rahim). Anos depois Nesib
recebe a visita de um americano (Corey
Johnson), representante da indústria petrolífera do Texas, interessado em explorar
petróleo (black gold). A proposta é
vantajosa para Nesib (e seu povo),
que sonha com escolas, hospitais, estradas..., mas um detalhe pode emperrar a
negociação, o pedaço de terra que interessa ao texano é exatamente o Cinturão
Amarelo. Uma ferida mal cicatrizada pode voltar a sangrar e os filhos de Ammar, bem como os de Nesib, talvez não sejam moeda de troca
suficiente para acalmar os ânimos, se o acordo de paz for quebrado.
Baseado na
adaptação de Menno Meyjes, para o livro South
of the Heart: A Novel of Modern Arabia (1957), do escritor suíço Hans
Ruesch, o diretor francês Jean-Jacques Annoud
realizou um filme fascinante. Intenso e sem receio de se perder numa nuvem de
poeira, ele cavalga pelo deserto, costurando pequenos assuntos caros aos árabes
e também aos capitalistas ocidentais, colocando em cena uma oportuna discussão
sobre os valores da tradição (religiosa) e a importância do desenvolvimento (socioeconômico),
na leitura secular do Sagrado Alcorão e na visão imediatista do Profano Petrodólar.
Um pragmatismo que pode não ser (de todo) assimilado pela grande plateia,
sempre à cata de histórias fáceis e que não exijam muito dos seus neurônios.
O Príncipe do Deserto é um belo drama de proporções épicas (com
romance e ação), que foge ao estabelecido pela indústria americana. Todavia,
como petróleo no olho dos outros é colírio colorizante, compreende-se (até)
porque ele não caiu no gosto (também da crítica) estadunidense. Será que o
maquiavélico final tem algo a ver com a indigestão? O tio do sonso que o diga,
se a hipocrisia o permitir!
Emoldurado
pela magnífica fotografia de Jean-Marie Dreujou, o filme emociona ao mergulhar
nas multicolorida cultura árabe, desvelando cenários de beleza ímpar. O elenco é
competente na sua discrição e distanciamento, evitando a criação de personagens
caricaturais. A trilha, grandiloquente, incomoda um pouco, porém não chega a
atropelar a narrativa que trabalha muito bem as inquietações do protagonista Auda, cujas ações podem parecer
previsíveis, numa leitura apressada. Afinal, a jornada do herói é um conceito (literário) “universal”, exaustivamente
explorado por escritores, roteiristas hollywoodianos e já faz parte do
inconsciente do espectador que, dependendo do objeto de interesse, finge não
perceber a história “revivida”. O
Príncipe do Deserto é um espetáculo que, se não satisfizer no todo, com
certeza vai encantar nos detalhes.
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