Verdade
ou mito de que o público americano só vê (e só gosta?) de filme falado
(dublado) em inglês americano, parece ser a explicação mais lógica para a falta
de lógica de refilmagens (e releituras) americanas de filmes não-americanos.
Raramente alguma refilmagem americana vale o ingresso. Mera pretensão hollywoodiana
em achar que tem algo maior a dizer ou frustração por não ter realizado a obra
primeiro?
Millennium - Os Homens Que Não Amavam As Mulheres (The
Girl with the Dragon Tattoo, EUA, Suécia, Inglaterra, Alemanha, 2011), de David Fincher é um drama revisionista, de
suspense tipicamente americano, que parece feito só para mostrar aos europeus
como se faz um thriller americano com matéria prima europeia. O filme que, para
não parecer plágio, conta a mesma história, mas com alguns elementos (muito)
diferentes do original Os Homens Que Não
Amavam As Mulheres (Män Som Hatar
Kvinnor, Suécia/Dinamarca/Alemanha, 2009), de Niels Arden Oplev, se baseia no primeiro livro da trilogia Millennium, de Stieg
Larsson (1954-2004). Ele trata da investigação do jornalista Mikael Blomkvist (Daniel Craig) e da hacker Lisbeth
Salander (Rooney Mara) sobre o
desaparecimento de Harriet Vanger (Moa Garpendal), sobrinha-herdeira do
megaempresário Henrik Vanger (Christopher Plummer).
Quem viu
o filme sueco (ou leu o livro) não ficará indiferente a esta versão americana. A
narrativa que vai se montando feito um quebra-cabeça, envolvendo assassinatos
brutais, religião e intolerância, começa a todo vapor, mas o seu contínuo ritmo
vertiginoso (puro exibicionismo) logo perde o interesse e a história parece não
ter fim. Enquanto o Millennium de Oplev (com roteiro
de Nikolaj Arcel) é conciso e
vai direto ao assunto para contar uma boa história detetivesca em 152 minutos,
o Millennium de Fincher (com roteiro
de Steven Zaillian) parece uma
mariposa dando voltas em volta da lâmpada para esquentar em seus 158 minutos. O
primeiro (ainda que com alguns furos) aposta na inteligência do espectador, o
segundo o subestima e passa o tempo todo antecipando, explicando e justificando cada ato
“insano” (a cena na loja do tatuador é constrangedora: saiba, espectador, que fazer tatuagem dói!).
Um opta pela sutileza e o outro se apega a
situações-clichês. Como, por exemplo, as
(questionáveis) sequências dos estupros, que têm uma força impressionante na
versão sueca, e não passam de gratuidades (quase risíveis) na americana. Se em
sua notável performance, o ator Peter
Andersson imprime uma personalidade asquerosa no repulsivo tutor Nils Bjurman, o mesmo não pode ser dito
da interpretação insossa de Yorick van
Wageningen que (mal dirigido) só falta dizer para a vítima: com licença que vou estuprá-la e me
desculpe, por ser de maneira não convencional, não ortodoxa, não papai-mamãe.
Para cada
“caco” retirado do filme original, Fincher acrescentou dois ou três na sua
leitura alucinada e videoclipista piegas. Perde tempo explicando e inserindo coisas
dispensáveis (gato mensageiro: olha o que farei com você!; editora da Milenium: quer ser meu sócio?), situações descartáveis (reencontro de vítima e
estuprador no elevador: tô de olho em você!) e passa a toda velocidade pelo que realmente importa.
Dificilmente quem não conhece a obra original vai consegui entender os códigos
(estilo Dan Brown) e sequer a “análise do material” que leva à solução do caso.
Ao optar por uma versão mais romantizada, buscando a emoção fácil do espectador
(que gosta de gatinhos e filhos abandonados), o diretor banalizou a história original,
para o entendimento e aceitação do publico médio (americano?). Assim, o
jornalista Mikael perde a perspicácia,
a hacker Lisbeth a intensidade, e o
espectador a paciência. Comparado ao original (e não tem como não comparar) esta
versão burocrática e didática é um caça-níquel (de fãs) apenas razoável. Isso,
por conta da excelente abertura e das boas atuações de Craig e Rooney que,
ficam aquém dos atores suecos: Michael Nyqvist (Mikael) e Noomi Rapace (Lisbeth).
Em interessante
entrevista à Mariane Morisawa, postada na RevistaÉpoca (online), em 22.01.2012, falando sobre violência, bilheteria e as significativas diferenças
entre a versão europeia e a sua, o pretensioso diretor David Fincher disse: “Vi o original uma vez. Não tenho como
comentar. Me lembro de achar que era muito bonito, muito arrumadinho. Acho que
nosso filme é mais sujo, mais desleixado... E há mais flashbacks do passado. É
provavelmente mais Hollywood.”
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