por Joba Tridente
Segundo o Houaiss: “Memória é a faculdade de conservar e lembrar estados de consciência passados e tudo quanto se ache associado aos mesmos. (...) Aquilo que ocorre ao espírito como resultado de experiências já vividas; lembrança, reminiscência.” Sendo assim, é possível construir para si mesmo uma memória não vivida de família (que não conheceu), a partir objetos, cartas, fotos, fragmentos, filmes caseiros, entrevistas envoltas em “segredos”? Essa é a premissa da intrincada ficção experimental CORA (Brasil/Dinamarca, 2021), dirigida e roteirizada por Gustavo Rosa de Moura e Matias Mariani.
“O ano é 2064. Querendo entender o passado de sua família, a dinamarquesa Cora (Charlote Munk) organiza um arquivo que encontrou num velho HD, com um documentário inacabado (e em grande parte deteriorado) no qual, Benjamim, seu pai brasileiro, tenta investigar, 50 anos antes, a história dos próprios pais dele e descobre que ambos faziam parte de um complexo quebra-cabeça familiar, cheio de traumas e tabus, em que ele começou a se ver como uma das peças principais.”
Uma vez que seu roteiro é nada linear e as histórias vão se misturando, se encadeando, em meio a comentários e imagens “aleatórias”, trazendo mais sombra que luz sobre Teo..., um espectador ansioso pode perder o interesse em pouco tempo, na tentativa de saber quem é quem no disse me disse que cerca os ancestrais de Benjamim (André Whoong) e Cora. Um enigma digno da Esfinge: Decifra-me ou te devoro. Num país (do futuro) em frangalhos, muita coisa realmente é devorada. Até mesmo “Édipo” sucumbe ao caos pessoal ao buscar compreender e/ou justificar a cegueira familiar.
Sabe-se pouco das características de cada um. E o que se sabe, na fragmentação dos registros corrompidos, não parece matéria suficiente para despertar interesse sequer sobre os seus destinos. O exagero na fragmentação de dados, além de lhes “roubar a face” e a “fala”, os torna irrelevantes..., no passado, presente e/ou no futuro. Assim, para subir nesta árvore genealógica, com tantos galhos cortados, é preciso ter paciência, para não se perder entre a espessa folhagem. Ou esperar a queda dos frutos maduros..., se é que vão amadurecer até o final da rama.
Nos créditos finais há uma indicação de que Cora é um filme-resposta ao romance Antonio,
publicado em 2007 (que não li), de Beatriz Bracher, mãe do diretor Matias
Mariani. Talvez daí o conceito mais literário do que cinematográfico. Enfim, um
filme para um público muito seleto e em busca de novas linguagens. CORA estreia, nos cinemas, no dia 23 de
dezembro de 2021, com distribuição da Pandora Filmes.
Trailer: aqui.
NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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