A MULHER QUE FUGIU
Domangchin
yeoja
por Joba
Tridente
Onde habita a felicidade?
Muitos de nós, “humanos”, certamente nos perguntamos (nas mais diversas
ocasiões)..., e divergimos quanto à resposta. Uma vez que a felicidade tanto pode habitar dentro
quanto fora de cada “humano” à sua procura..., ou em lugar nenhum, que tal é a quimera.
Questão que perpassa (subliminarmente) no drama sul-coreano A Mulher Que Fugiu (Domangchin
yeoja, 2020), do diretor Hong
Sang-soo, que trouxe para si também a responsabilidade do minimalista
roteiro, da montagem e da trilha sonora. A Mulher Que Fugiu que conquistou diversos prêmios (Urso de Prata;
Melhor Filme do Ano, da Associação de Críticos de Cinema da Coréia; Menção Especial
no Festival de San Sebastian) tem estreia prevista para o dia 16.12.2021, nos
cinemas.
“Ele diz que as pessoas
apaixonadas
devem se apegar umas às outras.
É algo natural.”
A Mulher Que
Fugiu acompanha os encontros de Gam-hee
(Kim Min-hee) com três amigas de
longa data (Young-soon, Su-young e Woo-jin), no entorno de Seul. Os dois primeiros são combinados. O
terceiro é casual. Há muito que elas não se vêm e Gam-hee está aproveitando a viagem de negócios do marido para matar
as saudades e justificar o distanciamento.
Young-soon (Young-hwa
Seo), que divide o apartamento
com Youngji (Lee Eunmi), é divorciada e mora numa região
bucólica, onde é possível cultivar horta, ouvir canto de pássaros e observar as
montanhas e a floresta com seus tons outonais contornando o horizonte. Su-young (Song Seon-mi),
que também mora num agradável apartamento, com a entrada verdejante e bela vista
para as montanhas, é solteira, independente e ainda está conhecendo a cultura local. O encontro com Woo-jin (Kim Sae-Byuk), casada com um conhecido de Gam-hee, acontece em um café, na sala de espera de um cinema. Do
lado de fora também se avista montanhas e vegetação. Mas, será que estas
mulheres são (ou estão) felizes com o rumo de suas vidas? No momento, o quê
significa “felicidade” para cada uma delas? Ter alguém para fazer companhia ou
antes só que mal acompanhadas? Um assunto que, invariavelmente, acaba pautando
conversas de visitas tardias e de respostas incertas...
Sang-soo trabalha quatro variações do tema afetividade
(amorosa), envolvendo as quatro mulheres à beira de uma nova vida e cujas intimidades
vão do imperceptível ao explosivo..., levando Gam-hee a repetir uma mesma fala, como se um mantra, sobre o (seu) marido:
“Nos cinco anos, desde que nos casamos,
não passamos um dia separados. Ele diz que as pessoas apaixonadas devem se
apegar umas às outras. É algo natural.” Será? O curioso é que a sua fala
não é de arrogância ou de afronta. Ela flui naturalmente. Nota-se, no entanto,
uma leve mudança de tom a cada repetição..., como se ela mesma não tivesse
certeza do que sente em relação ao próprio casamento e à felicidade que
manifesta. Mero jogo de cena e/ou, assim como em outras insinuações (sobre as
residências aprazíveis de Young-soon
e Su-young0), ela está em busca (ou
em fuga) de si mesma? São muitos os sentidos do que é dito e/ou engolido, com a
comida e/ou com um pedaço de maçã descascada, pelas quatro mulheres. Nem todos os
sentidos serão decifrados pelo espectador. Alguns vão ficar tangenciando a sua
mente por um bom tempo...
A Mulher Que
Fugiu é um filme intimista, profundamente
feminino e de viés feminista, que apresenta mulheres de iniciativas e homens (em
segundo plano) como se meros figurantes descartáveis na vida e na arte,
conforme a situação. Aliás, tanto o homem do gato, quanto o homem das poesias e o homem das palestras, três coreanos que fecham cada qual uma sequência, se acham a indispensável
cereja do bolo, mas não passam mesmo de descartável caroço da azeitona de
pastel de vento. O que não quer dizer que, em sua insignificância, eles não
possam ser espelho de quem quer que seja (inclusive das mulheres, em um momento
de angústia).
Enfim,
A Mulher Que Fugiu é um drama inusitado, bucólico em sua
urbanidade e melancólico em sua introspecção, cujo roteiro, assim como em
outras tramas do diretor, imerge nas águas turbulentas das relações humanas em
busca do verbo ideal para traduzir e iluminar o que há de importante por trás
do banal cotidiano de cada um (sempre) à procura de uma felicidade muito particular.
Aqui, a bela paisagem é cúmplice e metáfora das mudanças pessoais de cada
personagem, que Hong Sang-soo explora magistralmente no subtexto
(incluindo o ambíguo título) de um enredo onde os silêncios e os diálogos..., repletos
de amenidades (vegetarianismo, decoração, paisagem, galo, gato, homem, fama,
poesia, bebida, maçã) e alguma confissão íntima..., acentuam a passagem do
tempo e a desconexão de assuntos
pessoais entre amigas que há muito não se sabem. E dificilmente se
saberão após a visita de ocasião. É vida que segue rotineira, feito as ondas do
mar que quebram e voltam a quebrar espumosas na tela de um cinema num dia
fugidio..., enquanto Gam-hee aguarda
a hora de retornar pra sua rotina doméstica e profissional: cuidar do marido e
da floricultura.
A câmera que conduz (ou desvia!) o olhar do
espectador nos três contos,
mudando o seu ponto de vista, principalmente nas aberturas e fechamentos dos encontros, ficou por conta
de Kim Sum-min.
Trailer: aqui.
NOTA: As considerações acima são pessoais e,
portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de
carteirinha.
Joba
Tridente: O
primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros
videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em
35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e
coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e
divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro
tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder,
2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.
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