domingo, 12 de dezembro de 2021

Crítica: A Mulher Que Fugiu

 

A MULHER QUE FUGIU

Domangchin yeoja

por Joba Tridente 

Onde habita a felicidade? Muitos de nós, “humanos”, certamente nos perguntamos (nas mais diversas ocasiões)..., e divergimos quanto à resposta. Uma vez que a felicidade tanto pode habitar dentro quanto fora de cada “humano” à sua procura..., ou em lugar nenhum, que tal é a quimera. Questão que perpassa (subliminarmente) no drama sul-coreano A Mulher Que Fugiu (Domangchin yeoja, 2020), do diretor Hong Sang-soo, que trouxe para si também a responsabilidade do minimalista roteiro, da montagem e da trilha sonora. A Mulher Que Fugiu que conquistou diversos prêmios (Urso de Prata; Melhor Filme do Ano, da Associação de Críticos de Cinema da Coréia; Menção Especial no Festival de San Sebastian) tem estreia prevista para o dia 16.12.2021, nos cinemas. 

Ele diz que as pessoas apaixonadas

devem se apegar umas às outras.

É algo natural. 


A Mulher Que Fugiu acompanha os encontros de Gam-hee (Kim Min-hee) com três amigas de longa data (Young-soon, Su-young e Woo-jin), no entorno de Seul. Os dois primeiros são combinados. O terceiro é casual. Há muito que elas não se vêm e Gam-hee está aproveitando a viagem de negócios do marido para matar as saudades e justificar o distanciamento. 

Young-soon (Young-hwa Seo), que divide o apartamento com Youngji (Lee Eunmi), é divorciada e mora numa região bucólica, onde é possível cultivar horta, ouvir canto de pássaros e observar as montanhas e a floresta com seus tons outonais contornando o horizonte. Su-young (Song Seon-mi), que também mora num agradável apartamento, com a entrada verdejante e bela vista para as montanhas, é solteira, independente e ainda está conhecendo a cultura local. O encontro com Woo-jin (Kim Sae-Byuk), casada com um conhecido de Gam-hee, acontece em um café, na sala de espera de um cinema. Do lado de fora também se avista montanhas e vegetação. Mas, será que estas mulheres são (ou estão) felizes com o rumo de suas vidas? No momento, o quê significa “felicidade” para cada uma delas? Ter alguém para fazer companhia ou antes só que mal acompanhadas? Um assunto que, invariavelmente, acaba pautando conversas de visitas tardias e de respostas incertas... 


Sang-soo trabalha quatro variações do tema afetividade (amorosa), envolvendo as quatro mulheres à beira de uma nova vida e cujas intimidades vão do imperceptível ao explosivo..., levando Gam-hee a repetir uma mesma fala, como se um mantra, sobre o (seu) marido: “Nos cinco anos, desde que nos casamos, não passamos um dia separados. Ele diz que as pessoas apaixonadas devem se apegar umas às outras. É algo natural.” Será? O curioso é que a sua fala não é de arrogância ou de afronta. Ela flui naturalmente. Nota-se, no entanto, uma leve mudança de tom a cada repetição..., como se ela mesma não tivesse certeza do que sente em relação ao próprio casamento e à felicidade que manifesta. Mero jogo de cena e/ou, assim como em outras insinuações (sobre as residências aprazíveis de Young-soon e Su-young0), ela está em busca (ou em fuga) de si mesma? São muitos os sentidos do que é dito e/ou engolido, com a comida e/ou com um pedaço de maçã descascada, pelas quatro mulheres. Nem todos os sentidos serão decifrados pelo espectador. Alguns vão ficar tangenciando a sua mente por um bom tempo... 


A Mulher Que Fugiu é um filme intimista, profundamente feminino e de viés feminista, que apresenta mulheres de iniciativas e homens (em segundo plano) como se meros figurantes descartáveis na vida e na arte, conforme a situação. Aliás, tanto o homem do gato, quanto o homem das poesias e o homem das palestras, três coreanos que fecham cada qual uma sequência, se acham a indispensável cereja do bolo, mas não passam mesmo de descartável caroço da azeitona de pastel de vento. O que não quer dizer que, em sua insignificância, eles não possam ser espelho de quem quer que seja (inclusive das mulheres, em um momento de angústia). 


Enfim, A Mulher Que Fugiu é um drama inusitado, bucólico em sua urbanidade e melancólico em sua introspecção, cujo roteiro, assim como em outras tramas do diretor, imerge nas águas turbulentas das relações humanas em busca do verbo ideal para traduzir e iluminar o que há de importante por trás do banal cotidiano de cada um (sempre) à procura de uma felicidade muito particular. Aqui, a bela paisagem é cúmplice e metáfora das mudanças pessoais de cada personagem, que Hong Sang-soo explora magistralmente no subtexto (incluindo o ambíguo título) de um enredo onde os silêncios e os diálogos..., repletos de amenidades (vegetarianismo, decoração, paisagem, galo, gato, homem, fama, poesia, bebida, maçã) e alguma confissão íntima..., acentuam a passagem do tempo e a desconexão de assuntos pessoais entre amigas que há muito não se sabem. E dificilmente se saberão após a visita de ocasião. É vida que segue rotineira, feito as ondas do mar que quebram e voltam a quebrar espumosas na tela de um cinema num dia fugidio..., enquanto Gam-hee aguarda a hora de retornar pra sua rotina doméstica e profissional: cuidar do marido e da floricultura. 

A câmera que conduz (ou desvia!) o olhar do espectador nos três contos, mudando o seu ponto de vista, principalmente nas aberturas e fechamentos dos encontros, ficou por conta de Kim Sum-min.

Trailer: aqui

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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