quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Crítica: Amor, Sublime Amor

AMOR, SUBLIME AMOR

West Side Story

por Joba Tridente 

Quando o espectador tem um filme de estimação e ouve falar que será refilmado, trêmulo pergunta: “Por quê? O quê há de errado com ele? Bem, acontece que, por mais agradável que o filme em questão seja e por mais que a sua trama continue à frente das tramas (assemelhadas) dos filmes atuais, quando um produtor e diretor de renome bota na cabeça que vai refazê-lo e ponto, mais hora menos hora acaba refilmando mesmo. Então, ou dá a (sua) cara nova à cara velha ou quebra a (sua) cara. 

Ainda sem saber o que esperar, quando o diretor Steven Spielberg anunciou que iria dirigir uma nova adaptação do clássico musical West Side Story (Amor, Sublime Amor), muita gente ficou de orelha em pé. Passado o susto, a boa notícia é que, mesmo com algumas mudanças e/ou ajustes, Spielberg não deve decepcionar os seus fãs e nem os fãs da obra cinematográfica dirigida por Robert Wise, em 1961, e que arrebatou dez Oscars e três Globos de Ouro. Se a nova versão vai chegar lá..., aí é outra história. 

No soy Americana, soy puertorriqueña! 


Tendo como pano de fundo uma história de ódio e de amor, que remete ao famoso drama Romeu (Montéquio) e Julieta (Capuleto), de Shakespeare, o musical Amor, Sublime Amor executa as suas canções vociferando hostilidade, clamando cidadania e/ou celebrando o amor em dois palcos urbanos, onde suas notas melódicas (agridoces) irão acabar se roçando e se embaralhando num final trágico de moral tardia na coxia bairrista em comum. 

Em um cenário, o desdobramento das desavenças por território (em vias de desapropriação) entre os brancos norte-americanos extremistas da gangue Jets, liderada por Riff (Mike Faist) e os irredutíveis morenos porto-riquenhos da gangue Sharks, comandados por Bernardo (David Alvarez). Em outro, o conturbado amor à primeira vista arrebatando a romântica Maria (Rachel Zegler), irmã de Bernardo, e o sonhador Tony (Ansel Elgort), recém-saído da prisão. Tony já fez parte da turma malvada de Riff, mas agora quer sossego e uma vida melhor, trabalhando na loja de Valentina (Rita Moreno, que mereceu o Oscar, na pele de Anita, em 1961), que já foi de Doc, na versão de Wise. Acontece que o esquentado e superprotetor Bernardo, que vive com Anita (Ariana DeBose), não quer nem pensar no envolvimento da jovem Maria com Tony, pois já arranjou um namorado para ela, o seu amigo Chino (Josh Andrés Rivera). 


Acontece que, antes do explosivo encontro de Maria e Tony, em um baile de integração racial, as duas gangues combinaram uma briga para resolver quem é o dono do pedaço. Agora, com a raiva escorrendo pelos poros dos dois líderes, Riff não abre mão do pacato Tony na luta final e Bernardo acredita ser esta a melhor oportunidade para dar uma lição no pacífico namorado da irmã..., que não está nem aí pros dois valentões do bairro, mas que vai acabar sendo crucial no desfecho desta rixa. Como se sabe, o preconceito pode ter duas vias e, no final das contas, todos os intolerantes são perdedores. Ao se ater à ficção de Arthur Laurents e desviar o olhar para a realidade, percebe-se que, em 60 anos, pouco mudou nas terras do tio insano quanto à xenofobia, o racismo, a violência etc... 


Neste West Side Story ou Amor, Sublime Amor (título brasileiro) spielberguiano, a essência do argumento original está intacta no suporte à história de rivalidades idiotas e de amores trágicos, envolvendo a gangue xenofóbica Jets, dos estadunidenses brancos, e a gangue Sharks, dos imigrantes porto-riquenhos morenos, na cidade de Nova York, em 1957. No entanto, em seu roteiro, Tony Kushner atualizou, cortou e lapidou alguns diálogos e letras da peça de teatro musical concebida, dirigida e coreografada por Jerome Robbins, a partir do livro de Arthur Laurents. Ou seja, em suas “releituras”, Spielberg e Kushner procuraram acentuar e/ou amenizar algumas passagens em que o preconceito étnico e idiomático era mais forte. Com isso, a envolvente música de Leonard Bernstein, com letra de Stephen Sondheim, ganha mais intensidade, mais repercussão social e até uma irônica alegria (como na contagiante América). 


Amor, Sublime Amor traz algumas sequências musicais encantadoras, como a de Maria e Tony, no famoso dueto romântico de Tonight, na sacada gradeada do apartamento da jovem, e a de Anita, num forte contexto social, comandando o grupo porto-riquenho pelas calçadas e ruas do bairro na (agora) esfuziante canção América, anteriormente apresentada num fim de tarde no terraço do prédio onde os imigrantes moravam..., e outras (a mim) bem enfadonhas. 

O maior mérito de Spielberg na visita ao West Side Story, possivelmente, está no elenco. Ao contrário da versão Wise..., em que, excetuando (sabe-se lá o porquê) a branca Natalie Wood/Maria, grande parte do elenco que representava os porto-riquenhos tinha a face pintada de marrom (bronze envelhecido), salvando-se original no protagonismo, só Rita Moreno/Anita..., ele escalou atores e atrizes latinos. E mais, provoca o espectador ao manter diálogos fluindo entre o inglês e o espanhol e sem legendas (também nos EUA). Por essa os nacionalistas estadunidenses (que odeiam filme legendado) não esperavam. 


Quanto às mudanças mais notáveis, os amantes da versão de Wise talvez se incomodem com a estranha caracterização da personagem Anybody (Ezra Menas) que, de uma adolescente moleca, nada mais que uma garota rebelde que andava no meio dos garotos malvadões da gangue Jets, no remake vira um homem trans (?) grandalhão e humilhado. A mudança mais assimilável, sem dúvida, é a da personagem de Rita Moreno (a Anita de Wise), que volta muito bem à cena, no papel de Valentina (a esposa de Doc), criado especialmente para ela e com direito a interpretar a bela e melancólica Somewhere (There's a Place For Us). É óbvio que estas mexidas só serão percebidas (e julgadas) por quem conhece o filme de Wise, de 1961.
 


Enfim, ainda que divida opiniões Amor, Sublime Amor, de Steven Spielberg é um espetáculo com grandes momentos musicais e coreográficos e diálogos perturbadores. Como resistir a canções como América, ​​Tonight e I Feel Pretty e ou o sacolejar de Mambo? O elenco é adequado e as interpretações são consistentes, com destaque para Ariana DeBose, cujas cenas finais, num contraponto desconcertante à exaltação em América, são de arrepiar: “No soy Americana, soy puertorriqueña!”. A paleta de cores que impressiona na distinção dos figurinos americanos (em tons frios de azul) e porto-riquenhos (em tons quentes de vermelho, rosa, amarelo, laranja) também apavora com suas sombras estratégicas. Quanto à fotografia de Janusz Kaminski, é ela que, aliada à notável edição de Michael Kahn e Sarah Broshar, coloca o espectador em cena e ainda o faz rodopiar, dançar e brigar.

Trailer: Aqui

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.


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