terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Crítica: Azor


A  Z  O  R

por Joba Tridente 

Quando ouve falar em paraíso (ou refúgio) fiscal, muita gente de pouca e/ou quase nenhuma grana, dá asas à imaginação e viaja na ideia de um lugar onde dinheiro dá em árvore (frutas-moedas) e até mesmo no chão (grama-dólar). Mas, assim que escorrega na maionese e cai na real (ou na falta do real) e se esborracha nas suas dívidas secas, se pergunta entre muitos ais: Qual é o caminho das pedras ou o pulo do gato sem rastro para as delícias lucrativas das empresas offshore? Onde começa a trilha para a fonte dos privilegiados que jorra dinheiro? Bem, se “ninguém” sabe e “ninguém” viu e “ninguém” falou é por causa do Ali Mandha Kalar. Traduziu? Também porque, essa gente sempre em off sabe muito bem como faturar alto em qualquer situação política e/ou catastrófica. Aliás, quanto mais extrema e/ou mais trágica, melhor! 

Fique quieto!

Cuidado com o que diz!


Um das ocasiões mais revoltantes do livre investimento dos abastados está no foco do excelente thriller político argentino Azor (2021), do estreante diretor suíço Andreas Fontana. Escrito por Fontana e Mariano Llinás, o roteiro traz à luz (às vezes difusa) um punhado de personagens “acima de qualquer suspeita” que anda pelas sombras, procurando se beneficiar dos esquemas (bancários) de corrupção na Argentina, sob a viscosa ditadura de Jorge Rafael Videla (1976-1981)..., apoiada por civis da elite nacional (claro!) e com a conivência da igreja (óbvio!). 


A trama que, aos poucos vai amarrando tensos fios (desencapados?) começa com as cenas de um simpático personagem posando risonho para fotógrafos (?). Ele é René Keys (Alan Gegenschatz), personagem-chave neste enredo sombrio..., e estas são as únicas cenas em que aparece antes de sumir do mapa. O mês é dezembro. O ano 1980. Sem notícias do sócio, o banqueiro suíço Yvan De Wiel (Fabrizio Rongione) e sua esposa Inés (Stéphanie Cléau), desembarcam em Buenos Aires atrás de pistas e para dar continuidade nos negócios financeiros firmados com a clientela particularmente rica e influente e que, entre sussurros e precaução, não sabe se o solícito René fugiu, foi sequestrado, foi morto..., naquele país em grande deformação. Yvan e Inês não entendem, de imediato, a situação política da Argentina. Mas não demora para que também comecem a pisar em ovos. Principalmente após Ivan encontrar, em uma lista de correntistas deixada por René, o nome Lázaro, que ele desconhece... 

Estamos em fase de purificação:

os parasitas precisam ser exterminados


Azor é narrado em cinco capítulos distintos, pero no mucho, que sinalizam o itinerário e os percalços da relação financeira entre os oportunistas investidores e sonegadores argentinos e o oportuno sistema bancário suíço: A Turnê do Camelo (rito de passagem); As visitas; Um Duelo; A Gala; Lázaro. A determinada busca de Yvan por René é praticamente uma jornada de herói banqueiro no atalho do dinheiro e da corrupção, por “baixo dos panos” da genocida ditadura militar. Um simbólico beija-mão redentor dos “pecadilhos” dos abastados também sob o regime dos abestados. Toda via do lucro fácil, no entanto, dá voltas, meias-voltas ou navega por águas sombrias ao pôr do sol? Como medir a integridade de um propósito e/ou de um depósito? Quem assistir saberá até onde vai o caráter de um profissional tão “neutro” quanto o seu país (na época)! 


Azor é uma co-produção Argentina/Suíça/Franca e cuja narrativa dispensa metáforas (mas não os neologismos) e economiza palavras nos maquiavélicos diálogos (em francês e espanhol) de falas curtas, de falas diretas ou de falas interrompidas na intenção ferina de se alcançar a meta: O medo te torna medíocre!. Assim, o que não é dito ou é subtraído das conversas (formais e informais) e/ou a ação meramente sugerida terá de ser concebida pela mente do espectador intuitivo. 

Enfim, com performances notáveis de Fabrizio Rongione e Stéphanie Cléau, apoiados por um ótimo elenco coadjuvante, formado por atores veteranos, Andreas Fontana realiza um filme irretocável sobre a ganância sem limites (também em tempos de crise). A fotografia discreta de Gabriel Sandru, nos rodeios da música de Paul Couler, dá o tom cirúrgico para a edição precisa de Nicolas Desmaison.

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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