sábado, 25 de dezembro de 2021

Crítica: Roda do Destino


RODA DO DESTINO

(Guzen to Sôzô)

por Joba Tridente 

Há quem ache que a vida amorosa do ser humano é regida pelo Destino ou pelo Acaso. Há quem está nem aí pra um e/ou pra outro..., apostando no Instinto. Há quem simplesmente se deixa levar pelo labirinto da Paixão..., se encontrar nada no caminho, abre um atalho e muda o trajeto. O Amor pode acontecer em linha reta, em paralelo, em triângulo..., e até mesmo não acontecer. Ah, o Amor, sempre pregando peças divertidas e/ou doloridas no complicado ser humano. 

“Sentir-se à vontade não é o mesmo que apaixonado.” 


Há muita expectativa quanto ao lançamento de filmes em salas de cinema em 2022. Também porque toda via de retorno do público às salas de cinema requer segurança e responsabilidade (ainda) em tempo de pandemia. Isso garantido, o caminho vai estar livre para grandes apreciações. Uma delas, certamente, será a do magnífico drama japonês Roda do Destino (Guzen to Sôzô, 2020), roteirizado e dirigido por Ryûsuke Hamaguchi (Asako I & II) e pontuado, com precisão cirúrgica, pelo belíssimo Op.15, conhecido como Kinderscenen (Cenas da Infância, 1838), de Robert Schumann. Casamento mais que perfeito entre duas obras-primas. 


Roda do Destino narra três histórias distintas em que oito personagens são prisioneiros das armadilhas do Amor. Três histórias construídas com sensibilidade, ternura e sensualidade, protagonizadas por mulheres e que conversam com o espectador sobre relações amorosas singelas, tóxicas e carentes. No episódio 1: Magia (ou algo parecido) duas jovens mulheres, a descolada Meiko (Kotone Furukawa) e a recatada Tsugumi (Hyunri), em um taxi, trocam intimidades sobre a ocorrência de relação sexual num primeiro encontro. Em comum: a experiência de Meiko com o ex-namorado Kazu (Ayumu Nakajima), que não tem certeza do que é Amor e do que é Paixão num relacionamento sexual frustrante. 


No episódio 2: Porta escancarada, a dedicada estudante Murayama (Katsuki Mori) tem um caso com o folgado colega de escola Sasaki (Shouma Kay), e aceita a incumbência de provocar o honrado professor Segawa (Kyohiko Shibukawa) para conseguir melhorar a nota do namorado. No episódio 3: Mais uma vez, em um “mundo que ficou off-line e as pessoas voltaram a usar os correios e telégrafos”, duas mulheres adultas, Natsuko (Fusako Urabe) e Nomura (Aoba Kawai), se encontram casualmente numa estação de trem e quando começam a conversar sobre o passado não têm certeza se elas realmente se conhecem do tempo de estudante. 


São três pequenas crônicas e/ou, ainda que aparentemente distintas, três preciosos versos de um mesmo haicai, de um poema curto invocando desesperadamente o Amor. Três histórias acontecendo cada uma em três tempos: prólogo, trama, epílogo. Três histórias com métrica e metragem perfeitas: nem uma palavra a mais, nem um fotograma a mais, nem uma nota musical a mais que o necessário. Três histórias explorando as intenções da fala, do gesto, do ato..., e suas consequências inesperadas. Três finais surpreendentes, de deixar o espectador de boca aberta e querendo mais..., mesmo ciente de que menos é sempre mais. 


Roda do Destino é singular na sinceridade dos diálogos e na performance natural do excelente elenco. A sugestão do erótico, que varia em cada capítulo, é provocantemente sublime..., de excitar o corpo e a alma do espectador arrebatado (desde a primeira cena) por sua trama inteligente. Assim como no também belo tríptico feminino sul-coreano A Mulher que fugiu, de Hang Sang-soo, fotografado por Kim Sum-min, aqui a fotografia (sem exibicionismo) de Yukiko Iioka é fundamental para inserir o espectador no contexto e/ou em cena..., como se parte do elenco, como se parte da equipe ou como se mero bisbilhoteiro incapaz de tirar os olhos e ouvidos da ação. É difícil escolher a melhor das três histórias casuais sob a direção impecável de Ryûsuke Hamaguchi. Mas, pessoalmente, fico com a terceira, Mais uma vez, em que Acaso e Destino vagueiam lado a lado, envolvidos pelas notas celestiais do Op.15 de Schumann... 

Ganhador do Grande Prêmio do Júri, no Festival de Berlim de 2021, o imperdível Roda do Destino estreia, nos cinemas, dia 6 de janeiro de 2022, com distribuição da Pandora Filmes. 

 

NOTA: As considerações acima são pessoais e, portanto, podem não refletir a opinião geral dos espectadores e cinéfilos de carteirinha. 

Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba. 


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