segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Crítica: Um Espião Animal



UM ESPIÃO ANIMAL
por Joba Tridente*

Trocentos filmes de espionagem, envolvendo agentes (majoritariamente) masculinos nas mais diversas conspirações (geralmente) internacionais, já foram feitos para o deleite de todo tipo de plateia. Mesmo que se repitam (com pouca variação) tramas e plateias. São perseguições por terra, ar e mar, violência generalizada, pancadaria coreografada, licença para matar, veículos arrojados, agentes (mocinhos) glamourosos e agentes (bandidos) psicopatas, cenários paradisíacos, sexo de ocasião..., dali e pipoca e refrigerante..., daqui. Já vimos o gênero (pretensiosamente sério), parodiado em comédia e em animações para tv, para cinema e para web. A mais recente investida no gênero, a chegar aos cinemas brasileiros em 2020, é a animação Um Espião Animal (Spies in Disguise, 2019), dirigida por Nick Bruno e Troy Quane, para os estúdios Blues Sky/Disney.


Após um rápido prólogo, quando conhecemos o pequeno gênio Walter Beckett, um garotinho que adora criar coisas que tragam felicidade para pessoas (estressadas) boas ou más, passamos a acompanhar (12 anos depois) o desenrolar da última ação (violentíssima) do arrogante agente norte-americano Lance Sterling (misto de James Bond com Ethan Hunt) no Japão. A sua missão é recuperar uma poderosa arma em posse do traficante Katsu Kimura. Porém, no calor da pancadaria, ela vai parar nas mãos do perverso Killian e Lance precisa realizar uma manobra arriscada para recuperá-la. Ao voltar para os EUA, o agente é acusado de traição e de roubo e (é claro!) decide fugir (óbvio!) para provar a sua inocência. Na fuga, ao buscar ajuda do nerd Walter (o criador de armas do bem ou não letais, que ele acabou de demitir da agência), para encontrar um meio de desaparecer temporariamente de cena, Lance torna-se cobaia de uma fórmula experimental do jovem e é transformado em pombo..., mas sem perder suas características humanas. Daí, numa parceria improvável entre um pacifista e um belicista, enquanto Walter trabalha num antídoto, Lance, contando com a “ajuda” de pombos idiotas, caça o vilão Killian. Bom, se você assistiu ao trailer (coisa que jamais faço antes assistir a um filme que me interessa!) então você já sabe muito mais do que devia da trama. Já deve ter visto, inclusive, os “melhores” momentos.


Se a intenção dos roteiristas Brad Copeland e Lloyd Taylor é explorar a incômoda (e bota incômoda nisso!) violência (em quase toda a trama) para falar de não-violência (a começar pelo pombo, considerado o símbolo da paz)..., tomara que o público-alvo (acima dos doze anos?) compreenda a mensagem (se é que vai se lembrar do enredo algum tempo após a sessão). Pois, embora o discurso final de Um Espião Animal seja pacifista (antibelicista), a metragem animada até o epílogo cordial é longa e furiosamente agitada..., digna de qualquer filme com atores de carne e osso e personagens de pouco cérebro. A mim, as sequências de ação pareceram mais uma colagem (releitura) de cenas impactantes já vistas (e muito replicadas) de filmes de espionagem como 007, Missão Impossível e de “n” outros: roubo de identidade; fuga alucinante; assalto aéreo; agência de inteligência em risco; vilão com justificativa etc. Pode até ser coincidência (?), mas a história tem até um quê do curta de animação Pigeon: Impossible, de Lucas Martell, que faz filmes geniais (e você pode assistir no Vimeo, Youtube ou no Portal da Produtora).


Toda via altruísta da cordialidade, no entanto, excetuando a mensagem pacifista/edificante (Não há mocinhos ou bandidos!) de um jovem cientista visionário, criador de fórmulas e objetos estranhos e graciosos para acalmar ânimos raivosos (e armar a polícia com armas não letais)..., tão pertinente em dias de governança doentia e radical (Você me bate com força e eu revido com muito mais força!) em todo o mundo (o que, sem dúvida, é algo a se pensar)..., não há novidade no enredo de Um Espião Animal. Estão ali: as aves antropomorfizadas e amalucadas; a pancadaria braba, que vai muito além do tradicional pastelão; o indefectível humor grosseiro/escatológico (para quem ri de qualquer caca); uma ou outra gag engraçadinha; a técnica excelente para desenho de personagem parecido com o traçado de personagens da franquia Hotel Transilvânia 1, 2, 3, por exemplo; a ação vertiginosa e explosiva, para deixar o adolescente acordado e sem ocupar o Tico e o Teco... Pelo menos não tem personagem cantarolando a cada cinco minutos. Ôps! Tinha me esquecido de que esta é uma animação policial e não uma animação musical! Assim, quem quiser cantoria e melodrama que vá para a sessão da Frozen. A bem da verdade, por aqui também tem perdas familiares, mas sem tanto drama ou chororô!


Enfim, Um Espião Animal é uma animação repleta de boas intenções. Pode não ser lá tão empolgante e envolvente quanto a do Homem-Aranha no Aranhaverso ou tão divertida quanto a do Carros 2,  mas é possível que o seu argumento pacifista encontre eco (mesmo que fugaz) nos espectadores adolescentes e, quiçá, no público adulto pouco exigente. Aqui entre nós, acho o pombo um bicho asqueroso, nojento mesmo. É como se diz: ratos com asas...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros videodocumentários fiz em 1990. O primeiro curta-metragem (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba.

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