quinta-feira, 3 de abril de 2014

Crítica: Noé


A lenda de Noé é uma das mais conhecidas da Bíblia, o livro capital da mitologia judaico-cristã. Já mereceu várias adaptações e versões para o cinema e a tv.  Mas nenhuma tão estranha como a do diretor Darren Aronofsky. Para ele: “- O público pode esperar por todos os grandes momentos da história de Noé: a Arca, os animais, o primeiro arco-íris, a pomba. Mas espero que tenham sido capturados de maneira nova e inesperada. Em vez de repetir o que já foi visto anteriormente, consideramos cuidadosamente o que está escrito no Livro de Gênesis e, depois, criamos um cenário na tela onde achamos que estes milagres poderiam ocorrer”.

Bem, se a primeira impressão é que fica, logo de cara, ao deparar com o figurino estiloso..., homens e mulheres (!) vestindo calças compridas, corte reto (as das mulheres justinhas e enrugadinhas), camisas e casacos modernos, bem costurados e bem chuleados..., o espectador se sente transportado para um filme de ficção científica pós-apocalíptico, onde é comum esse tipo de vestimenta. A roupa, muito bacana, chama mais atenção que a trama, principalmente porque deixa um monte de perguntas sem respostas: Se o errante Noé vivia no deserto com a sua esposa e os três filhos, não tinha ovelhas e nenhuma plantação de algodão, ou sequer uma máquina de fiar, nem contado com a “civilização de homens” (?!), quem desenhava e tecia os tecidos? No princípio do mundo judeu já existia brim, jeans, blusa plissada? Sendo vegetarianos/veganos porque usavam (e onde conseguiam?) arrojadas botas e peças de couro? Empaquei! Ah, melhor seguir com outro assunto.


Noé (Noah, EUA, 2014) é um drama/fantasia de ação e alguma aventura livremente inspirado no personagem bíblico Noé. Aquele homem que, submisso a um Deus tirano, construiu uma arca para salvar a sua família e um casal de cada espécie animal da ira divina, em forma de dilúvio universal, que varreu do planeta o resto dos habitantes..., e depois (incestuosamente?) repovoou a Terra. Com roteiro de Aronofsky e Ari Handel a trama está mais para naufrágio do que para resgate do espectador descrente que vai boiar ou se enterrar com os homens de pedra “emprestados” de O Senhor dos Anéis.  Se no “original” a história (quem conta um conto aumenta um ponto) já é inverossímil, na telona, então...

A trama (previsível, óbvio!) segue a nado cachorrinho. Quando parece que vai engatar, surge uma goteira de água fria. Não estou falando da insuportável onipresente trilha chorosa, mas do enredo pouco inspirado e seus clichês religiosos..., com certeza ao gosto dos “crentes fé cega” e criacionistas. Haja devoção! Tudo se resolve com pedras, ervas e semente mágicas. Ou se justifica com um acampamento de “homens” maus, pecaminosos, ateus..., argh!!! Até mesmo um trabuco (?!) dá o explosivo ar da graça. Outro mistério: onde, no meio do nada, arranjam pólvora e ou forjam armas, correntes, ferramentas? Enfim, não falta nem correção do Gênesis: “Antes dos peixes, foram criados animais enormes (dinossauros?) que desapareceram da Terra”. Eu ouvi isso?!


Noé tem cara de história bíblica para adolescente romântico. Conta com umas duas ou três boas sequências, incluindo aí uns dois ou três bons diálogos, digo, monólogo (de Noé), cujo assunto, é claro, é o embate entre o Deus (tirano) e a sua criação infiel (homens). Pelo menos na hora me pareceram inspirados! Os efeitos especiais beiram o ridículo..., nada de encher os olhos, apenas ilustram o roteiro. O desenho dos homens de pedra e das borradas cenas de batalha é horrível, primário! O elenco acompanha a história: assim assim! Em tempo, como ocidentais (artistas ou não) adoram ocidentalizar os orientais, Noé (Russell Crowe) e família são brancos, bons e bonitos. O “rei” Tubal-Cain (Ray Winstone) e súditos são morenos, malvados e feios.

Um filme na medida para religiosos crédulos e incrédulos estilistas de moda sem inspiração.

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