quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Crítica: Alpha

ALPHA
por Joba Tridente

Nos últimos anos as salas de cinemas têm sido tomadas principalmente por produções espetaculares, repletas de super-heróis em ação na Terra e no Universo além, voltadas para o publico juvenil e adulto. Eis que, neste finzinho de inverno sul-americano e na contramão da pancadaria norte-americana, nos chega um singelo exemplar no melhor estilo de épico pré-histórico: Alpha, dirigido com habilidade e farta imaginação por Albert Hughes (O Livro de Eli).


Situado na Europa de 20.000 anos atrás, ali pelo final da Idade do Gelo, o roteiro simples, mas envolvente, de Daniele Sebastian Wiedenhaupt, nos traz a curiosa história de amizade entre o pré-adolescente Keda (Kodi Smit-McPhee) e o lobo Alpha (Chuck, um cão-lobo checo)..., sugerindo o momento de domesticação dos canídeos pelos homens. Keda é filho Tau (Jóhannes Haukur Jóhannesson), um chefe Cro-Magnon, e na sua primeira caça aos bisontes, onde se confirmará o seu rito de passagem (de jovem para adulto), ele sofre um grave acidente e é dado como morto pelos membros da tribo. Ao recobrar a consciência e tendo apenas uma tatuagem estelar para se orientar, Keda inicia o longo e difícil caminho de volta para casa. Uma jornada (do herói) que fará na companhia de Alpha, um lobo que feriu e depois curou, após o enfrentamento com a alcateia. Durante a acidentada viagem de retorno, um protegerá o outro, pois, como disse Antoine de Saint-Exupéry, em O Pequeno Príncipe (1943): “Tu te tornas eternamente responsável por aquele que cativas”.


Acompanhando a rota da fala inusitada..., que anteriormente repercutiu o fascinante A Guerra do Fogo (1981), de Jean-Jacques Annaud, com diálogos em língua original escrita por Anthony Burgess e Desmond Morris..., para Alpha foram criadas cerca de 1.500 palavras, que, infelizmente, no Brasil não serão ouvidas pelos espectadores, já que todas as cópias (com a estúpida desculpa de ser filme infantojuvenil) serão dubladas. Uma pena, pois, segundo a crítica norte-americana, a língua usada no filme é bem interessante (e rara nesse tipo de entretenimento, já que, do ponto de vista cinematográfico estadunidense, o inglês é falado da pré-história terrestre a qualquer canto futurístico do Universo onde o homem jamais esteve) e valoriza o contexto. A ironia maior é que geralmente Hollywood refilma produções estrangeiras de sucesso, porque o publico americano odeia legendas e agora está se deliciando (sem perceber) com a “brincadeira” linguística. Será que por aqui, onde infelizmente cresce o número de filmes dublados (sempre pelas mesmas cansativas e automáticas vozes a serviço (?) de um público com preguiça mental), o dublaram (e muito mal!) porque não sabiam traduzir a fictícia língua pré-histórica? E olha que os diálogos são mínimos...


Enfim, com sua interessante e econômica trama (pontuada com mensagens edificantes: Ele lidera com o coração e não com a lança. Levante a sua cabeça e seus olhos a seguirão.), Alpha se conecta facilmente tanto aos espectadores infanto-juvenis (público alvo) quanto aos mais velhos (principalmente se amantes dos cães). Não faltam recursos estéticos para um apreciável mergulho (ou seria sobrevoo?) numa paisagem árdua, porém deslumbrante, que reproduz satisfatoriamente a visão da paleontologia, emoldurada pela sensível fotografia de Martin Gschlacht e efeitos especiais que se destacam em sequências de tirar o fôlego, como a da alucinante caça aos bisontes e a do drama de Keda preso sob o gelo...


Se você relevar algumas liberdades poéticas (que em momento algum comprometem a narrativa) ou não se importar com a ousadia do figurino inacreditavelmente bem cortado e bem costurado (acho que é do mesmo desenhista de moda e costureiro bíblico do ridículo Noé, de Darren Aronofsky), com certeza vai apreciar este admirável conto de ação e aventura (cujo foco vagueia entre o infantil o juvenil e o adulto) ao falar (sem pieguice!) de autoconhecimento, de superação e de amizade. A época (pré-histórica) aqui é um mero detalhe, já a questão de sobrevivência humana (e a relação com os cães) continua inalterada milênios depois...


*Joba Tridente: O primeiro filme vi (no cinema) aos 5 anos de idade. Os primeiros vídeo-documentários fiz em 1990. O primeiro curta (Cortejo), em 35mm, realizei em 2008. Voltei a fazer crítica em 2009. Já fui protagonista e coadjuvante de curtas. Mas nada se compara à "traumatizante" e divertida experiência de cientista-figurante (de última hora) no “centro tecnológico” do norte-americano Power Play (Jogo de Poder, 2003), de Joseph Zito, rodado aqui em Curitiba

2 comentários:

  1. Parabéns pelo comentário. Simples e honesto.Li diversas críticas negativas ao filme,infundadas é claro. Ora. Reclamam de pouco diálogo? Claro. Os humanos daquela época não tinham um rico vocabulário. Reclamam do jovem pela falta de coragem? Mas é claro. Imagine, um jovem de 18 anos, passando por uma experiência nova e traumática.Reclamam dos efeitos especiais? Sinceramente, não percebi nenhum erro durante todo o filme. Os críticos estão assistindo muitos filmes da Marvel e DC, e acham que todo filme tem que ter um herói com super poderes. No filme, temos dois heróis. O Jovem e a loba, sim, o Alfa não é um lobo!!!O filme deverá agradar a todas as idades, e o final é simplesmente emocionante. Assisti o filme legendado, e como disse o Joba,é muito interessante escutar o idioma daquele povo. Não é uma obra prima, mas atende o objetivo principal que é entreter e mostrar que a amizade é tudo!

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    1. ..., gratíssimo, Miguel Angelo Pinguelli, por sua visita, leitura e considerações. ..., como também notou, coragem tem nada a ver com força bruta. ..., grande abraço. T+

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