Até chegar aos cinemas, a história revista do gigantesco
cachalote (26 metros), batizado de Moby
Dick (1851), por Herman Melville
(1819-1891), tem uma rota curiosa. O primeiro relato desta fascinante e
sinistra “aventura”, vivida pelos marinheiros do baleeiro Essex, em 20 de
novembro 1820, está no livro Narrative of
the Most Extraordinary and Distressing Shipwreck of the Whale-Ship Essex, do
primeiro imediato Owen Chase (1797-1869),
publicado em 1821 e que serviu de inspiração à Melville. Outro tripulante do
Essex, Thomas Gibson Nickerson (1805-1883),
que aos 14 anos servia como grumete no baleeiro, a pedido do insistente
escritor Leon Lewis, escreveu, em 1876, também as suas memórias do trágico
acontecimento..., porém, os seus originais ficaram perdidos até 1960 e, após
autenticação em 1980, ganharam uma versão resumida, com o título The Loss of the Ship "Essex" Sunk
by a Whale and the Ordeal of the Crew in Open Boats, publicada pela
Associação Histórica de Nantucket, em 1984, e inspirou In the Heart of the Sea (2000), de Nathaniel Philbrick..., que, por sua vez, é a base do filme
homônimo dirigido por Ron Howard.
No Coração do Mar
(In the Heart of the Sea, 2015) é um
fascinante épico de ação e aventura marítima que reconstitui (em estilo
documental) a grande tragédia do baleeiro Essex que, abalroado por uma
gigantesca baleia cachalote, em novembro de 1820 naufragou e deixou 21 homens, em
três barcos, à deriva no mar, de onde, ao final de 94 dias das mais terríveis
provações, incluindo canibalismo, só 8 foram resgatados vivos.
A partir do roteiro compacto de Charles Levitt, a narrativa acompanha
o doloroso relato do velho marinheiro Tom
Nickerson (Brendan Gleeson) a Herman Melville (Ben Whishaw). Nickerson
era um adolescente (Tom Holland)
cheio de sonhos, quando embarcou para a sua primeira viagem no Essex, cuja
tripulação era comandada pelo inexperiente e orgulhoso capitão George Pollard (Benjamin Walker), que se sentia desconfortável diante da segurança
e conhecimento do imediato Owen Chase
(Chris Hemsworth), respeitado pelos
marinheiros. O que o garoto Tom Nickerson
testemunhou nessa tumultuada e fatídica viagem, cheia de desavenças e principalmente
horror, após o ataque da baleia, se tornaria um pesadelo que o atormentaria por
toda a sua vida.
Com produção de encher os olhos, No Coração do Mar seduz o espectador não apenas por trazer um ponto
de vista mais visceral e incômodo à história (também de crueldade) contada por
Melville, em Moby Dick, mas também
pela grandiosidade da produção rica em efeitos especiais que dão maior
veracidade à narrativa. O enredo
acerta ao privilegiar apenas o essencial (isso está virando tendência em
Hollywood!) do livro de Nathaniel Philbrick: o drama (que não é pouca coisa) da
tripulação do Essex, deixando meio de lado as referências à economia baleeira
que movimentava o cotidiano do povoado de Nantucket, de onde saíram. Assim,
evita as sempre descartáveis histórias paralelas de comida para bagre que, no
fundo, não servem nem de isca para moreia.
A direção Ron
Howard é admirável. A trama tem excelente fluência..., começa leve, num clima
romântico, e antes que se perceba o tom já é de aventura e conforme o vento sopra
as velas, a ação ganha o mar até o movimento das águas trazer a tragédia jamais
prevista e arrebatar o coração de cada um à deriva sob o olhar (justiceiro?) da
cachalote. Nem mesmo as paradas (técnicas) para reabastecimento de informações
(flashback) na entrevista de Nickerson a Melville faz o drama perder
o ritmo e a intensidade. Na verdade lhe injeta mais ar, já que é esta conversa tensa
e fragmentada que conduz a envolvente história (sem a necessidade de
insuportável narrador/off) e ao final justifica a versão sombria e quase fictícia
de Herman Melville em Moby Dick.
Enfim, considerando que a profundidade do drama nos faz
refletir sobre os valores morais do ser humano diante de tragédias e sobre o instinto
de sobrevivência das espécies; que Hovard explora todas as nuances do ótimo roteiro,
sem jamais cair na pieguice ou se tornar refém do clichê fácil do susto, optando
por sugerir e não explicitar algumas situações incômodas; que o carismático e
equilibrado elenco navega muito bem em águas turvas; que as cenas com a baleia cachalote impressionam
pelo realismo; que o 3D de profundidade é bom; que a edição ágil de Mike Hill impressiona e a
fotografia de Anthony Don Mantle (alheia
aos efeitos especiais?) é primorosa e em algumas cenas lembra grandes pinturas
a óleo..., acredito que se você gostou das versões cinematográficas de Moby Dick, também vai gostar deste outro
lado da história, onde o maior protagonista é o homem e suas mazelas.
Não sei se No Coração do Mar vai se tornar um
clássico ou um mero número na coleção de filmes do gênero, mas, por enquanto, é
um belo espetáculo em alto mar e terra firme!
Nenhum comentário:
Postar um comentário