Acredita-se
que houve um tempo em que o mundo, ou pequena parte dele, era governado por
mulheres: matriarcado. Desde os tempos desconhecidos sabe-se que o mundo, ou
maior parte dele, é governado por homens: patriarcado. Talvez a visão do
matriarcado seja futurista e não passadista. Todavia do poder, no entanto,
ainda que os movimentos femininos e ou feministas marquem presença, a sociedade continua se
submetendo à machofalocracia. Não fosse esse “detalhe” as mulheres não
precisariam ir às ruas clamar por direitos iguais (aos dos homens):
trabalhistas, sociais, religiosos, políticos etc.
As Sufragistas (Sufragette,
2015), dirigido por Sarah Gravon, a
partir do roteiro de Abi Morgan, é um drama social fictício, mas inspirado em
fatos e personagens que por quase 60 anos (1870-1929) provocaram grande
ebulição na Grã-Bretanha conservadora. Embora discurse (no subtexto) sobre
questões trabalhistas e assédio sexual, o seu foco é a luta - que começou
pacífica e se tornou violenta - das inglesas pelo direito de votar e fazer
diferença nas decisões parlamentares.
O enredo, à
beira do melodrama, acompanha o envolvimento da sofrida Maud Watts (Carey Mulligan),
funcionária de uma lavanderia, com a União Social e Política das Mulheres (Women's
Social and Political Union - WSPU), o atuante e radical Movimento Sufragista na
Grã-Bretanha do começo do século vinte. Sabe aquela história do tudo ou nada?
Então, Maud levava uma vida miserável
e conformada (digna de Dickens) na companhia do marido Sonny (Ben Whisshaw) e
do filho George (Adam Michael Dodd), até que uma mera e ocasional gota d’água quente
no poço de mágoas a colocou no meio do furacão das reivindicações femininas (“Votos para as Mulheres!”) e num caminho
(praticamente) sem volta e de alto custo para ela e suas companheiras ativistas
mais radicais, como a farmacêutica Edith
Ellyn (Helena Bonham Carter), Violet (Anne-Marie Duff), Emily
Davison (Natalie Press) e a líder
Emmeline Pankhurst (Meryl Streep). Praticar a desobediência
civil pode ser uma forma de chamar a atenção para a causa, mas requer bem menos
coragem que a necessária para enfrentar o ambíguo investigador Arthur Steed (Brendan Gleeson), o caçador de Sufragistas.
Embora o
assunto “Votos para as Mulheres!” a
cada dia pareça uma evocação de um mundo médio-oriente mais distante, há, na
pauta global cotidiana, muitas questões delicadas pertinentes ao universo
feminino a serem discutidas por mulheres e não monopolizadas por homens:
educação, família, salário, filhos... Questões que estão na costura de fundo de
As Sufragistas, mas que, assim como
a história real das personagens e do movimento, acabam se perdendo na ênfase sentimentaloide da ficção adaptada
ao ponto de vista proletário de Maud,
ainda que pese a ação panfletária das outras ativistas.
As Sufragistas é um filme imbuído de boas
intenções, mas não o suficiente para vencer a linearidade e tornar o espectador
conivente com a extremada (ou seria explosiva?) causa feminina inglesa. O fato
centenário tem a sua relevância histórica para as mulheres da Grã-Bretanha, mas
o enredo piegas não vai muito além de um registro distante e sentimental, onde a
emoção (ou coração de mãe) conta mais que a insensatez feminina e masculina. Assim,
nessa confidência de última hora, a impressão é a de que nem tudo está sendo
revelado e, portanto, enquanto a fumaça não dissipa, o melhor é esperar a
próxima (re)ação e ou eventual manchete de jornal.
Enfim, considerando que, na trama, de real há apenas a
líder Emmeline Pankhurst (1858-1928) e Emily Davison (1872-1913), uma vez que a
farmacêutica Edith Ellyn é uma homenagem à famosa sufragista Edith Garrud
(1872-1971), especialista em artes marciais; que, excetuando a “obsessão” pelo direito
de votar , quase nada se sabe da motivação e ou da vida das ativistas fictícias e
ou reais; que o elenco é excelente e a produção está impecável na
reconstituição de época (sépia-sombria); que, embora seja um filme com apelo
feminino (produzido, escrito e
dirigido por mulheres), não deve motivar as espectadoras mais radicais a sair
explodindo coisas no retorno para casa..., vale como curiosidade meio-histórica, já que o que se vê é meia verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário