O
cineasta Marcos Stankievicz Saboia é o atual coordenador da Cinemateca de
Curitiba e autor do artigo Cinemateca de Curitiba - 40 Anos - Um Breve Panorama (link no título), publicado
anteriormente. Para saber um pouco mais sobre os dias presentes e futuros da instituição,
não explorados no artigo, o Claque ou
Claquete o procurou para um bate-papo. Esperava realizar uma entrevista
meio claque (divertida) e meio claquete (séria)..., já que o entrevistado é bem-humorado.
Mas, cá pra nós, acho que ficou claquete demais. Confira porque a Cinemateca de
Curitiba não é apenas uma bela construção histórica.
Marcos Stankievicz Saboia - Foto: Acervo/Cinemateca |
Claque ou Claquete: Marcos Saboia, quarenta anos da Cinemateca
de Curitiba, o que lhe parece os próximos quarenta, principalmente com os
avanços tecnológicos?
Marcos Stankievicz Saboia: Nestes
últimos anos, o cinema tem passado por uma de suas grandes revoluções, talvez a
maior, migrando do analógico ao digital em toda a cadeia, ou seja, desde a
captação até a exibição. Nestes quarenta anos mudou bastante também a forma de
fruição, pois hoje se pode acessar de casa virtualmente qualquer obra que se
queira ver. Precisamos repensar o que significa o Cinema e a função de uma
Cinemateca. A fruição de um filme na sala escura e em companhia de outras
pessoas é agora apenas uma das formas de se ver filmes e quando a Cinemateca de
Curitiba foi inaugurada, era praticamente a única. Acho que esta é uma
experiência insubstituível, mas as novas gerações já não veem isto como um
evento. Os blockbusters norte-americanos trabalham, por motivos comerciais, com
a criação de expectativa, mas rapidamente logo após o lançamento vão para
outras plataformas como DVD, bluray e TV ondemand. Acredito que as salas
continuarão existindo, mas menos como uma forma popular de entretenimento e
cultura e mais como uma sala de concertos, com alguns puristas defendendo que
filme deve ser visto na sala escura. Espero que não seja assim e que o cinema,
usufruído coletivamente, coexista com as outras plataformas.
CC: No Paraná há uma nova geração de cineclubistas ocupando os mais
diversos espaços, inclusive o da Cinemateca, como você vê este renascimento em
tempos de comodidades domésticas via tv e web?
MSS: A troca de experiências é sempre
saudável. A retomada da discussão sobre cinema, numa sala de exibição, permite
a descoberta de novos diretores e cinematografias. É interessante notar que cada
cineclube tem suas características, mas mesmo assim colocam os frequentadores
fora da casinha, mais do que pesquisas pessoais na internet, que utilizam
algoritmos que conduzem o interessado a resultados relacionados ao seu perfil
de pesquisa como se dissesse: se você gostou deste filme vai querer comprar
este. Recentemente, uma das locadoras mais completas do Brasil fechou as
portas, a 2001 em São Paulo. Comentou-se na mídia, que inúmeros filmes raros, do
seu catálogo, não estão disponíveis nem na internet. Ou seja, a rede de
computadores não é exatamente este repositório de tudo o que já foi feito.
Atualmente, as lojas que comercializam filmes estão interessadas em vender o
que há de mais recente. Os funcionários da 2001 eram conhecidos pela cinefilia.
Acabamos ficando sem referências.
Fachada da Cinemateca de Curitiba - Foto de Nivaldo lopes |
CC: Quem melhor usufrui dos serviços da Cinemateca de Curitiba,
pesquisadores em busca de raridades do acervo ou espectadores em busca de novas
linguagens?
MSS: Acredito que ambos. Recentemente
uma estudante de pós-graduação, do Rio de Janeiro, pesquisando documentação
sobre Serguei Eisenstein, encontrou em nosso Centro de Pesquisa um material
gráfico que ela considerou o mais completo já visto em acervos do Brasil. Quanto
ao nosso público, que prefere cinematografia periférica ao cinema estritamente
comercial, não tem do que reclamar.
CC: A programação da Cinemateca prioriza o ineditismo em produções
nacionais e estrangeiras?
MSS: Temos dificuldade em passar
filmes novos, uma vez que o preço de nossos ingressos é de menos da metade do
praticado comercialmente. Logicamente a negociação com as distribuidoras fica
mais difícil. Todos sabem da dificuldade de exibição que aflige as produções
nacionais. Neste sentido somos um espaço aberto ao cinema brasileiro. Também exibimos
filmes que não foram lançados em Curitiba e que são disponibilizados por
instituições que os oferecem como política cultural. Como somos uma sala
diferenciada, já tivemos casos em que um determinado filme, depois de uma curta
carreira no circuito comercial foi disponibilizado para exibição aqui e
alcançou grande sucesso de público.
CC: Com uma programação que se destaca pela qualidade e um preço de
ingresso, praticamente simbólico, qual é a preferência do espectador curitibano
diante de filmes brasileiros e estrangeiros, mostras, ficção e documentários?
MSS: O número de espectadores varia muito conforme a programação. Alguns
filmes atraem mais que outros. É normal. A grande afluência se dá mesmo é com
as mostras de cinematografias, pouco ou jamais exibidas em cinemas comerciais, proporcionadas
por instituições de países que sabem que esta é uma forma essencial para
difundir sua arte e cultura.
Crianças na Cinemateca de Curitiba - Foto: Acervo da Cinemateca |
CC: Alguns cineastas e distribuidores dizem que os sulistas, principalmente
os curitibanos, não gostam de filme brasileiro, seja ficção ou documentário. O
que acha, afinal a Cinemateca exibe muita produção nacional?
MSS: Não creio que Curitiba esteja
muito fora da curva do mercado nacional. Não sei de estatísticas, mas a grande
maioria dos filmes brasileiros não tem espaço ou público consistente. A Cinemateca
exibe uma proporção muito maior de cinema brasileiro do que o circuito
comercial que, muitas vezes, à exceção das comédias e um ou outro caso, exibe
devido à obrigatoriedade da cota de tela do cinema nacional.
CC: A Cinemateca faz exibições na periferia, mas também traz grupos de
estudantes para sessões de cinema na sede, qual é o retorno dessas iniciativas?
MSS: Este ano (2015) atendemos, com
esses projetos, mais de 6000 estudantes e grupos especiais. Mensalmente fazemos
sessões com audiodescrição, para pessoas com deficiência visual. Os filmes
apresentados são brasileiros e se adequam à faixa etária. É um trabalho lúdico
e de descoberta. O retorno é incomensurável e muito satisfatório. O Julio César
Manso Vieira é o responsável pela área de ação cultural e o Miguel Gubert
agenda as escolas.
CC: Há um bate-papo com os espectadores sobre o filme exibido e ou sobre um
gênero que eles gostariam de ver?
MSS: Sim, há sempre uma conversa
sobre o que as crianças ou adolescentes assistiram, sobre o cinema em si e
sobre o espaço da Cinemateca.
Estudantes na Cinemateca - Foto: Acervo da Cinemateca |
CC: Hoje, quais são as atividades da Cinemateca de Curitiba?
MSS: Além dos cursos práticos de
cinema, a nossa função básica é preservar, difundir e incentivar a pesquisa do
cinema, mas não só de Curitiba e do Paraná. A Cinemateca também atende a muitos
alunos que, obrigados, vêm fazer pesquisas escolares e ao conhecer o espaço e aprender
sobre produção cinematográfica, se surpreendem com existência de uma
instituição que se dedica a preservar e a difundir filmes. Esses jovens, com
certeza, passarão a ver o cinema, principalmente o brasileiro e paranaense, com
novos olhos. Há, ainda, o Projeto de Ação Educativa que recebe pessoas que
nunca foram a um cinema e nem imaginam que existe um espaço que cuide e mostre
este mundo a elas.
CC: Nos primórdios da Cinemateca, ter uma carteirinha de associado dava
status. E hoje, a Cinemateca ainda tem os seus sócios de carteirinha?
MSS: Não existe mais a emissão das
carteirinhas que, na época, mediante a uma mensalidade bem baixa, permitia o
livre acesso aos filmes exibidos. Atualmente grande parte de nossa programação
é gratuita ou, quando filmes de distribuidora, o valor do ingresso é bem abaixo
do praticado no mercado.
Sala de Exibição da Cinemateca do Museu Guido Viaro - Foto: Marcos Campos |
MSS: Não cheguei a ter esta
carteirinha, mas fui um frequentador assíduo. A Cinemateca me apresentou, por
exemplo, meu cineasta de coração que é o Buñuel e do qual assisti a uma grande
mostra no antigo prédio. Vi lá, também, abraçado a uma coluna que ficava no
meio da sala, Apocalipse Now, do Coppola.
CC: No seu artigo Cinemateca de Curitiba - 40 anos, você cita diversos
afiliados que participaram de cursos, oficinas, laboratórios de cinema e se
tornaram cineastas reconhecidos, a tradição continua?
MSS: Procuramos manter os cursos
práticos de cinema na Cinemateca de Curitiba, pois esta característica a marcou
desde sua fundação. Atualmente ministrado por Geraldo Pioli, Nivaldo Lopes e
eu. Nossos cursos são muito procurados. A média é de 600 candidatos para as 30
vagas disponíveis.
Curso Prático de Cinema - Foto: Acervo da Cinemateca |
MSS: Tem alunos interessados em
apenas conhecer as práticas de produção de um filme e outros que pretendem
seguir carreira. Em toda turma, há sempre um ou outro mais focado neste
objetivo e que acaba abraçando a profissão. Tem inúmeras maneiras de se dedicar
ao cinema. Precisamos de técnicos, pesquisadores, historiadores e, puxando um
pouco pro meu lado, de preservadores.
CC: Lembra de algum que, após o curso prático de cinema, tenha realizado
algum curta e ou longa e lançado na Cinemateca?
MSS: Sim! O Eduardo Calegari, auxiliado
por outros ex-alunos nossos, realizou o curta Looping, pela Lei de Incentivo; o
Marcelo Anc montou uma empresa de locação de equipamentos e tornou-se fotógrafo;
a Carol Mira, após o curso, graduou-se em cinema e agora faz mestrado em
antropologia ligada ao cinema...
Geraldo Pioli, Marcos Saboia, Mario Kuppermann, Nivaldo Lopes - Acervo/Cinemateca |
MSS: Sim! O Anselmo Duarte
(1920-2009) já esteve por aqui. Recentemente recebemos a visita dos documentaristas
Mario Kuppemann, que gentilmente veio para um bate-papo e para entregar os
equipamentos cinematográficos que nos doou, e do palestino Emad Burmat, que
veio apresentar o seu filme 5 Câmeras Quebradas e encantou a plateia com a sua
história.
CC: Qual é o apoio que a Cinemateca dá a AVEC (Associação de Cinema e Vídeo
do Paraná) e aos cineastas profissionais?
MSS: Basicamente cedemos espaço
para reuniões, exibição, sessões teste, lançamento.
CC: E o papel da Cinemateca na discussão de Normas da Lei de Incentivo Municipal?
MSS: Quanto à Lei, atualmente, alguns
funcionários da Cinemateca representam a Fundação Cultural junto à Comissão de Mecenato.
CC: A Cinemateca tem verba própria? Trabalha com parcerias? Tem apoio da
iniciativa privada?
MSS: Somos
uma instituição pública, parte da Fundação Cultural de Curitiba. A nossa verba
vem da prefeitura, através da FCC. Não temos apoio da iniciativa privada de
forma direta. Nosso curso prático de cinema, por exemplo, é viável graças ao Projeto
Federal Rede Olhar, da fase do Gilberto Gil no Ministério da Cultura
(2003-2008), que nos forneceu equipamentos de produção.
Emad Burmat e Nivaldo Lopes - Acervo/Cinemateca |
MSS: A Cinemateca de Curitiba tem objetivo
e perfil bem estabelecidos. Instituições semelhantes, agora reunidas através da
Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), apoiam-se mutuamente,
com troca de informações e experiências. Assim, uma vez que nossas bases estão
bem colocadas, os problemas que aparecem tornam-se menos traumáticos.
CC: Como se compõe a equipe técnica da Cinemateca? Quantos funcionários?
Todo pessoal técnico é ligado, de alguma forma, ao fazer cinematográfico?
MSS: Na Cinemateca somos 25
funcionários diretos do setor. Nem todo o nosso pessoal é necessariamente
ligado à área, pois temos administrativos, manutenção, segurança,
projecionistas, porteiros, bilheteiros...
CC: Todo acervo da Cinemateca está restaurado, digitalizado e disponível
para empréstimo e ou cessão de imagens?
MSS: Grande parte do nosso acervo,
que conta com mais de 2500 entradas em película, já está digitalizado. No
momento, o material está disponível para pesquisa. Quanto ao empréstimo e a
cessão de imagens, são analisados caso a caso e, uma vez que a propriedade
intelectual é inalienável, dependem da autorização dos detentores dos direitos.
Seguimos basicamente a Lei de Direitos Autorais brasileira e o Código de Ética
proposto pela FIAF (Federação Internacional de Arquivos de Filmes) e das demais
cinematecas nacionais.
CC: Nestes quarenta anos, a Cinemateca editou algum material sobre a sua
história e ou acervo?
MSS: Temos o Dicionário do Cinema no Paraná (2005), de Francisco Alves dos Santos,
e um Boletim Informativo, ambos editados
pela Fundação Cultural de Curitiba em comemoração aos 30 anos da Cinemateca.
CC: Há alguma previsão de uma edição revista e ampliada do Dicionário de
Cinema do Paraná?
MSS: Por enquanto não há previsão.
Mas existe, sim, a necessidade de mais pesquisas como essa.
Exposição de Cartazes - Acerco/Cinemateca |
CC: Aproveitando o gancho, em junho de 2015 a Cinemateca de Curitiba foi homenageada
na 10ª Mostra de Cinema de Ouro Preto - CINEOP, e para Curitiba, o que está
programado para a comemoração que se estende até o mês de abril de 2016?
MSS: Em 2015 a Cinemateca de
Curitiba foi tema de quatro mostras de cartazes que resgatam a sua história e
de dois filmes realizados pelos alunos do curso prático de cinema: o curta de
ficção Você Foi Avisado e o documentário sobre os 40 Anos da Cinemateca. O
documentário, em fase final da edição definitiva, será disponibilizado para
todo o país. Para 2016 estão programadas várias mostras de nosso acervo
cinematográfico, começando em janeiro com a exibição de curtas realizados nos
cursos. Esperamos, também, para o próximo ano, o início da construção de um
novo espaço, que contará com duas salas de exibição e áreas especialmente
adaptadas para cursos, exposições e palestras.
CC: Marcos, esta pergunta é para o cineasta, acredita que, assim com o
Super8, a película também terá seus seguidores num mundo cada vez mais digital?
MSS: Já vi muitas pessoas,
principalmente no começo da popularização do vídeo, tentando que seus filmes
ficassem com “cara de cinema”. São coisas diferentes. O S-8 está passando por
uma retomada e as pessoas fazem filmes em S-8 conscientes das características
únicas do suporte. Infelizmente ficará impossível produzir filme em película
pela falta de material e equipamentos para processamento. Poucos cinemas mantêm
projetores analógicos atualmente. Isto é um problema grave também à preservação
de filmes, uma vez que a tecnologia em película é bem mais confiável em termos
de durabilidade do que o que temos hoje em digital.
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