quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Entrevista: Marcos Stankievicz Saboia

O cineasta Marcos Stankievicz Saboia é o atual coordenador da Cinemateca de Curitiba e autor do artigo Cinemateca de Curitiba - 40 Anos - Um Breve Panorama (link no título), publicado anteriormente. Para saber um pouco mais sobre os dias presentes e futuros da instituição, não explorados no artigo, o Claque ou Claquete o procurou para um bate-papo. Esperava realizar uma entrevista meio claque (divertida) e meio claquete (séria)..., já que o entrevistado é bem-humorado. Mas, cá pra nós, acho que ficou claquete demais. Confira porque a Cinemateca de Curitiba não é apenas uma bela construção histórica.


Marcos Stankievicz Saboia - Foto: Acervo/Cinemateca
Claque ou Claquete: Marcos Saboia, quarenta anos da Cinemateca de Curitiba, o que lhe parece os próximos quarenta, principalmente com os avanços tecnológicos?

Marcos Stankievicz Saboia: Nestes últimos anos, o cinema tem passado por uma de suas grandes revoluções, talvez a maior, migrando do analógico ao digital em toda a cadeia, ou seja, desde a captação até a exibição. Nestes quarenta anos mudou bastante também a forma de fruição, pois hoje se pode acessar de casa virtualmente qualquer obra que se queira ver. Precisamos repensar o que significa o Cinema e a função de uma Cinemateca. A fruição de um filme na sala escura e em companhia de outras pessoas é agora apenas uma das formas de se ver filmes e quando a Cinemateca de Curitiba foi inaugurada, era praticamente a única. Acho que esta é uma experiência insubstituível, mas as novas gerações já não veem isto como um evento. Os blockbusters norte-americanos trabalham, por motivos comerciais, com a criação de expectativa, mas rapidamente logo após o lançamento vão para outras plataformas como DVD, bluray e TV ondemand. Acredito que as salas continuarão existindo, mas menos como uma forma popular de entretenimento e cultura e mais como uma sala de concertos, com alguns puristas defendendo que filme deve ser visto na sala escura. Espero que não seja assim e que o cinema, usufruído coletivamente, coexista com as outras plataformas.

CC: No Paraná há uma nova geração de cineclubistas ocupando os mais diversos espaços, inclusive o da Cinemateca, como você vê este renascimento em tempos de comodidades domésticas via tv e web?

MSS: A troca de experiências é sempre saudável. A retomada da discussão sobre cinema, numa sala de exibição, permite a descoberta de novos diretores e cinematografias. É interessante notar que cada cineclube tem suas características, mas mesmo assim colocam os frequentadores fora da casinha, mais do que pesquisas pessoais na internet, que utilizam algoritmos que conduzem o interessado a resultados relacionados ao seu perfil de pesquisa como se dissesse: se você gostou deste filme vai querer comprar este. Recentemente, uma das locadoras mais completas do Brasil fechou as portas, a 2001 em São Paulo. Comentou-se na mídia, que inúmeros filmes raros, do seu catálogo, não estão disponíveis nem na internet. Ou seja, a rede de computadores não é exatamente este repositório de tudo o que já foi feito. Atualmente, as lojas que comercializam filmes estão interessadas em vender o que há de mais recente. Os funcionários da 2001 eram conhecidos pela cinefilia. Acabamos ficando sem referências.

Fachada da Cinemateca de Curitiba - Foto de Nivaldo lopes
CC: Quem melhor usufrui dos serviços da Cinemateca de Curitiba, pesquisadores em busca de raridades do acervo ou espectadores em busca de novas linguagens?

MSS: Acredito que ambos. Recentemente uma estudante de pós-graduação, do Rio de Janeiro, pesquisando documentação sobre Serguei Eisenstein, encontrou em nosso Centro de Pesquisa um material gráfico que ela considerou o mais completo já visto em acervos do Brasil. Quanto ao nosso público, que prefere cinematografia periférica ao cinema estritamente comercial, não tem do que reclamar.

CC: A programação da Cinemateca prioriza o ineditismo em produções nacionais e estrangeiras?

MSS: Temos dificuldade em passar filmes novos, uma vez que o preço de nossos ingressos é de menos da metade do praticado comercialmente. Logicamente a negociação com as distribuidoras fica mais difícil. Todos sabem da dificuldade de exibição que aflige as produções nacionais. Neste sentido somos um espaço aberto ao cinema brasileiro. Também exibimos filmes que não foram lançados em Curitiba e que são disponibilizados por instituições que os oferecem como política cultural. Como somos uma sala diferenciada, já tivemos casos em que um determinado filme, depois de uma curta carreira no circuito comercial foi disponibilizado para exibição aqui e alcançou grande sucesso de público.

CC: Com uma programação que se destaca pela qualidade e um preço de ingresso, praticamente simbólico, qual é a preferência do espectador curitibano diante de filmes brasileiros e estrangeiros, mostras, ficção e documentários?

MSS: O número de espectadores varia muito conforme a programação. Alguns filmes atraem mais que outros. É normal. A grande afluência se dá mesmo é com as mostras de cinematografias, pouco ou jamais exibidas em cinemas comerciais, proporcionadas por instituições de países que sabem que esta é uma forma essencial para difundir sua arte e cultura.

Crianças na Cinemateca de Curitiba - Foto: Acervo da Cinemateca
CC: Alguns cineastas e distribuidores dizem que os sulistas, principalmente os curitibanos, não gostam de filme brasileiro, seja ficção ou documentário. O que acha, afinal a Cinemateca exibe muita produção nacional?

MSS: Não creio que Curitiba esteja muito fora da curva do mercado nacional. Não sei de estatísticas, mas a grande maioria dos filmes brasileiros não tem espaço ou público consistente. A Cinemateca exibe uma proporção muito maior de cinema brasileiro do que o circuito comercial que, muitas vezes, à exceção das comédias e um ou outro caso, exibe devido à obrigatoriedade da cota de tela do cinema nacional.

CC: A Cinemateca faz exibições na periferia, mas também traz grupos de estudantes para sessões de cinema na sede, qual é o retorno dessas iniciativas?

MSS: Este ano (2015) atendemos, com esses projetos, mais de 6000 estudantes e grupos especiais. Mensalmente fazemos sessões com audiodescrição, para pessoas com deficiência visual. Os filmes apresentados são brasileiros e se adequam à faixa etária. É um trabalho lúdico e de descoberta. O retorno é incomensurável e muito satisfatório. O Julio César Manso Vieira é o responsável pela área de ação cultural e o Miguel Gubert agenda as escolas.

CC: Há um bate-papo com os espectadores sobre o filme exibido e ou sobre um gênero que eles gostariam de ver?

MSS: Sim, há sempre uma conversa sobre o que as crianças ou adolescentes assistiram, sobre o cinema em si e sobre o espaço da Cinemateca.

Estudantes na Cinemateca - Foto: Acervo da Cinemateca
CC: Hoje, quais são as atividades da Cinemateca de Curitiba?

MSS: Além dos cursos práticos de cinema, a nossa função básica é preservar, difundir e incentivar a pesquisa do cinema, mas não só de Curitiba e do Paraná. A Cinemateca também atende a muitos alunos que, obrigados, vêm fazer pesquisas escolares e ao conhecer o espaço e aprender sobre produção cinematográfica, se surpreendem com existência de uma instituição que se dedica a preservar e a difundir filmes. Esses jovens, com certeza, passarão a ver o cinema, principalmente o brasileiro e paranaense, com novos olhos. Há, ainda, o Projeto de Ação Educativa que recebe pessoas que nunca foram a um cinema e nem imaginam que existe um espaço que cuide e mostre este mundo a elas.

CC: Nos primórdios da Cinemateca, ter uma carteirinha de associado dava status. E hoje, a Cinemateca ainda tem os seus sócios de carteirinha?

MSS: Não existe mais a emissão das carteirinhas que, na época, mediante a uma mensalidade bem baixa, permitia o livre acesso aos filmes exibidos. Atualmente grande parte de nossa programação é gratuita ou, quando filmes de distribuidora, o valor do ingresso é bem abaixo do praticado no mercado.

Sala de Exibição da Cinemateca do Museu Guido Viaro - Foto: Marcos Campos
CC: Você chegou a ter uma valiosa Carteirinha da Cinemateca, que hoje deve ser uma relíquia?

MSS: Não cheguei a ter esta carteirinha, mas fui um frequentador assíduo. A Cinemateca me apresentou, por exemplo, meu cineasta de coração que é o Buñuel e do qual assisti a uma grande mostra no antigo prédio. Vi lá, também, abraçado a uma coluna que ficava no meio da sala, Apocalipse Now, do Coppola.  

CC: No seu artigo Cinemateca de Curitiba - 40 anos, você cita diversos afiliados que participaram de cursos, oficinas, laboratórios de cinema e se tornaram cineastas reconhecidos, a tradição continua?

MSS: Procuramos manter os cursos práticos de cinema na Cinemateca de Curitiba, pois esta característica a marcou desde sua fundação. Atualmente ministrado por Geraldo Pioli, Nivaldo Lopes e eu. Nossos cursos são muito procurados. A média é de 600 candidatos para as 30 vagas disponíveis.

Curso Prático de Cinema - Foto: Acervo da Cinemateca
CC: O nível de interesse permanece durante o curso?

MSS: Tem alunos interessados em apenas conhecer as práticas de produção de um filme e outros que pretendem seguir carreira. Em toda turma, há sempre um ou outro mais focado neste objetivo e que acaba abraçando a profissão. Tem inúmeras maneiras de se dedicar ao cinema. Precisamos de técnicos, pesquisadores, historiadores e, puxando um pouco pro meu lado, de preservadores.

CC: Lembra de algum que, após o curso prático de cinema, tenha realizado algum curta e ou longa e lançado na Cinemateca?

MSS: Sim! O Eduardo Calegari, auxiliado por outros ex-alunos nossos, realizou o curta Looping, pela Lei de Incentivo; o Marcelo Anc montou uma empresa de locação de equipamentos e tornou-se fotógrafo; a Carol Mira, após o curso, graduou-se em cinema e agora faz mestrado em antropologia ligada ao cinema...

Geraldo Pioli, Marcos Saboia, Mario Kuppermann, Nivaldo Lopes - Acervo/Cinemateca
CC: A Cinemateca continua trazendo cineastas renomados para orientar oficinas e ou fazer palestras? Ela ainda recebe visitas ilustres?

MSS: Sim! O Anselmo Duarte (1920-2009) já esteve por aqui. Recentemente recebemos a visita dos documentaristas Mario Kuppemann,  que gentilmente veio para um bate-papo e para entregar os equipamentos cinematográficos que nos doou, e do palestino Emad Burmat, que veio apresentar o seu filme 5 Câmeras Quebradas e encantou a plateia com a sua história.

CC: Qual é o apoio que a Cinemateca dá a AVEC (Associação de Cinema e Vídeo do Paraná) e aos cineastas profissionais?

MSS: Basicamente cedemos espaço para reuniões, exibição, sessões teste, lançamento.

CC: E o papel da Cinemateca na discussão de Normas da Lei de Incentivo Municipal?

MSS: Quanto à Lei, atualmente, alguns funcionários da Cinemateca representam a Fundação Cultural junto à Comissão de Mecenato. 

CC: A Cinemateca tem verba própria? Trabalha com parcerias? Tem apoio da iniciativa privada?

MSS: Somos uma instituição pública, parte da Fundação Cultural de Curitiba. A nossa verba vem da prefeitura, através da FCC. Não temos apoio da iniciativa privada de forma direta. Nosso curso prático de cinema, por exemplo, é viável graças ao Projeto Federal Rede Olhar, da fase do Gilberto Gil no Ministério da Cultura (2003-2008), que nos forneceu equipamentos de produção.

Emad Burmat e Nivaldo Lopes - Acervo/Cinemateca
CC: Você é cineasta, com graduação em cinema pela UNESPAR-FAP, trabalha na Cinemateca há quatorze anos e há nove meses é o seu Coordenador, como é administrar uma instituição desse porte em uma época de contenção de despesas?

MSS: A Cinemateca de Curitiba tem objetivo e perfil bem estabelecidos. Instituições semelhantes, agora reunidas através da Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), apoiam-se mutuamente, com troca de informações e experiências. Assim, uma vez que nossas bases estão bem colocadas, os problemas que aparecem tornam-se menos traumáticos.

CC: Como se compõe a equipe técnica da Cinemateca? Quantos funcionários? Todo pessoal técnico é ligado, de alguma forma, ao fazer cinematográfico?

MSS: Na Cinemateca somos 25 funcionários diretos do setor. Nem todo o nosso pessoal é necessariamente ligado à área, pois temos administrativos, manutenção, segurança, projecionistas, porteiros, bilheteiros...

CC: Todo acervo da Cinemateca está restaurado, digitalizado e disponível para empréstimo e ou cessão de imagens?

MSS: Grande parte do nosso acervo, que conta com mais de 2500 entradas em película, já está digitalizado. No momento, o material está disponível para pesquisa. Quanto ao empréstimo e a cessão de imagens, são analisados caso a caso e, uma vez que a propriedade intelectual é inalienável, dependem da autorização dos detentores dos direitos. Seguimos basicamente a Lei de Direitos Autorais brasileira e o Código de Ética proposto pela FIAF (Federação Internacional de Arquivos de Filmes) e das demais cinematecas nacionais. 

CC: Nestes quarenta anos, a Cinemateca editou algum material sobre a sua história e ou acervo?

MSS: Temos o Dicionário do Cinema no Paraná (2005), de Francisco Alves dos Santos, e um Boletim Informativo, ambos editados pela Fundação Cultural de Curitiba em comemoração aos 30 anos da Cinemateca.

CC: Há alguma previsão de uma edição revista e ampliada do Dicionário de Cinema do Paraná?

MSS: Por enquanto não há previsão. Mas existe, sim, a necessidade de mais pesquisas como essa.

Exposição de Cartazes - Acerco/Cinemateca
CC: Aproveitando o gancho, em junho de 2015 a Cinemateca de Curitiba foi homenageada na 10ª Mostra de Cinema de Ouro Preto - CINEOP, e para Curitiba, o que está programado para a comemoração que se estende até o mês de abril de 2016?

MSS: Em 2015 a Cinemateca de Curitiba foi tema de quatro mostras de cartazes que resgatam a sua história e de dois filmes realizados pelos alunos do curso prático de cinema: o curta de ficção Você Foi Avisado e o documentário sobre os 40 Anos da Cinemateca. O documentário, em fase final da edição definitiva, será disponibilizado para todo o país. Para 2016 estão programadas várias mostras de nosso acervo cinematográfico, começando em janeiro com a exibição de curtas realizados nos cursos. Esperamos, também, para o próximo ano, o início da construção de um novo espaço, que contará com duas salas de exibição e áreas especialmente adaptadas para cursos, exposições e palestras.

CC: Marcos, esta pergunta é para o cineasta, acredita que, assim com o Super8, a película também terá seus seguidores num mundo cada vez mais digital?

MSS: Já vi muitas pessoas, principalmente no começo da popularização do vídeo, tentando que seus filmes ficassem com “cara de cinema”. São coisas diferentes. O S-8 está passando por uma retomada e as pessoas fazem filmes em S-8 conscientes das características únicas do suporte. Infelizmente ficará impossível produzir filme em película pela falta de material e equipamentos para processamento. Poucos cinemas mantêm projetores analógicos atualmente. Isto é um problema grave também à preservação de filmes, uma vez que a tecnologia em película é bem mais confiável em termos de durabilidade do que o que temos hoje em digital.

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